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Caldos de Itacaré

Até onde sei|Octavio Tostes

A onda de meio metrinho da praia da Engenhoca crescia soberba. Errei no flip - ou tartaruga, manobra do surfe para cruzar a arrebentação - e o maremoto de espuma me nocauteou. Quando emergi, o professor me condenava com o olhar. Embora condescendente, sugeria que eu jamais ficaria de pé na prancha. Encerrei ali a aula iniciada cinco horas antes, na plácida praia da Concha, com noções de ventos, correntes, ondulações e exercícios comandados à exaustão. Minha lombar gritava em silêncio.

Itacaré nasceu vila de pescadores em torno de uma igrejinha jesuíta do século XVIII. Incrustada na região cacaueira, teve um fausto entre 1890 e 1940 quando o Rio de Contas, que vem da Chapada Diamantina, assoreou prejudicando a atracação. Meio século depois, a vassoura-de-bruxa varreu um terço da produção de cacau. Ainda assim, o lugar deve aos pés da fruta do chocolate, que crescem à sombra de outras árvores, o fato de ostentar hoje a maior extensão contínua de mata atlântica do litoral brasileiro.

O isolamento decorrente da decadência do porto foi rompido com a construção da rodovia Ilhéus-Salvador, após se criar uma área de preservação ambiental em um plano que previa para Itacaré a exploração do ecoturismo em vez do turismo de massa. Com uma plataforma continental estreita que lhe propicia as melhores ondas da Bahia, a cidade virou point de surfe - sedia campeonatos internacionais - e destino de viajantes, uns ricos, outros descolados, em busca de uma fresta do paraíso: brisa, coqueiro, areia, mar e floresta. Entre eles, Sarkozy e Carla Bruni, Vincent Cassel e Monica Belluci.

Esperava com Marina a moqueca numa barraca na ponta do Xaréu, protegidos por um curioso farol quadrado, quando vimos uma meninota branca, cabelos rasta, ar estrangeiro, vagando entre os coqueiros até abraçar um deles. Vibe semelhante à da paulistana no banco da escolinha de surfe, fala mole e olhar azul esgazeado. O crack chegou a nossa cidade, disse outro professor. Este, iogue, me ajudou bastante no treino da subida na Ribeira, Pontal e Itacarezinho.


A casa que alugamos no morro dá vista para as praias do Pontal e da Piracanga. Atrás brota a favela do Bairro Novo onde, dizem, seria um horto florestal patrocinado por uma das ongs instaladas na região (os projetos vão de agricultura florestal a xamanismo). O horto teria sido abortado pelos mesmos interesses beneficiados pela formação curral eleitoral. A trilha sonora alterna cânticos evangélicos, pontos de candomblé, funk e axé.

Na varanda, a dona da casa - interiorana que viveu na França com passagens pela Índia -, resume: “Itacaré é um microcosmo do Brasil”. Podia ser melhor, amiga. A cidade e o país.

Os textos aqui publicados não refletem necessariamente a opinião do Grupo Record.

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