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Patricia Lages

Quando a inteligência não basta: como gente brilhante cai em golpes e toma decisões estúpidas

Efeito Dunning-Kruger e neurociência explicam por que pessoas inteligentes também erram feio

Patricia Lages|Patricia LagesOpens in new window

Braiscompany: Popó comemora “melhor presente de 2024” com prisão dos donos
Braiscompany: Antônio Neto e Fabrícia Ais, donos da empresa foram presos na Argentina

Dizer que “a burrice é um problema dos ignorantes” pode ser reconfortante, mas é uma afirmação falsa. De acordo com o neurocientista Pedro Calabrez, além de a inteligência não nos proteger da estupidez, às vezes, até colabora com ela. Pessoas brilhantes podem cometer erros absurdos quando subestimam suas vulnerabilidades emocionais ou superestimam sua capacidade de julgamento.

É aí que entra o efeito Dunning-Kruger: um viés cognitivo onde pessoas menos competentes acreditam saber mais do que os outros, enquanto pessoas com capacidades acima da média não se acham tão inteligentes. Porém, quando pessoas acima da média acreditam que sabem o suficiente para nunca serem enganadas já enganaram a si mesmas.

É possível que alguém tenha um alto QI (Quociente de Inteligência), diplomas em várias áreas e seja um profissional de sucesso, mas ainda assim caia golpes tão batidos quanto estelionato sentimental e pirâmides financeiras que, mesmo sendo uma fraude criada em 1910, faz vítimas até hoje.

O pensamento de que esse tipo de coisa jamais aconteceria com alguém tão capaz tem levado muita gente inteligente a cometer atos tão estúpidos quanto qualquer outra pessoa.


Casos reais e recentes

Estelionato sentimental

Em 2023, uma executiva de uma multinacional brasileira – fluente em três idiomas e com mestrado no exterior – foi enganada por um pseudo “engenheiro da Noruega” que se dizia perdidamente apaixonado. Apesar de se dizer muito rico, o golpista convenceu a mulher de que precisava de dinheiro emprestado para cobrir custos de alfândega e liberar uma herança.


Ela, que se julgava perfeitamente capaz de detectar mentiras – mas que na verdade era solitária e emocionalmente vulnerável –, perdeu mais de R$ 700 mil em diversas remessas de dinheiro para o falso namorado. Ela não era ingênua, nem burra, mas sua alta performance profissional a fez esquecer de que inteligência emocional não acompanha, necessariamente, a racional.

O velho esquema Ponzi sempre faz novas vítimas


No final de 2022, a Braiscompany, empresa de Campina Grande (PB) que prometia altos rendimentos com investimentos em criptoativos foi denunciada como pirâmide financeira. O esquema atraiu milhares de investidores no Brasil, incluindo juízes, empresários, advogados e o ex-lutador Acelino Popó, que investiu mais de R$ 1 milhão, acreditando na promessa de retorno mensal entre 10% e 30%.

O esquema captou bilhões de reais até desmoronar de vez em 2023, culminando com a prisão do donos Antônio Neto e Fabrícia Ais, na Argentina. Muitas das pessoas que caíram na armadilha sabiam interpretar contratos e balanços financeiros, conheciam as lei ou podiam pagar assessores para analisar a proposta. Mas onde sobrou confiança, faltou ceticismo e uma boa dose de humildade para aceitar que um dia poderiam ser enganadas.

Falsos gerentes de banco

Engenheiros, médicos, profissionais gabaritados de todas as áreas e até professores universitários têm sido vítimas de estelionatários que se passam por gerentes de bancos.

Ao receber a ligação de um falso gerente alegando movimentações suspeitas em sua conta, uma professora pediu que ele entrasse em contato com seu marido. Mais tarde, outra criminosa, passando-se por gerente-geral da instituição, entrou em contato com o marido fornecendo mais informações, o que acabou por convencer o casal a seguir as orientações da falsa funcionária.

Eles alteraram a senha no site oficial do banco e, em seguida, ativaram uma nova chave de segurança, mas desta vez em um site falso, visualmente semelhante ao oficial. Durante o processo, eles acabaram fornecendo os dados de acesso, o que permitiu que os criminosos fizessem quatro transferências totalizando mais de R$ 127 mil.

Em momento algum o casal cogitou a simples atitude de entrar em contato com o banco a fim de confirmar a legitimidade da ligação. Ambos simplesmente creram em seu próprio poder de julgamento, mas jamais recuperaram o dinheiro perdido.

O que diz a neurociência

Pessoas letradas, inteligentes e que sabem que estão acima da média são capazes de cair em golpes tão batidos e amplamente difundidos como esses quando acreditam que sua genialidade será o suficiente para impedi-las de serem enganadas. Por esta razão, não questionam o óbvio, não conferem informações básicas, não pedem ajuda.

Pedro Calabrez destaca que a estupidez é um comportamento, não uma condição permanente. E pode acontecer quando alguém, mesmo brilhante, age sem autocrítica, sem escuta e com excesso de certeza.

Obviamente, o problema não é a inteligência em si, mas o isolamento que ela pode gerar, pois muitos evitam pedir conselhos acreditando que sabem o suficiente. Por isso, quando caem, o tombo geralmente é maior. “Os inteligentes cometem erros mais sofisticados e, por isso, mais perigosos”, afirma o neurocientista.

Calabrez esclarece que a verdadeira inteligência é aquela que duvida, pergunta, escuta, compartilha decisões e que pessoas inteligentes também são manipuláveis e podem errar. “Elas erram muito, especialmente quando acham que não podem errar”, afirma.

Em tempos de autocentrismo e egolatria, inteligência sem humildade para reconhecer as próprias incapacidades é receita certa para cair no maior de todos os golpes: achar que tudo pode acontecer com os outros, mas nunca consigo mesmo.

Os textos aqui publicados não refletem necessariamente a opinião do Grupo Record.

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