Carne sustentável: mais que música clássica e semente de linhaça para os bois. Como é produzido o gado premium mais cobiçado no mercado brasileiro
Mercado de carne sustentável deve crescer cerca de 18% até 2030, alcançando a marca de R$ 30 bi. E o Brasil tem pioneiros no setor
“Como eu posso deixar a carne melhor?”
A pergunta que martelava a cabeça de Antonio Sechis, na década 1980, virou mais que um projeto de negócio, virou um propósito de vida. Ele, que no início da carreira profissional, trabalhou em açougues vendo de perto a carne que era vendida aos clientes, decidiu embarcar no mundo da produção agropecuária. “Eu queria uma carne com um currículo bom”, afirma.
Antônio se formou em engenharia, fez cursos de bem-estar animal e começou a criar gado. Passou, no dia a dia, a entender que era necessário um tripé para transformar um simples “bife” em um Beef Passion , nome da marca da qual é proprietário: 1) Alimentação de qualidade. 2) Manejo sustentável e 3) Melhoramento genético.
Mas o que significa esse tripé que eleva a carne em preço, mas que também a torna diferente de tudo que há no mercado hoje?
A Beef Passion foi a primeira empresa produtora de carne daqui do Brasil a ser certificada em 2015, pela prática de agricultura 100% sustentável - e a única do mundo a receber o selo Rain Forest, motivo de grande orgulho para Antônio Sechis e para a filha Amália Sechis, advogada e CEO da empresa.
A alimentação diferenciada dos gados da raça Angus e Wagyu, criados nos currais do Mato Grosso do Sul e no interior paulista, tem linhaça, semente de girassol e selênio. Melhor que a composição do menu diário da maioria dos brasileiros. Faz total sentido, se pensarmos na máxima: “você é o que você come”. Afinal, os animais serão abatidos e o que eles comeram e forma como viveram, tem relação direta no valor nutricional do alimento. O manejo sustentável é um braço importante de toda a operação, e a premissa está tanto no bem-estar do animal quanto do trabalhador.
Amália conta que a empresa, além de contratar toda mão de obra CLT, garante plano de saúde, exige que os filhos dos trabalhadores estejam em creches, que o ambiente de trabalho e moradia seja cercado de verde para evitar poeira e até mesmo frequência constante na troca de roupas de camas dos empregados. Já os bois e vacas têm a maturidade da carne respeitada. Antônio conta que gosta de comparar o gado a uma fruta madura, como a manga. Se você colher antes, vai comer uma fruta de pior qualidade. “É preciso que ela chegue ao ponto de maturação ideal. Nossas equipes da fazenda se apresentam não como predadores, mas como cuidadores desses animais. E o mundo sem predadores é um mundo sem stress”, explica.
A “boa vida” dos bois e vacas corre no melhor estilo “seja eterno enquanto dure”. Para as fêmeas da raça Angus, o abate vem aos 22 meses. Para os machos, aos 24. Os bois da raça Wagyu são abatidos um pouco mais tarde, aos 36 meses. Enquanto vivem, desfrutam do chamado “Manejo nada nas mãos”: “Os cuidadores não tocam o gado, os animais são levados para as áreas dos currais atraídos por uma ração que gostam e por música”, conta Antônio.
Sim, música, caro leitor. Música Clássica para ser mais exata. E tem coçador de costas também para os boizinhos. “Os animais se alimentam ao som de berrante. Um caminhão passa tocando um som de berrante na hora da alimentação. E a gente leva essas mesmas informações para o frigorífico. Os caminhões que transportam o gado têm o som. Desembarcam com o som no frigorífico. Na hora da insensibilização (abate), eles ouvem o som e sentem o cheiro da ração para serem insensibilizados com uma boa expectativa naquele momento (sem stress para o animal).” revela Antônio.
“Morrer todo mundo vai, mas cada um tem uma finalidade na cadeia alimentar. Então, você levar o animal no melhor status que ele pode ter e com o melhor nível de consciência. Eu acredito que o consumidor, na hora de selecionar o produto, levando isso em conta, vai contribuir para que todo o sistema melhore”, completa.
