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Papo de Paciente

Assumir responsabilidades dá trabalho, mas te aproxima dos seus sonhos

Ser um paciente ativo tem um preço: o de sair da zona de conforto, que às vezes é tão aconchegante quanto nossa cama em dias frios. Mas sem o pagamento, não se leva o produto. 

Papo de Paciente|Marcela Varasquim

Paciente precisa ser ativo no tratamento
Paciente precisa ser ativo no tratamento

Acordo tentando enganar meus olhos: deixo a janela bem fechada para que as luzes não invadam minhas mentiras. Na verdade, o dia já está apressado lá fora – sou eu quem não quer ver. Estar em remissão do câncer é uma vitória bonita, mas o troféu não é tão leve. No meu caso, para combater as células malignas restantes, a estratégia foi induzir uma menopausa com medicamentos.

Aos 34 anos, meu corpo enfrenta os efeitos que sentiria vinte anos mais tarde: tira e coloca casaco, calafrios, esquecimentos e, para mim, o pior de todos: fadiga. É ela quem me chama para o ringue todos os dias. Não tenho outra opção: ou fico inconsciente, ou aprendo a dar um soco de nocaute.

O que a jornada contra o câncer me ensinou para sempre é assumir responsabilidades – ao mesmo tempo em que é um tanto desconfortável, liberta. Não é agradável estar em menopausa, mas entregar-lhe uma caneta para escrever meus dias depende da minha permissão.

Nossos ouvidos que anatomicamente estão posicionados para ouvir o mundo, precisam voltar-se para dentro. Nossa voz interior é sábia, e tem as respostas que o mundo externo é incapaz de dar. Mas para escutá-la, é preciso pagar um preço: o duro golpe de assumir responsabilidades.


Recentemente entrevistei Paulo Peregrino, um paciente de 61 anos com um câncer grave, que já havia tentado alguns tratamentos: quarenta e cinco sessões de quimioterapia, transplante de medula óssea - todos sem o resultado esperado.

A família, na esperança de descobrir alguma novidade da ciência, dedicou-se a fazer pesquisas e mais pesquisas na internet, até encontrar uma terapia inovadora, chamada Car-T Cell. Resumidamente, o tratamento usa células de defesa do próprio paciente, que são modificadas geneticamente e programadas para destruir o tumor.


Paulo e a família procuraram o médico que trabalha com esse tipo de terapia experimental no Brasil, feita pelo SUS. Em um mês, o resultado foi surpreendente: o câncer de Paulo entrou em remissão total. O caso foi um sucesso e foi a principal notícia do país naquela semana.

Na entrevista que tive o privilégio de fazer com Paulo, ele fez questão de ressaltar o quanto ser um paciente ativo foi fundamental para ter alcançado a remissão. Paulo assumiu a responsabilidade do tratamento para si, e foi em busca daquela que seria sua última esperança.


Ser um paciente ativo é, antes de tudo, tomar a vida nas próprias mãos. Não esperar que apenas os médicos e os remédios resolvam nossos problemas, mas entender que parte da solução também está no nosso interesse em não prolongar sofrimentos: é preciso saber sair do buraco provocado pela dor, e essa escalada não tem comprimido que faça – precisamos fazer sozinhos.

Passar duas horas com o Paulo, no apartamento em que morou enquanto fez o tratamento, apenas reforçou o que eu já desconfiava: o ser humano tem uma capacidade extraordinária de passar por cima de qualquer obstáculo da vida, quando se responsabiliza pela própria superação.

No fim da nossa conversa, quando perguntei para o Paulo qual era seu maior sonho, ele disse: “voltar pra casa”. O que é simples virou mágico nas mãos de quem sentou na cadeira de chefe da própria vida. E hoje percebo que talvez o segredo não seja ir em busca da casa mais extraordinária, mas tornar extraordinária a casa onde já moramos.

Não espero mais que um dia as dores no corpo e a fadiga desapareçam, e só então eu seja livre, mas vou em busca da minha própria liberdade. Dói ter de levantar da cama para fazer exercício, e mais ainda fazer natação no frio. Mas nada cairá na minha mão, se eu não ao menos estendê-la. É assim que se realizam sonhos.

Nos vemos em breve!

Os textos aqui publicados não refletem necessariamente a opinião do Grupo Record.

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