Terceiro setor é pilar fundamental para a inclusão social no Brasil
Atuando onde políticas públicas tradicionais não chegam, organizações da sociedade civil precisam de apoio e reconhecimento

Em 2014, aos seis anos de idade, Marcos Parra Gonçalves chegou à Associação Brasileira de Assistência e Desenvolvimento Social (ABADS). Na idade dele, outras crianças já estariam na escola há pelo menos dois anos; Marcos, porém, é um menino não verbal.
Foi na ABADS que, além do diagnóstico de Transtorno do Espectro Autista (TEA), ele garantiu uma vaga na Escola de Educação Especial, que oferece ensino fundamental I (do 1º ao 5º ano) para crianças e jovens (entre 6 e 29 anos) com Deficiência Intelectual e Autismo.
Em uma escola pública regular, embora haja leis que determinem que uma equipe multidisciplinar (professores, terapeutas ocupacionais, psicopedagogos, fonoaudiólogos, entre outros) acompanhe crianças com TEA individualmente, na prática, Marcos provavelmente não teria acesso a tudo de que precisa. Mas na ABADS, ele encontrou todo esse suporte.
Uma das professoras de Marcos observou que o menino se interessava por gibis. Ele abria, folheava e acompanhava cada quadrinho atentamente, mas como saber se aquilo era apenas um interesse pelos desenhos coloridos ou se ele realmente compreendia as histórias?
Foi então que a professora teve a ideia de se sentar frente a frente com o menino e ler a história em voz alta, mesmo visualizando o gibi de cabeça para baixo. Enquanto lê, a professora percebe que Marcos acompanha a leitura com o olhar, como se soubesse o significado de cada frase. Ela não tem certeza se há alguma compreensão e decide fazer um teste simples: parar de ler.
A professora dedicada observa que Marcos continua acompanhando a história com os olhos, seguindo a ordem dos quadrinhos e, ao chegar em uma parte engraçada, o menino ri.
Aos 17 anos, Marcos continua sendo um autista não verbal, mas nos gibis — sua maior fonte de lazer até hoje — ele encontra um mundo com o qual consegue se comunicar. O jovem balança as mãos quando está feliz e, talvez saiba que, ao vê-lo feliz, a equipe multidisciplinar que o acompanha há onze anos compartilha o mesmo sentimento.
“Fazer parte da trajetória dos nossos alunos é uma das experiências mais gratificantes no exercício da educação. É transformador acompanhar cada conquista, por menor que pareça aos olhos do mundo, pois elas têm um valor imensurável para quem acompanha de perto essa jornada na educação especial”, afirma Juliana Alves Santos, diretora da escola e há doze anos na instituição.
A ameaça que rondou a ABADS por 26 anos
A ABADS, inicialmente conhecida como Sociedade Pestalozzi de São Paulo, foi fundada em 1952, época em que ocupava um casarão emprestado pelo Estado de São Paulo, que havia pertencido à família do aviador Santos Dumont, no bairro Campos Elísios — onde hoje funciona o Museu da Energia de São Paulo.
No entanto, passados dez anos, o Estado recobrou a posse do imóvel e a instituição recorreu à Prefeitura de São Paulo em busca de um novo local. Em 1968, a prefeitura concedeu o uso por trinta anos de um terreno localizado às margens do Rio Tietê. A instituição arrecadou fundos por conta própria para a construção de quatro blocos de atendimento e, em 1974, mudou-se para a nova sede.
Passado o período da concessão, em 1998, a ABADS começa a conviver com a possibilidade de ter que desocupar o local. A prefeitura concedeu uma permissão de uso a título precário, o que não representava qualquer garantia de permanência.
O fantasma da desocupação rondou a instituição por mais de duas décadas, enfrentando inclusive pressões de autoridades que almejavam a posse do local, desconsiderando os 55 anos de investimentos da instituição e o destino das centenas de crianças e jovens assistidos.
União entre poder público e terceiro setor
Finalmente, em 2023, a Câmara Municipal de São Paulo sancionou a lei 18.062, proposta pelo vereador André Santos (Republicanos), que autoriza a concessão de uso da área por 40 anos. Por meio de esforços conjuntos, o prefeito Ricardo Nunes autorizou a concessão, solicitando como contrapartida, que a ABADS, além de seus trabalhos habituais, participe de ações em parceria com as Secretarias Municipais de Saúde (SMS), Educação (SME) e Assistência Social (SMADS).
Quando o poder público entende que o terceiro setor é um pilar fundamental para o bem-estar da população, todos ganham, principalmente as famílias de baixa renda que, sem iniciativas como a da ABADS e de tantas outras instituições, não teriam acesso à assistência de que precisam.
