Monte Etna: onde o vinho desafia o vulcão e o tempo
Ele não nasce apenas da uva, mas de um equilíbrio milenar entre fogo, altitude, vento e conhecimento humano
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Falar dos vinhos do Etna exige abandonar fórmulas prontas. Ali, nada é simples, nada é padronizado e, sobretudo, nada é replicável fora daquele contexto. Produzir vinho nas encostas do vulcão ativo mais alto da Europa significa dialogar diariamente com um território extremo. E aceitar que é o Etna, e não o homem, quem dita as regras.
Muito antes de o Etna se tornar uma das regiões mais comentadas do vinho italiano contemporâneo, camponeses já haviam entendido que, para sobreviver ali, era preciso observar, adaptar e respeitar.
Esse saber empírico, transmitido por gerações, é a base da identidade vitivinícola etnea — e foi sistematizado, estudado e defendido com rigor por nomes como Salvo Foti, principal intérprete moderno desse território singular.
Um mosaico vulcânico irrepetível

O Etna não é um terroir: é um conjunto de terroirs. Cada erupção, ao longo de milênios, criou camadas sucessivas de lava, cinzas e areia basáltica, resultando em solos extremamente drenantes, pobres em matéria orgânica, mas ricos em minerais.
Essa fragmentação geológica explica a importância das contrade, unidades territoriais históricas que funcionam como verdadeiros crus. Em poucos metros, o solo muda, a idade da lava muda, a profundidade radicular muda — e o vinho também.
As vinhas estão plantadas entre 400 e mais de 1.000 metros de altitude, sobretudo nas faces norte e leste do vulcão, onde a insolação é menos agressiva. A combinação entre altitude elevada, ventos constantes e forte amplitude térmica gera maturações lentas e completas, preservando acidez, complexidade aromática e precisão.
Alberello etneo: uma escolha de sobrevivência, não de estética

No Etna, o sistema de condução tradicional é o alberello etneo, e isso não é uma herança folclórica, mas uma necessidade agronômica.
Diferente do Guyot, amplamente usado no mundo por facilitar mecanização e controle produtivo, o alberello protege a planta em um ambiente hostil. As videiras são mantidas baixas, próximas ao solo, reduzindo a exposição ao vento, ao frio noturno e à insolação excessiva. Em um território onde as rajadas de vento são constantes e as variações térmicas extremas, conduções altas simplesmente não funcionam.
Além disso, o alberello permite que cada planta encontre seu próprio equilíbrio hídrico e nutricional em solos vulcânicos extremamente drenantes. O resultado são rendimentos naturalmente baixos, cachos pequenos e uma concentração que não vem da extração, mas da própria fisiologia da videira.

Segundo Salvo Foti, tentar impor Guyot ao Etna é “forçar o território a falar uma língua que não é a sua”.
Variedades autóctones: adaptação extrema e identidade
Nerello Mascalese
Coluna vertebral dos tintos do Etna, o Nerello Mascalese é uma uva de maturação tardia, sensível e profundamente ligada à altitude. Nas zonas mais altas, amadurece lentamente, desenvolvendo taninos finos, acidez elevada e uma paleta aromática marcada por frutas vermelhas, ervas secas, especiarias e cinza vulcânica.
É uma uva que não tolera atalhos: exige vinhas velhas, baixos rendimentos e mínima intervenção. Quando respeitada, gera vinhos de grande elegância e transparência territorial.
Nerello Cappuccio
Historicamente complementar, o Nerello Cappuccio contribui com cor, volume e uma expressão aromática mais imediata. Seu nome deriva da “capa” de folhas que envolve os cachos, protegendo-os das condições climáticas extremas. Embora menos longevo, é fundamental para o equilíbrio dos cortes tradicionais.
Carricante: a espinha dorsal dos brancos
Se os tintos deram fama ao Etna, são os brancos de Carricante que hoje surpreendem até os paladares mais experientes.
Uva autóctone cultivada nas áreas mais altas, a Carricante apresenta baixíssimo pH, acidez fixa elevada e um perfil mineral e salino raro. Textos históricos já registravam, no século XVIII, a necessidade de fermentação malolática para equilibrar sua acidez — prática comum entre produtores do Etna muito antes de se tornar padrão enológico moderno. O resultado são vinhos de estrutura, tensão e, sobretudo, longevidade excepcional.
Os brancos do Etna envelhecem melhor que os tintos
Essa é uma constatação pouco difundida, mas incontestável para quem acompanha o Etna de perto.
Na prática, e após inúmeras provas verticais ao longo dos anos, é possível afirmar que os grandes brancos do Etna envelhecem melhor do que muitos de seus tintos. A combinação entre acidez elevada, baixo pH, salinidade e extração contida cria vinhos capazes de evoluir por 15, 20 anos ou mais, ganhando complexidade sem perder frescor.
Com o tempo, surgem notas de hidrocarbonetos, ervas secas, pedra molhada e frutos cítricos maduros — uma evolução que remete mais a grandes brancos alpinos do que ao imaginário do sul da Itália.
De guardiões a intérpretes contemporâneos

O renascimento do Etna não teria ocorrido sem produtores que acreditaram no território quando ele ainda era ignorado.
A Benanti foi pioneira ao valorizar Carricante e Nerello Mascalese em pureza. Salvo Foti, com sua atuação técnica e filosófica, moldou toda uma geração. I Custodi delle Vigne dell’Etna preservam vinhas antigas e práticas tradicionais.

Projetos como Tornatore, Palmento Costanzo, Planeta, Donnafugata e Giulia Monteleone ampliaram o alcance internacional da região, enquanto nomes mais recentes, como Giulia Monteleone, mostram que o futuro do Etna passa por interpretações sensíveis, autorais e profundamente enraizadas no território.
O Etna não se copia
Os vinhos do Etna não buscam impacto imediato. Eles exigem tempo, atenção e silêncio. São vinhos de energia contida, onde o fogo se transforma em precisão e o vulcão se expressa mais pela tensão do que pela força.
Para o consumidor brasileiro, o Etna representa uma das experiências mais intelectualmente estimulantes do vinho contemporâneo. Um lugar onde tradição não é marketing, mas sobrevivência — e onde cada garrafa é, literalmente, uma lição de geologia engarrafada.
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