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‘Zonas azuis’: regiões famosas pela maior longevidade do mundo de fato existem?

A premissa, de viver e se manter ativo aos 90 anos e até mais, é cativante, mas alguns acham que o estudo se baseia em dados incorretos

Viva a Vida|Do R7

Pesquisadores usaram a cor azul para sombrear partes de um mapa da ilha, indicando os locais onde as pessoas tinham uma longevidade excepcional Gianni Cipriano/The New York Times

O conceito é simples e sedutor: há regiões especiais ao redor do mundo, chamadas zonas azuis, onde as pessoas permanecem ativas e cheias de vitalidade até os 90 ou os cem anos, graças a um conjunto de comportamentos simples que qualquer um pode seguir.

É suficientemente razoável para parecer convincente e vago o bastante para sustentar um império da saúde e da longevidade. Nos últimos 20 anos, desde que as zonas azuis foram apresentadas pela primeira vez, a marca Blue Zones (agora registrada) gerou oito livros, uma série, parcerias de produtos (chá gelado Blue Zones da marca Langers, sopas de feijão enlatadas Blue Zones da Bush’s) e um programa multimilionário para que outras cidades possam obter a “certificação Blue Zones”, tudo em nome de ajudar as pessoas a atingir seus objetivos de longevidade, supostamente imitando os hábitos de vida de quem vive nessas regiões.

Mas nem todo mundo acredita nisso. Alguns especialistas – um em particular – questionam se as próprias zonas azuis, esses redutos da saúde, não são boas demais para ser verdade.

De onde surgiu a ideia das zonas azuis?

O termo “zona azul” foi usado pela primeira vez em 2004, em um artigo publicado na revista científica “Experimental Gerontology”, sobre habitantes centenários da Sardenha, na Itália. Os pesquisadores usaram a cor azul para sombrear partes de um mapa da ilha, indicando os locais onde as pessoas tinham uma longevidade excepcional. Eles especularam que isso poderia ser atribuído à nutrição e ao estilo de vida, ou talvez à “taxa de endogamia elevada” nas regiões isoladas, o que possivelmente teria feito com que características genéticas protetoras se tornassem mais comuns na população.


A ideia ganhou força no ano seguinte, quando o repórter da “National Geographic”, Dan Buettner, usou a expressão em uma reportagem que destacava três regiões – Okinawa, no Japão; Loma Linda, na Califórnia; e a Sardenha – onde pesquisas apontaram que as pessoas viviam mais e de forma mais saudável do que a média.

Na matéria, Buettner atribuiu a longevidade e a vitalidade dos habitantes dessas regiões ao seu comportamento saudável. Os habitantes desses locais, concluiu, eram mais propensos a seguir uma dieta nutritiva rica em frutas e verduras, praticar atividade física com frequência, dar prioridade à família e à comunidade e não fumar. Outros fatores foram mencionados: beber com moderação, não comer em excesso, gerenciar o estresse, perseguir um propósito na vida, dedicar-se à religião e ter bons genes.


“As pessoas das zonas azuis não seguem nenhum dos hábitos que costumamos adotar para ter uma vida saudável. Não fazem dieta ou CrossFit, não entram no Instagram para comprar suplementos, nem vão até Tulum para fazer tratamento com células-tronco. Nenhum desses atalhos para a longevidade, sabe? Mas, de alguma maneira, vivem cerca de dez anos a mais”, disse Buettner em entrevista ao “The New York Times”.

Ele acrescentou que, em vez de visar a saúde, quem vive nas zonas azuis mostra que esta provém de estar no “ambiente adequado”.


Desde a publicação do artigo inicial, ele se associou a demógrafos, epidemiologistas, geriatras e outros especialistas para expandir a ideia das zonas azuis, acrescentando à lista Nicoya, na Costa Rica, e Icária, na Grécia. Também lançou o negócio Blue Zones e rebatizou os comportamentos principais como “Poderosos 9″ (a genética e o não tabagismo não são mais mencionados).

Buettner vendeu a Blue Zones em 2020 para o Adventist Health, sistema de assistência médica “fundado na herança e nos valores da Igreja Adventista do Sétimo Dia”. (Loma Linda tem uma das maiores concentrações de adventistas do sétimo dia dos Estados Unidos.)

Parece ótimo. Portanto, onde está a controvérsia?

Tudo começou em 2019, com um artigo acadêmico preliminar. O estudo, que foi atualizado este ano e ainda não foi publicado em uma revista revisada por pares, afirmava que as áreas com um grande número de centenários e supercentenários (pessoas com 110 anos ou mais) têm alguma coisa em comum: um sistema de registros falho. Em outras palavras, mais pessoas estão vivendo além dos cem anos só no papel, não na realidade.

Conduzido por Saul Justin Newman, pesquisador sênior do Centro de Estudos Longitudinais da Faculdade Universitária de Londres, o estudo não se concentrou especificamente nas zonas azuis. Em vez disso, analisou bases de dados de centenários e supercentenários dos Estados Unidos, da França, da Inglaterra, da Itália e do Japão, procurando identificar áreas de alta concentração de tais pessoas nesses países. Esses pontos críticos não coincidiram completamente com as zonas azuis, embora houvesse alguma sobreposição. “Descobri que todo mundo vinha de regiões pobres que, de modo geral, apresentaram resultados muito ruins na velhice, com algumas das piores expectativas de vida em seu país. Tudo indica que essas concentrações altas de supercentenários eram só resultado da pobreza e da fraude”, explicou ele.

