‘Sofrimento é exponencial’, diz psicólogo sobre ataques na internet
Profissional compara a situação ao bullying na escola, mas pontua que na web as coisas tomam proporções maiores e incontroláveis
Viva a Vida|Brenda Marques, do R7
"Ele postou um vídeo no TikTok, uma brincadeira de adolescente com os amigos, e achou que as pessoas fossem achar engraçado, mas não acharam, como sempre as pessoas destilando ódio na internet. Como sempre as pessoas deixando comentários maldosos. Meu filho acabou tirando a vida. Eu estou desolada, eu estou acabada, eu estou sem chão", desabafou a cantora Walkyria Santos sobre a morte de seu filho, Lucas Santos, de 16 anos, que tirou a própria vida em 3 de agosto deste ano.
O caso de Lucas é um exemplo das "consequências gravíssimas" que ataques de ódio na internet podem gerar para as vítimas, de acordo com o psicólogo clínico Fabrício Mazzaron.
Ele afirma que os efeitos psicológicos começam em um grau leve, com sintomas como ansiedade, depressão e desmotivação branda, e evoluem gradativamente. “Até o ponto que a pessoa começa a perder qualidade de vida e não tem mais vontade de exercer suas funções, é como se fosse uma implosão”, descreve ele.
O profissional compara a situação ao bullying sofrido na escola, mas pontua que no ciberespaço as coisas tomam uma proporção muito maior e de maneira rápida.
“Vamos supor que você fez um post e as pessoas reagiram mal. Você entra numa situação de desamparo, fica sem saber o que fazer. E o ataque virtual te alcança o tempo todo, em todos os lugares, basta você pegar o celular e acessar as redes sociais. Então, a sensação de sofrimento fica exponencial”, destaca.
“Além disso, quando é um colega de escola, você consegue controlar sua raiva, no sentido de direcioná-la para o seu agressor. Mas, na internet, você não consegue personificar esse agressor”, acrescenta o profissional.
Adolescentes e jovens mais vulneráveis
Fabrício é assertivo ao afirmar que não só os adolescentes, mas também os jovens, estão mais vulneráveis aos ataques sofridos na internet. Isso porque, segundo ele, alguns comportamentos da adolescência se estenderam para a juventude - e isso inclui a falta de maturidade para lidar com determinados acontecimentos.
“Faz parte da maturidade a gente conseguir ouvir a opinião do outro e elaborá-la a ponto de não tomar aquilo como uma ofensa. Espera-se que adultos saibam fazer isso”, pondera o psicólogo.
Ele acrescenta que falta aos adolescentes um filtro para absorver somente opiniões que merecem ser levadas em consideração. “Eles não conseguem ter um crivo em relação ao que vem do mundo externo, então, tudo que vem, atinge com muita força. E qualquer frustração parece que é a vida toda, e não aquele momento”, analisa.
Fabrício aponta ainda uma característica que une os millennials e a geração Z: a incapacidade de separar a vida presencial da virtual, o que potencializa os problemas em ambos os contextos.
Os sinas da vítima - e como ajudar
Segundo ele, os sinais de que as interações na internet estão afetando a saúde mental de uma pessoa vêm na forma de mudanças comportamentais, como oscilações de humor, intolerância, falta de apetite, insônia e problemas com a autoimagem.
Nesses casos, o que pessoas próximas podem fazer para ajudar é o básico e essencial: estar por perto, conversar e, principalmente, ouvir.
“Às vezes, a pessoa só precisa falar das suas inseguranças, poder contar que a vida está ruim e ter alguém que escute. A gente não precisa ter resposta para tudo”, destaca Fabrício.
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'Falso anonimato dá palco à perversidade'
Em relação à postura de agressores virtuais, o psicólogo afirma que a sensação de anonimato e o coro que outras pessoas fazem aos ataques de ódio lhes dão coragem para dizer aquilo que eles não diriam pessoalmente.
“O falso anonimato dá palco à perversidade. Mas na internet a sensação é que você pode falar o que quiser, despejar tudo no outro, não há medo de uma retaliação”, avalia Fabrício.
"E o sentimento de grupo, porque você começa a falar bobagem sozinho, mas aí outras pessoas aderem [ao discurso] e sua fala ganha palco. Então, o anonimato passa a ser da massa”, complementa. O profissional ressalta que a pessoa que causa sofrimento em outra também não está bem, por isso, seu primeiro conselho para os haters é “buscar meios de se humanizar”.
“Esse sofrimento é construído coletivamente, ele não é individual. As coisas estão no mundo e é preciso ver quem vai soltar a primeira pedra, colocar no chão, para poder conversar”, afirma.
“É preciso ter empatia, pensar como aquilo te afetaria se você estivesse no lugar do outro. E construir espaços nas escolas e também na internet para as pessoas falarem [de suas dores]”, finaliza Fabrício.