Entre falhas técnicas e um país em tensão, Edu Falaschi emociona plateia em Buenos Aires
Mesmo diante de uma Argentina em crise e das limitações técnicas locais, Edu Falaschi entregou um espetáculo carregado de energia, carisma e sensibilidade na “ciudad de la fúria”.

A noite não parecia promissora. Domingo tenso de eleições em Buenos Aires, marcado pela crise econômica, manifestações e uma estrutura técnica limitada no Liverpool Club Palermo. Ainda assim, Edu Falaschi subiu ao palco com o desafio de celebrar os 20 anos do álbum "Temple of Shadows", e conseguiu driblar dificuldades evidentes em proporcionar momentos especiais de conexão com o público.
Comparado à minha experiência anterior vendo Falaschi na capital argentina há dois anos, o cenário atual foi radicalmente diferente: público reduzido e quase ausência total de brasileiros - condizente com a realidade atual da noite porteña. Uma atmosfera claramente marcada pelos reflexos dos altos preços que afastaram turistas do país. Mesmo assim, Buenos Aires respondeu cantando em uníssono com Edu, do início ao fim.
Kocytus abre os portões: a juventude sombria que veio do Brasil
Abrindo a noite, a banda brasileira Kocytus trouxe o som pesado e obscuro do Death Metal Progressivo. Jovens, porém surpreendentemente maduros tecnicamente, os músicos entregaram uma performance impactante, caindo no agrado do público, mesmo contrastando com a atmosfera festiva do show principal.
Falaschi domina o palco mesmo sob falhas técnicas
Ao assumir o palco, Edu Falaschi, logo de cara, conquistou a plateia com sua habitual simpatia e carisma, mesmo com os desafios técnicos que eram constantes. Problemas claros na equalização afetaram a qualidade do som: em diversos momentos, sua voz era suprimida pela bateria, e a guitarra de Diogo Mafra desaparecia da mix. Ainda assim, Edu demonstrou um impressionante domínio vocal, mantendo afinação impecável ao longo de todo o set. Sua entrega emocional e potência vocal ficaram evidentes mesmo nos trechos mais exigentes, reafirmando a qualidade que o consolidou como uma das grandes vozes do metal brasileiro. O público, por sua vez, compensou as falhas técnicas cantando a plenos pulmões, como em “Nova Era”, onde cada verso foi entoado em uníssono, criando um dos momentos mais marcantes da noite.
A força coletiva que amplificou o show
A banda que acompanha Edu Falaschi também merece destaque. O guitarrista Diogo Mafra é puro carisma e técnica: domina os solos, brinca com a plateia, faz “caras e bocas” e seu famoso truque de equilibrar a guitarra sobre a cabeça enriqueceram o show. Victor Franco, o novo guitarrista da formação, é um jovem talento nato, seu desempenho, tanto na guitarra quanto no violão de nylon, foi absurdamente marcante e, curiosamente, sua aparência me lembrou muito a fisionomia de Kiko Loureiro em seus tempos de mocidade. Fábio Laguna, nos teclados, parecia encarnar um espírito meio Charly García — irreverente, fluido e impecável. Jean Gardinalli, na bateria, trouxe peso, técnica e muita brasileiridade ao set, arrancando aplausos sempre que um groove brazuca surgia. Raphael Dafras, firme no contrabaixo, costurou com maestria e força a base de um show que, mesmo com falhas externas, soava coeso e muito potente no palco.
Um gesto que honra o metal e fortalece a cena local
Um dos momentos mais especiais da noite foi quando Edu Falaschi convidou um cantor local ao palco para dividir os vocais em “Winds of Destination” . Filho de mãe peruana e pai brasileiro, o rapaz apresentado ao público parecia se sentir em casa. O gesto de Edu, além de simbólico, foi carregado de afeto e respeito à cena local. Edu Falaschi demonstrou ter feito esse tipo de ação por onde passa, como forma de incentivar a cena metal de cada país que visita, e ainda se preocupou em contar a história toda em espanhol, demonstrando ainda mais seu respeito e carinho pelo público local. A plateia recebeu o momento com entusiasmo e emoção, e o dueto foi um dos pontos altos do show, revelando não apenas a generosidade de Falaschi, mas sua sensibilidade em transformar o palco em um espaço de troca e pertencimento.
Apesar de cogitar encurtar o set, preocupado com a rotina do público que teria que trabalhar na manhã seguinte - afinal, o show ocorreu em um domingo à noite, o público insistiu, e Edu Falaschi atendeu ao pedido de manter o show completo. A interação foi descontraída, com espaço até para brincadeiras espontâneas, em um momento, um grito de “Vai Curinthia” e “toca Calcinha Preta”, surgiu da plateia, arrancando risos gerais.
No encerramento, Falaschi e banda receberam os fãs com atenção, fechando uma noite marcada não pela perfeição técnica do local, mas pela genuína empatia, autenticidade, talento e pela criação de uma experiência inesquecível para todos.