Moradora de 105 anos do vilarejo de Perdasdefogu, na ilha italiana da Sardenha, uma das chamadas 'zonas azuis' Gianni Cipriano/The New York Times

Segundo Newman, que tem um histórico de críticas a estudos sobre longevidade, os índices baixos de alfabetização e o sistema de registros deficiente resultaram na ausência de certidões de nascimento no início do século XX. Consequentemente, é possível que muitos idosos não saibam ao certo quantos anos têm, e sem documentação legítima é praticamente impossível verificar a idade deles. Em outros casos, um parente mais velho pode ter falecido, mas ninguém registrou o óbito, o que faz parecer que a pessoa continua envelhecendo – e a família segue recebendo o benefício da aposentadoria.

Análises independentes identificaram esses tipos de anomalia. Em 2010, por exemplo, o governo japonês revelou que 230 mil centenários estavam “desaparecidos” – provavelmente devido a mortes não registradas. (Um artigo subsequente argumentou que esses números foram superestimados.)

Newman acredita que as zonas azuis enfrentam esses mesmos problemas e disse em entrevistas que elas são “o exemplo máximo” de um sistema de registros deficiente que infla o número de centenários.

Ao ser questionado sobre as conclusões de Newman, Buettner comentou que não o surpreendia o fato de algumas alegações sobre os centenários serem fraudulentas, mas insistiu que isso não ocorre nas regiões que ele considera zonas azuis. Afirmou que os métodos usados por ele e por sua equipe de pesquisadores são criteriosos e incluem várias viagens às regiões para verificar registros de nascimento usando múltiplas fontes de informação e entrevistar os nonagenários, os centenários e seus familiares. Acrescentou que também investigaram outras regiões do mundo como potenciais zonas azuis, mas que elas não atenderam aos critérios.

Vários colaboradores acadêmicos de Buettner escreveram uma carta de refutação em resposta ao artigo de Newman, declarando que quatro das zonas azuis “foram plenamente validadas por critérios demográficos rigorosos”. Na Sardenha, por exemplo, isso incluiu a comparação entre os bancos de dados civis, os arquivos eclesiásticos manuscritos e as reconstruções genealógicas. A quinta zona azul, Loma Linda, não foi mencionada.

Isso talvez se deva ao fato de que Loma Linda foi “um caso um pouco atípico”, admitiu Buettner, Foi incluída de início porque seu editor da “National Geographic” lhe disse: “Você precisa encontrar a zona azul dos Estados Unidos.”

Isso significa que as zonas azuis são uma farsa?

Não necessariamente. A teoria de Newman não foi amplamente aceita por outros acadêmicos, e seu artigo que apresenta essas afirmações ainda não foi publicado. Recentemente, ele ganhou um Prêmio Ig Nobel por sua pesquisa – versão satírica do Prêmio Nobel que reconhece “feitos tão surpreendentes que fazem rir e, depois, refletir”.

De acordo com Nadine Ouellette, professora adjunta de demografia da Universidade de Montreal, que não está envolvida com a marca Blue Zones, os problemas levantados por Newman de fato existem. E, quanto mais idosa é a pessoa, “mais problemas surgem quando se trata da precisão” da idade. Mas acrescentou que os demógrafos estão plenamente cientes dessas preocupações e, como resultado, trabalham para verificar a idade dos indivíduos muito idosos com várias fontes de informação, e não apenas certidões de nascimento e óbito. Também expressou preocupação com alguns dos métodos e fontes de dados usados no artigo de Newman, afirmando que são “bastante incomuns”.

Além das críticas de Newman, duas das zonas azuis originais, Okinawa e Nicoya, podem já não se qualificar como tais. Buettner afirmou que isso ocorre porque o modo tradicional foi substituído por dietas e estilos de vida modernos nas últimas duas décadas. “Desde que comecei a estudar esses locais, surgiram lojas de conveniência e restaurantes de fast-food. Parte o coração. Acho que podemos esperar que todas essas zonas azuis desapareçam em uma ou até meia geração.”

Independentemente de esses lugares serem – ou terem sido – reais, especialistas em envelhecimento enfatizam que os comportamentos de estilo de vida que a marca Blue Zones ajudou a popularizar são importantes para a longevidade. Não há dúvida de que uma dieta nutritiva, atividade física e um senso de comunidade podem ajudar as pessoas a viver mais e de forma mais saudável.

“Os conceitos das zonas azuis são consistentes com o que sabemos sobre envelhecimento? Com certeza”, afirmou Nir Barzilai, diretor do Instituto de Pesquisa sobre Envelhecimento da Faculdade de Medicina Albert Einstein. Mas acrescentou que as zonas azuis em si e as teorias que as sustentam não foram necessariamente validadas cientificamente. “Não é um estudo, e sim uma observação. E esta se alinha com o que acreditamos saber sobre o envelhecimento. Mas não é ciência.”

c. 2024 The New York Times Company

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