A vida e morte nada severina do gado tem preço. Custa caro para o produtor: cada animal consome cerca de R$ 25 mil reais entre cuidados e comida. Além, é claro, do investimento genético, a parte final do tripé. O cruzamento de raças garante uma carne de gordura entremeada, quase um azeite de gordura, que derrete na boca e pode sim ser considerado mais saudável que aquela gordura presente nos cortes mais comuns.
Preço e sabor elevado
Isso tudo tem reflexo no preço final ao consumidor. Não é qualquer um que compra um produto desses. Um bife de chorizo reserva de 350 gramas, por exemplo, custa cerca de R$ 150 reais. Já a peça de picanha, com cerca de um quilo e meio, sai por quase R$ 480 (preços de novembro de 2024). Barato não é, mesmo. Mas o sabor é realmente diferente do que existe de melhor no mercado. O corte mais caro da produção sai por cerca de mil reais o quilo.
Dito isso, não é de se estranhar que somente os restaurantes mais renomados sirvam os produtos da empresa no Brasil. Em SP, os japoneses que servem Wagyu como o Nakka e Kotori (recém-incluso na lista de 50 melhores restaurantes da América Latina) adotaram o produto, que também brilha no Emiliano e Tivoli, além de casas modernas como Picchi e Shihoma Deli. Fora de SP a marca também fornece para o Emile, no Rio, La Plata Asados em Belém, Six Dry Aged, em Porto Alegre e Ricco Burger, em Brasília.
O mercado de carne bovina sustentável cresce devido à preocupação com o impacto ambiental da produção pecuária, incluindo desmatamento, emissões de gases de efeito estufa e outros problemas associados. A busca por alternativas mais sustentáveis no setor envolve mudanças nos processos de produção, rastreabilidade, bem como o desenvolvimento de tecnologias que busquem mitigar esses impactos.
Há hoje uma expansão de certificações e iniciativas no mercado global, para promover práticas mais responsáveis na pecuária, como o Certificado de Pecuária Sustentável (Sustainable Beef Certification Initiative) e o Roundtable on Sustainable Beef (RSB).
Relatórios da Markets and Markets indicam que o mercado de carne sustentável, incluindo carne cultivada, deve saltar de US$ 9 bilhões em 2020 para cerca de US$ 30 bilhões até 2030, com uma taxa de crescimento de 18,4% ao ano.
Adaptações internacionais
Amália conta que há procura internacional pelo produto. A marca vai começar a exportar para a Arábia Saudita em 2025 - e foi preciso fazer adaptações no abate para o mercado Halal (na religião mulçumana o animal precisa passar por degola). Existe demanda crescente também no mercado nacional: “O consumidor não está buscando só genética, ele tá buscando a história por trás desse produto, mesmo sabendo que vai pagar a mais por isso. O consumidor está cada dia mais consciente. Eu vejo sim uma adesão muito maior do mercado pela rastreabilidade e pela origem e porque é um produto integral, feito com critérios que não são tão fáceis de encontrar no mercado”, afirma.
A Beef Passion abate cerca de 20 animais por mês. É bem pequena se comparada às gigantes do setor, que trabalham o gado como commodity. Mas é possível escalar essa produção? Ou pelo menos reproduzir as boas práticas em outras empresas? A CEO garante que sim.
“Com certeza é possível escalar. É uma questão de escolha de propósito de cada empresa.”
Resta saber se os produtores brasileiros estão dispostos a incorporar algumas dessas boas práticas e tirar a diferença do próprio lucro.
“O cliente final tem que estar disposto a entender que esse produto tem um custo maior. Quando você consome um produto consciente, produzido de forma ética tudo isso tá incluso. No Brasil as pessoas só comparam preço: ah, olha quanto eu paguei nessa picanha, nesse contrafilé e elas não entendem o que está por trás disso. Isso precisa ficar claro também pro consumidor final”, conclui Amália.
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