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‘Diversão é o que me motiva’: O império do Super Mario – ou melhor, de Shigeru Miyamoto

Criador de alguns dos maiores sucessos dos videogames conta trajetória da Nintendo, que abriu um museu com seus principais produtos

Games|Zachary Small, do The New York Times

Miyamoto se veste como um humilde assalariado, usando camisetas que promovem produtos da empresa sob o blazer Shiho Fukada/The New York Times - 24.09.2024

Quioto, Japão – Há pelo menos uma década, Shigeru Miyamoto vem fazendo o mesmo pedido a todos os funcionários novos da Nintendo: pelo amor do Super Mario, por favor, criem jogos que possam vender 30 milhões de cópias. Partindo dele – um sorridente septuagenário com sobrancelhas arqueadas e um tesouro de patrimônios culturais tão adorados que fariam Walt Disney corar –, a ambição por grandes sucessos que possam gerar mais de US$ 1,5 bilhão parece quase razoável. Embora tenha criado personagens como o Super Mario, a princesa Zelda e o Donkey Kong, que fizeram a Nintendo ganhar bilhões de dólares, Miyamoto se veste como um humilde assalariado, usando camisetas que promovem produtos da empresa sob o blazer. Foi consultor em dezenas de jogos e contribuiu decisivamente para o desenvolvimento dos consoles Wii e Switch, mas, nos últimos anos, tem se dedicado a filmes e parques de diversões que a Nintendo espera que sustentem seu futuro.

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“Na verdade, não sei por que crio essas coisas. Só me divirto, e é isso que me motiva”, disse Miyamoto por intermédio de um intérprete durante uma entrevista privada na semana passada. Estava no Museu Nintendo, em Quioto, no Japão, uma nova sala de exposições a ser inaugurada agora, no dia dois de outubro, que documenta a evolução da empresa a partir de uma loja local que vendia baralhos feitos à mão, na década de 1880, e que se tornou, quase um século depois, uma fabricante de videogames.

Como era esperado, o museu é, em grande parte, dedicado a esse segundo capítulo, que começa com a chegada de Miyamoto à companhia. (Seu pai, professor de inglês dos subúrbios de Quioto, havia marcado uma entrevista com o então presidente da Nintendo, Hiroshi Yamauchi.) Quatro anos depois, em 1981, Miyamoto se tornou indispensável ao inventar as máquinas de videogame Donkey Kong, que apresentaram uma versão inicial do personagem Mario e se tornaram um sucesso internacional. “Na época, o sr. Yamauchi nos disse que não éramos bons de briga: ‘Somos fracos, por isso não arrumem problemas com outras empresas’”, lembrou Miyamoto, explicando de onde vem a busca por originalidade da Nintendo.

Esse objetivo também era compartilhado com Gunpei Yokoi, que trabalhou com ele em Donkey Kong e inventou o Game Boy. No começo, o relacionamento profissional era distante. “Conversávamos, e ele nos dava sua opinião – além de algumas críticas negativas”, comentou Miyamoto. Mas os colegas se tornaram íntimos; Yokoi foi padrinho de seu casamento, e Miyamoto disse que ainda mantém contato com a viúva do inventor.


A procura da originalidade definiu o trabalho de Miyamoto nas últimas gerações de consoles da Nintendo Shiho Fukada/The New York Times - 24.09.2024

A procura da originalidade definiu o trabalho de Miyamoto nas últimas gerações de consoles da Nintendo e, por extensão, a abordagem contraintuitiva da empresa em uma indústria amplamente impulsionada pelo realismo gráfico de alto custo. “Pode parecer que vamos na direção contrária só para irmos contra a corrente, mas, na verdade, se trata de perseguir o que faz a Nintendo ser especial. Fala-se muito sobre inteligência artificial, por exemplo. Quando essa conversa surge, todo mundo começa a seguir o mesmo caminho, mas é justamente aí que a Nintendo prefere ir em uma direção diferente”, afirmou Miyamoto.

