Você sabia que existe vinho laranja? Saiba como ele é feito
Não, ele não é feito de laranja, mas de uva mesmo
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Você já ouviu falar dos vinhos laranjas 🧡?
Tenho tomado nestes dias super quentes de verão e estou adorando.
Diz a lenda que eles têm origem milenar e vêm da região do Cáucaso, na Europa Oriental, nascidos em países da antiga União Soviética, a Geórgia e a Armênia. Chamados assim pela sua cor, apesar de nem todos serem laranjas, são vinhos feitos a partir de variedades de uvas brancas, que são vinificados como se fossem tintos e usando uma técnica de mais de 8 mil anos.
O suco das uvas fica um longo tempo em contato com as cascas, adquirindo elementos não habituais nos brancos, a cor alaranjada ou âmbar e uma textura enrugada ou áspera. Aliás, muitos produtores preferem chamá-los de vinhos âmbar (como os italianos, que o chamam de “vino ambro”).
Vou citar quatro produtores bacanas que provei nas últimas semanas.
Gravner Ribolla Gialla (Itália)
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Entre aqueles de mais destaque no mundo, pode-se dizer que os italianos revolucionaram o mercado dos “laranjas”, principalmente por causa do genial Josko Gravner e seu vinho Ribolla Gialla, que é uma obra-prima, além de outras das suas criações sensacionais no Friuli-Venezia Giulia, região na fronteira com a Eslovênia, outro país de destaque nessa especialidade.
Os antepassados de Gravner estão na região há mais de 300 anos. Em 1901, sua família comprou uma casa com dois hectares no povoado de Lenzuolo Bianco (lençol branco, em português), localizado na aldeia de Oslavia, nas colinas de Collio (Brda, em esloveno).
Durante a Primeira Guerra Mundial, era a única casa que ainda existia em toda a aldeia e serviu de pronto-socorro para os soldados do front. Aliás, o nome da aldeia remonta justamente a essa época, quando soldados atiravam do morro Sabotin mirando em um muro branco que ainda estava de pé, que à distância parecia um lençol pendurado.
Josko cresceu ali e se juntou aos negócios da família na década de 70, se tornando um prestigiado enólogo nos anos 80. Em 1987, após uma viagem à Califórnia, seu mundo virou de cabeça para baixo e ele se decepcionou com a industrialização e com o que considerou a mercantilização do mercado.
Foi seu ponto de virada. Substituiu a maioria da tecnologia de suas adegas e fazenda, reavaliou suas técnicas agrícolas e não olhou mais para trás. Em 1996, uma tempestade de granizo devastou sua produção de Ribolla e ele resolveu fazer um lote experimental: amadureceu as uvas ao máximo, apostou em maceração longa sobre suas peles e vinificou o vinho em uma ânfora de terracota na própria casa!
Um regresso a forma de fazer vinho típica das antigas civilizações da região do Cáucaso, onde tudo começou. Ficou tão encantando com o resultado que em 2000 decidiu viajar para a Georgia para comprar mais “Qvevri”, as tais ânforas.
Em 2001, transportou as 11 primeiras para sua cantina, enterrou-as sob o solo e continuou fazendo todos os seus produtos dessa maneira. No início foi muito criticado e acusado de retrocesso. Inabalável, seu vinho “âmbar” é hoje o ápice da categoria e inspiração de uma geração de enólogos🤩🏆.
Zidarich Vitovska (Itália)
Junto com Gravner, outro expoente destes vinhos é Benjamin Zidarich. Seus vinhos têm raízes entre o mar Adriático e o Carso (ou Karst), um planalto rochoso de calcário, que se estende por três países, do nordeste da Itália, aos pés dos Alpes e também na região de Friuli-Venezia-Giulia, mais precisamente na cidade de Trieste, até o extremo noroeste da Croácia, passando pela parte ocidental da Eslovenia.
Zidarich vem dessa terra e produz vinhos naturalmente, que representam quem ele é e como pensa, de acordo com o conceito de “vini veri” ou vinhos reais. Tradição e vocação pura!
Ele começou em 1988 com apenas um hectare e, desde então, aumentou sua propriedade para oito hectares, todos cultivados sem o uso de produtos químicos. As vinhas crescem nos solos vermelhos ricos em ferro e cálcio da área.
Zidarich trabalha principalmente com Vitovska, a variedade local clássica do Carso, abraçando métodos antigos em que mantém seus vinhos brancos em contato com a casca por algumas semanas durante a fermentação (que sempre ocorre espontaneamente).
Diz a lenda que essa casta é afetuosamente chamada de Malvasia com ponto, por uma tal marca preta que possui na base do bago. Vitovska é resultado do cruzamento de Prosecco e Malvasia Bianca Lunga e praticamente extinguiu-se durante o século 20, sendo salva por vinicultores visionários nos anos 80.
Os vinhos da sua Casa são vibrantes, com mineralidade, sutileza e se desenvolvem bem com a idade. Produção limitadíssima de apenas 20 mil garrafas por ano😋.
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De Martino Viejas Tinajas Muscat (Chile)
Os laranjas já se espalharam pelo mundo, inclusive na América do Sul, principalmente no Chile. Adorei o De Martino Muscat Viejas Tinajas! A vinícola produtora foi fundada em 1934 pelo imigrante italiano Pietro De Martino, que foi ao Chile determinado a encontrar um lugar único como o vinho que sonhava produzir.
Sua família segue seu legado e hoje é a sua 4ª geração que toca o negócio. O muscat laranja é um vinho patrimônio de produção limitada de apenas 5.400 garrafas por ano. Ele foi fermentado e envelhecido em ânforas centenárias, uma tradição desde as primeiras vinhas do Vale do Itata, plantadas em 1551.
O resultado foi uma homenagem aos primeiros enólogos do país e a este terroir especial. Inovação e história juntos! Um vinho de personalidade, frescor e notas cítricas. Muito gostoso e bom preço 🤗!
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Era dos Ventos Peverella (Brasil)
E no Brasil? Tem uma joia chamada Era dos Ventos, que tal qual o romance épico “O Tempo e o Vento”, do escritor gaúcho Érico Veríssimo, traz os mesmos traços de uma trajetória heroica da história do Rio Grande do Sul.
O protagonista é Luiz Henrique Zanini. Há 20 anos ele trabalhava no Banco do Brasil e não imaginava o que seu futuro reservava. Amante da filosofia, literatura e poesia, ele era fã de cerveja.
O vinho foi apresentado pela família de sua esposa Talise Valduga. Amor à primeira vista. Ele estudou enologia, estagiou na Borgonha e, em 1999, fundou a vinícola Vallontano.
Intuitivo, se tornou um dos viticultores mais reverenciados do país e profundo defensor do trabalho autoral. O projeto Era dos Ventos floresceu sob a inspiração dos versos de Veríssimo: “Quando os ventos de mudança sopram, umas pessoas levantam barreiras, outras constroem moinhos de vento”.
Ele resgatou os métodos ancestrais que valorizam a intervenção mínima e castas italianas tradicionais trazidas pelos colonizadores oriundos da Bota para a Serra Gaúcha no século 19 e acreditou na uva Peverella.
Apesar de quase extinta, se adaptou ao território perfeitamente. O casal plantou seus vinhedos em 2004 e a colheita inicial foi em 2007. Era dos Ventos foi a pioneira na produção do vinho laranja no Brasil🧡.
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Estes laranjas criaram uma conexão pessoal comigo😍. Sabor, frescor, ousadia e o colorido na taça que é uma apresentação à parte🍷. Experimentem. Salute, salud, saúde, აუმარჯოს 🧡!
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