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Patricia Lages

RN permitirá que alunos reprovados passem de ano e desobriga frequência mínima às aulas

Alunos da rede pública estadual poderão avançar para a série seguinte mesmo reprovados em quase metade das disciplinas

Patricia Lages|Patricia LagesOpens in new window

professor, ideb
Secretaria Estadual de Educação do RN implementa medida polêmica: investir recursos para "ensinar depois" Cecília Bastos/Jornal USP

Como medida de enfrentamento aos dois maiores desafios da educação pública do Rio Grande do Norte – evasão escolar e alto índice de repetência – a Secretaria Estadual de Educação (SEEC/RN), sob gestão da governadora Maria de Fátima Bezerra (PT), implementou uma política polêmica que demanda uma análise mais aprofundada.

Desde a última sexta-feira (25/7), entrou em vigor a nova norma do Regime de Aprovação em Progressão Parcial (RAPP), que determina que alunos da rede pública estadual avancem para a série seguinte mesmo sendo reprovados em até seis disciplinas no Ensino Médio (1º e 2º anos).

A SEEC/RN divulgou que, a partir de 2026, os alunos terão suporte de tutores para auxiliar na recuperação das disciplinas pendentes, porém, os alunos não precisarão cumprir a carga mínima de 75% de frequência nas aulas de recuperação.

Como a proposta será na prática

Um aluno cursando o 1º ano do Ensino Médio não consegue – durante o ano inteiro – aprender o suficiente para passar de ano em seis das 13 matérias obrigatórias. Esse aluno avançará para o 2º ano mesmo sem aprender praticamente metade do que deveria.


Chegando ao segundo ano, ele terá de estudar todas as matérias obrigatórias, além das seis que ficaram pendentes. E tudo isso sem a obrigação cumprir o mínimo de 75% de presença nas aulas de recuperação.

As primeiras de muitas perguntas são: como esperar que um aluno que não acompanhou medianamente 13 disciplinas em um ano conseguirá acompanhar 19 no ano seguinte? E como seria possível que um aluno sem conhecimento prévio de disciplinas progressivas e sequenciais como Matemática e Língua Portuguesa (onde cada ano constrói uma base para o próximo) aprenderá as novas matérias?


Considerando que esse aluno pode, mais uma vez, passar para o 3º ano sem ter aprendido metade do que deveria no 2º, o que acontecerá nas etapas posteriores da educação? Ele fica retido por período indeterminado no 3º ano, sem poder avançar para as próximas etapas de aprendizagem? Ou será que ele poderá ingressar em uma faculdade por meio de cotas que, muitas vezes, são um atestado de ineficiência do ensino público? Ou ainda, que tipo de emprego conseguirá em um mercado de trabalho cada vez mais competitivo com o baixo conhecimento que tem?

Se o estado do Rio Grande do Norte vai gastar verba pública para arcar com o “suporte de tutores” depois que o aluno perdeu o ano inteiro, por que não investir em uma estrutura de qualidade antes que ele perca todo esse tempo? Se há dinheiro para um “plano de recuperação individualizada, para que o aluno tenha apoio personalizado” – como a medida prevê – por que não investir para que o aluno receba o apoio de que precisa no tempo certo?


Por que ensinar depois e não antes?

A ideia de ensinar depois, quando o aluno já está com um déficit de aprendizado, levanta várias questões sobre a efetividade do sistema educacional e o uso eficiente do dinheiro dos pagadores de impostos.

Garantir que o aluno aprenda de maneira eficaz desde o início é a estratégia que gera melhores resultados a longo prazo e aqui seguem algumas razões:

Se o aluno for bem acompanhado desde o início, não haverá lacunas significativas de aprendizado, o que o fará seguir com confiança e muito mais motivado para o ano seguinte. Se há dinheiro para um “acompanhamento constante” depois, por que não implementar a medida agora? Quanto mais cedo se resolve uma dificuldade de aprendizado, mais eficaz será para o aluno e mais barato será para os cofres públicos.

Historicamente, o sistema educacional no Brasil tem falhado em oferecer suporte contínuo e eficaz aos alunos. Por que agora seria diferente? A ideia de se ter um acompanhamento real e eficaz em escolas públicas – que frequentemente enfrentam dificuldades com falta de infraestrutura, capacitação de professores e recursos pedagógicos – tem tudo para não passar de mais uma promessa não cumprida.

O sistema de progressão parcial acaba sendo uma medida paliativa que, na melhor das hipóteses, tenta remediar um sistema falho (e na pior, parece não se importar com o déficit de aprendizado do aluno). O RAPP do Rio Grande do Norte tem tudo para formar um ciclo vicioso, onde a falta de recursos para um acompanhamento adequado no momento certo gera a necessidade de gastar mais para ensinar depois. Há muito mais a ser dito a esse respeito, mas vamos encerrar com uma frase que, por si só, já diz muito:

“Quando as pessoas ficam mais inteligentes não querem mais votar na gente” – da Silva, Luiz Inácio, 8 de dezembro de 2023.

Os textos aqui publicados não refletem necessariamente a opinião do Grupo Record.

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