O museu representa o terceiro e último capítulo da história da Nintendo: sua transformação de uma empresa de videogames em uma marca mundial de entretenimento. Por intermédio do concreto e da nostalgia, a companhia está declarando – talvez pela primeira vez – que se vê como um elemento permanente da cultura popular.


Volta por cima

Há apenas uma década, analistas da indústria acreditavam que a única chance de sobrevivência da empresa, depois do fracassado lançamento da Wii U, era parar de produzir consoles e se concentrar no desenvolvimento de software. A imprensa foi brutal. “O que diabos está se passando com a Nintendo?”, perguntou Chris Kohler, editor da revista “Wired”. Em 2013, a Bloomberg News publicou uma matéria destacando a Sony e a Microsoft: “Cada uma delas vendeu mais consoles em 24 horas do que a fabricante do Wii U em nove meses.” Pela primeira vez em sua história moderna, a empresa – cuja primeira parte do nome, ‘Ninten’, uma prece para jogar, se traduz como “deixe a sorte para o céu” – declarou perdas financeiras anuais aos investidores.

Nintendo abriu museu para exibir seus principais produtos e conquistas Shiho Fukada/The New York Times - 24.09.2024

Uma decisão de marca para aproveitar o nome e o sucesso considerável de seu console anterior, o Wii com controle de movimento, deixou o mercado confuso. Os consumidores ficaram indignados quando o novo console foi lançado com funcionalidades comprometidas, levando o então presidente da empresa, Satoru Iwata, a emitir um pedido de desculpas.


Nenhum jogo do Wii U chegou perto da métrica de sucesso de 30 milhões de cópias de Miyamoto; o título mais vendido, Mario Kart 8, alcançou 8,46 milhões de unidades.

Mas no museu, nos arredores de Quioto, o Wii U está orgulhosamente representado ao lado do Super Nintendo, do GameCube e do restante da linha de consoles da empresa: os consagrados no segundo andar. As curiosidades se acumulam nos cantos. Um rifle de brinquedo e um carrinho de bebê estão reservados para uma exposição nos fundos, intitulada “a era da exploração” da empresa. A linguagem é mais direta em japonês, descrevendo um período que vai desde a fundação da companhia até o futuro, na fase dos videogames, chamada de “a era do desafio”.

Empresa enfrentou apuros após o lançamento do Wii U Shiho Fukada/The New York Times - 24.09.2024

O museu quase não tem explicações escritas, e a Nintendo não está oferecendo visitas guiadas, o que deixa os visitantes sem o contexto necessário para saber, por exemplo, que os jogos licenciados, como o Twister, e uma parceria inicial com a Disney foram alguns dos passos que permitiram que a empresa negociasse a chegada de seus produtos às prateleiras japonesas. É preciso investigar mais para saber que a Famicom, precursora da Nintendo Entertainment System, estava na vanguarda da tecnologia em 1983: um adaptador on-line permitia aos usuários consultar o tempo, fazer operações bancárias e apostar em corridas de cavalos.

Miyamoto alegou que a falta de explicações permitiria aos visitantes entender a Nintendo de forma intuitiva: “Queríamos garantir que fosse um lugar no qual, independentemente das barreiras linguísticas ou culturais, as pessoas pudessem interagir e compreender.”

Depois de anos ignorando o crescimento dos jogos para celular, a Nintendo desenvolveu aplicativos Shiho Fukada/The New York Times - 24.09.2024

A companhia ressurgiu com a linha Nintendo Switch, em 2017. Jogos iniciais como o The Legend of Zelda: Breath of the Wild foram sucessos comerciais e de crítica. A pandemia de covid também coincidiu com o lançamento de jogos acolhedores, como Animal Crossing: New Horizons, que atraíram jogadores casuais em busca de um sabor virtual de ar fresco, ou, “basicamente, paz em forma eletrônica”, como disse um jogador jovem. Os dois jogos superaram em milhões de cópias a meta de vendas de Miyamoto.

