Reforma tributária: será o fim do"você finge que é verdade e eu finjo que acredito"?
Com novo sistema, casquinha do McDonald’s não é mais sobremesa láctea e volta a ser sorvete, embora permaneça igual
Patricia Lages|Do R7 e Patricia Lages
O manicômio tributário no Brasil enlouqueceu a contabilidade das empresas e as levou a usar muito mais a criatividade do que os números para equilibrar as contas.
Se a famosa casquinha do McDonald's, assim como os demais sorvetes da rede americana fossem chamados de sorvetes, pagariam 38,97% em impostos. Porém, ao serem classificados como “sobremesas lácteas”, magicamente tiveram os impostos reduzidos para 11,78%.
Um caso emblemático, analisado pelo Conselho Administrativo de Recursos Fiscais (Carf) em 2017, levou a empresa Crocs Brasil a julgamento por um motivo que beira o ridículo: definir se o calçado deveria ser classificado como sandália de borracha ou sapato impermeável. Em menos de cinco segundos, qualquer pessoa perceberia que um calçado repleto de furos e aberturas não pode ser impermeável. Mas no Brasil, até o óbvio precisa ser discutido ou, como nesse caso, julgado.
A questão é que a diferença de nomenclatura impacta diretamente na cobrança de “direitos antidumping”, com incidência de US$ 13 (R$ 63,70) por par. Durante um ano, a Crocs importou seus produtos sob o código 6.402, referente a sandália de borracha, sendo isenta de antidumping. Porém, um auditor fiscal reteve uma remessa inteira no porto de Santos, alegando que a empresa estaria burlando o sistema, pois deveria usar o código 6.401, referente a “sapato impermeável”.
O resultado do processo administrativo, julgado pela 1ª Turma da 3ª Câmara da 3ª Seção do Carf, foi favorável à companhia: “o colegiado entendeu que os calçados devem ser considerados como sandália de borracha, pois embora o material dos Crocs não permita a passagem de água, só pode ser considerado impermeável o calçado que for coberto até a altura do tornozelo.”
Veja que a decisão, embora acertada, não cita o fato de o calçado não ser impermeável por seus múltiplos buracos, mas sim, por não “cobrir o tornozelo”. Enfim...
Mas o caso é que, se por um lado, a legislação anterior impõe alíquotas absurdamente altas, por outro, deixa brechas que permitem manobras que, a exemplo da casquinha do McDonald’s, diminuem drasticamente a incidência de impostos.
E o detalhe que mostra quem mais sofre com a loucura tributária é que apenas grandes empresas têm condições de bancar escritórios tributaristas e processos longos e caros quando são taxadas indevidamente para descobrir meios de driblar essa insanidade toda e manter preços competitivos. Já as médias e pequenas, que não têm para onde correr, veem seus lucros cada vez mais estrangulados e, cedo ou tarde, são obrigadas a mudar de ramo, fabricar outros produtos ou mesmo fechar as portas.
Com a reforma tributária, espera-se que essas manipulações nas classificações tributárias e processos absurdos como o da Crocs não sejam mais necessárias. Quem sabe assim, o Sonho de Valsa pare de ser o wafer que nunca foi e volte a ser o bombom que nunca deixou de ser.
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