Você já pensou sobre como tem se tratado?
Hoje nos preocupamos com a forma como somos tratados pelos outros, mas você já refletiu sobre como você mesmo caminha pela sua estrada interior? Jogando pedras ou plantando sementes?
Papo de Paciente|Do R7
Pico a cenoura, a couve-flor e a beterraba, e misturo ao arroz para enganar meu paladar nem sempre tão contente com o sabor dos vegetais. Preparar o almoço da semana toda nunca fez parte dos planos de um domingo extraordinário, mas hoje sei que para ter o privilégio de enxergar a vista da cidade inteira, é preciso enfrentar o sufoco de escalar a montanha.
Observo meus pensamentos quando eles voam para longe, e prendem as asas em árvores mortas de galhos apodrecidos. Antigamente, sem nem perceber, eu permitiria que se enrolassem no tronco oco, e esmorecessem como os frutos no chão. Hoje, ao primeiro sinal de que percorrem caminhos escorregadios, eu os tomo novamente em minhas mãos, e pergunto o que necessitam para ficarem aqui, presentes. Finalmente sei que para manter meu vidro intacto apesar das pedradas, preciso ser mãe das minhas emoções.
Nem sempre me tratei assim. Já me repreendi por ser falível, e me olhei tantas vezes no espelho procurando desvios. Desde quando aprendi que não se amar pode custar a própria vida, venho me acolhendo em mim. Afinal de contas, hoje mais que nunca nos preocupamos com a forma como os outros nos tratam, nos olham e falam de nós. Mas você já observou como você mesmo se trata?
Antes, eu pensava que tratar-se bem era proporcionar a si bons momentos. Não que seja completamente falso – mas o autocuidado verdadeiro custa mais caro, e dificilmente gera sorriso imediato. Descobri o que é tratar-se bem quando passei a comer o que não gosto para que o hemograma pré-quimioterapia estivesse o melhor possível. Quando troquei a frustração pela aceitação, e o desânimo pela esperança em dias melhores. Não que eu não tenha sentimentos negativos, mas passei a conversar menos com eles. Estourei minhas algemas quando me dei conta de que eu era capaz de mostrar o caminho de saída para esses sentimentos, e fechar a porta.
Tratar-se bem para viver melhor
Desde a coluna anterior, venho abordando as novas faixas etárias que hoje sofrem mais com câncer. Segundo um estudo publicado recentemente na Nature Reviews Clinical Oncology, uma das mais prestigiadas revistas científicas do mundo, nas últimas décadas, os médicos têm observado um aumento dramático no número de tumores em adultos com menos de 50 anos. Raphael Brandão, oncologista clínico do Hospital Moriah, complementa que, conforme estudos, um grande número de mulheres com câncer de mama com menos de 50 anos não eram consideradas de alto risco para a doença.
Como explicar, portanto, esse crescimento? Segundo Brandão, algumas pesquisas sobre câncer de mama na pré-menopausa apontam como fatores contribuintes para essa realidade: puberdade precoce, obesidade, sedentarismo, consumo de álcool e prevalência de dietas de estilo ocidental – ricas em carnes vermelhas e alimentos processados.
Não existe um único fator responsável pelo câncer, nem a certeza de que os já conhecidos sejam realmente determinantes. Mas para mim, soam como uma visita calorosa e prestativa, que me pergunta com delicadeza como tenho me tratado. E mais além: como o mundo tem se tratado. Nessa estrada que percorri para dentro de mim, depois de muito ter me perdido, aprendi que tratar-se bem dói. Mas compensa.
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