Novas ideias e novos públicos

Nos bastidores, um plano estratégico para expandir a marca Nintendo a novos públicos e fontes de receita também estava sendo implantado por Miyamoto. Atualmente, ele faz parte do conselho de diretores da empresa, mas também ostenta o título de “consultor executivo”, que, em outras companhias, poderia ser considerado o diretor criativo responsável pelo desenvolvimento de novos produtos.

Depois de anos ignorando o crescimento dos jogos para celular, a empresa desenvolveu aplicativos como o Super Mario Run. Durante uma apresentação com a Apple, Miyamoto brincou que eles podem ser jogados enquanto se come um hambúrguer. (No que parece ser uma referência sutil, o único prato principal da cafeteria do museu é o hambúrguer.)

Miyamoto também fez viagens a Hollywood para desenvolver Super Mario Bros. O filme, que se tornou a segunda bilheteria mais rentável do ano passado, com quase US$ 1,4 bilhão. O longa estreou três meses depois da abertura do Super Nintendo World, do Universal Studios Hollywood, segundo dos quatro parques temáticos planejados ao redor do mundo. Agora, uma sequência do filme de Mario está prevista para 2026, e um da Zelda está em desenvolvimento.

Miyamoto pensa em como a empresa vai evoluir para se tornar uma marca de mídia, sobretudo quando considera expandir o museu para incluir mais arquivos, protótipos de consoles do passado e desenhos artísticos. “Se chegarmos a dez filmes, quem sabe abrimos um cinema ao lado”, disse ele, durante uma coletiva de imprensa no museu.

O público atual reconhece a marca da Nintendo por suas cores vibrantes e seus designs alegres Shiho Fukada/The New York Times - 24.09.2024

Não é surpresa que o Museu Nintendo se inspire nas simpáticas atrações que encantam as crianças. Blocos de interrogação flutuantes e Toads cantantes, nativos do Reino dos Cogumelos dos jogos de Mario, estão espalhados por todo o espaço do museu – edifício estéril de 1969 que, originalmente, abrigava uma fábrica de cartas de baralho antes de ser transformado, em 1988, em um centro de atendimento ao cliente para o conserto de produtos.

Experiência interativa

O museu oferece outras experiências interativas, como a possibilidade de pintar versões dos baralhos originais da empresa. Em outra seção, o visitante pode usar controles exageradamente grandes para jogar jogos antigos da Nintendo, estender um braço mecânico para pegar bolas, testar a compatibilidade amorosa com parceiros e balançar um taco acolchoado em uma sala de estar falsa.

Essas exposições permitem que a Nintendo – que não quis divulgar quantos funcionários trabalham no museu, quem o gerencia ou quanto custou a renovação do edifício – mantenha envoltos em mistério os detalhes mais sutis de sua história.

O público atual reconhece a marca da empresa por suas cores vibrantes e seus designs alegres; até mesmo seu logotipo tem a mesma cor vívida do boné vermelho de Mario. Mas a sede em Quioto é surpreendentemente asséptica, localizada em um edifício de escritórios retangulares brancos, com um design interior que Miyamoto comparou carinhosamente à sala de espera de um hospital.

Muitos turistas viajam à cidade para admirar o edifício neutro, enquanto ao longe se erguem os telhados de pagodes de santuários de 800 anos, como o templo Tofuku-ji. Alguns executivos da Nintendo esperam que esses viajantes agora visitem o museu, situado a poucas paradas de trem, embora a empresa continue dividida entre a discrição e a transparência.

Miyamoto admitiu na coletiva de imprensa: “Quando me coloco na perspectiva do consumidor, de certa forma quero ver por trás das cortinas. Criar um museu como esse não é muito típico da Nintendo. Se o sr. Yamauchi visse, provavelmente ia nos dissuadir de fazê-lo.”

c. 2024 The New York Times Company

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