Ivo Meirelles relembra infância no morro da Mangueira em loja de vinil
Através de antigos LPs, cantor carioca recordou histórias de preconceito por curtir rock e dos tempos em que era DJ em bailes no morro
Música|Daniel Vaughan, do R7
Ivo Meirelles está morando em São Paulo e tem realizado diversos projetos na cidade. Na agenda do carioca da Mangueira estão uma oficina de aulas de percussão e temporada de shows com versões de pop em ritmo de samba (veja serviço abaixo).
Além disso, Ivo lança nas plataformas digitais singles do disco #21, com a banda Funk'n Lata. Do repertório disponível na internet, o grupo já mostrou músicas com participações de Elba Ramalho (veja clipe abaixo), Seu Jorge e fez até uma releitura percussiva do Hino Nacional Brasileiro, para aproveitar o embalo da Copa do Mundo na Rússia.
Para saber mais sobre as novidades, o R7 encontrou Ivo Meirelles no centro da capital paulista. Posando em frente ao Teatro Municipal, o novo e ilustre morador da metrópole revelou o motivo da saída do Rio.
— Minha mãe mora aqui há muitos anos, então eu sempre passei algum tempo na cidade. Porém, eu tenho que confessar que tinha certo preconceito e, aos poucos, fui deixando isso para trás até, finalmente, entender a beleza paulistana. Daí, entre idas e vindas, resolvi ficar de vez. São Paulo é um lugar que acolhe todos. Estou apaixonado!
Vestindo um moleton do Brasil, o marcante cabelo descolorido e o inseparável tamborim na mão, Ivo posou para fotos divertidas no "centrão". E, para surpresa da equipe, ele resolveu improvisar com um artista de rua, que tocava ao lado. O guitarrista, que dedilhava o clássico Smoke on the Water, do Deep Purple,ganhou acompanhamento percussivo do mangueirense. Ivo ficou empolgado com o encontro, sem roteiro estabelecido, entre o tamborim carioca e a guitarra paulistana.
— Isso que é legal na cidade! O lugar tem muita cultura. E tem de tudo aqui. Pode acontecer qualquer coisa a todo momento...
Para continuar o "test-drive" musical no centro, levamos Ivo para a Galeria Nova Barão, com o primeiro andar cercado por dezenas de vendedores de discos de vinil. O cantor adorou a ideia e, ao entrar em uma das lojas, ficou admirado com a parede de LPs que remetiam ao seu passado.
— Nossa! Eu vejo isso e passa um filme na minha cabeça. Olha, eu volto há mais de 40 anos, quando era moleque e estava descobrindo músicas maravilhosas. É emocionante...
Logo de cara, o álbum Nossa imaginação, provocou lágrimas no compositor de 56 anos. O músico uruguaio Don Beto veio para o Brasil ainda menino e acabou se tornando um dos percussores do soul music nacional na década de 70.
— Esse disco é o que tem Brenda? (cantando um trecho do velho hit) Não faz isso comigo! É parte da minha adolescência na Mangueira!
Mas nem só de samba vive o compositor premiado da Mangueira. Ivo puxa discos de Jimi Hendrix e Beatles da prateleira e explica que sofreu preconceito por ouvir rock no morro.
— Quando eu era moleque, saia sozinho para ver shows, pois minha turma não queria curtir outros gêneros musicais sem ser samba. Cheguei até a pular muro do Maracanãzinho para ver o Jackson 5 (o grupo de Michael Jackson fez turnê no País, em 1974). Então, o rock'n'roll entrou na minha vida assim. E sempre sofri policiamento de ambos os lados: os sambistas não gostavam da minha guitarra e os roqueiros diziam que aquele não era meu lugar. Mas é bom quando alguém de outra vertente te elogia. Os desafios da vida sempre compensam.
Ivo Meirelles ainda escolheu mais uma série de discos e falou sobre a importância deles na sua vida. Veja os destaques da conversa exclusiva para o R7.
Don Beto - Nossa Imaginação (1978)
— Esse disco faz parte da minha adodescência na Mangueira! Nessa época, eu gostava tanto de samba rock que vinha para São Paulo só para caçar discos de vinil. Aqui era a capital do gênero. Através dessas descobertas em LP, eu fiz muita música virar sucesso nos bailes cariocas. Tinha DJ que encostava nas caixas de som e ficava gravando em cassete o repertório que eu discotecava. A música Brenda, do Don Beto, é muito marcante pra mim.
Originais do Samba - Alegria de Sambar (1975)
— Eu conheci o Mussum (além de ser humorista, era um dos cantores do grupo), que tava sempre ali na Mangueira. Mas, infelizmente, não cheguei a fazer um som com ele, que morreu antes dessa chance acontecer. Os grandes sucessos desse disco foram A Dona Do Primeiro Andar e As Mariposa, do Adoniran Barbosa. Os Originais faziam parte do meu repertório de bailes de samba rock.
Tim Maia - Tim Maia (1973)
— Aqui, não tem combate! Ele vence todos os "pesos pesados"... (risos) Tivemos uma briga na época que eu era vice-presidente da Mangueira e, infelizmente, eu não consegui fazer as pazes com ele antes de sua morte. Só que sempre fui fã do artista e sempre serei! Ele é intocável, está no meu top 3. O Balanço, desse disco, foi a primeira música do Tim que me impactou de verdade, pois antes eu só conhecia os sucessos. Esse é um lado B incrível. Ouvi a canção e saí correndo para comprar o LP! Ele é um monstro.
Jorge Ben Jor - 23 (1993)
— Sempre fui muito fã. Quando ele estava gravando o disco 23, ligaram pra casa dizendo que "era o Jorge"... Eu achei que fosse trote e mandei desligar na cara dele! (risos) E, quando me dei conta que era real, quase tive um enfarto! (risos). Ele disse: "Tem uma música aqui que se chama O Bumbo da Mangueira, mas ninguém sabe fazer o bumbo da Mangueira! Você pode fazer"? Eu disse sim, lógico. O problema é que ele queria fazer isso naquele momento, às 2h da madrugada! (risos)
Dona Ivone Lara - Sorriso Negro (1981)
— Ela significa muita coisa para a música brasileira, não só samba. Muita gente ouve os sucessos de Dona Ivone por aí e nem sabe que foi ela que compôs. São hits gravados por muita gente, como é o caso de Alguém Me Avisou, desse disco. Infelizmente, o compositor brasileiro "não tem cara", o povo só sabe quem canta e o nome da música. Além disso, é incrível saber da coragem de Dona Ivone de chegar numa ala formado só por homens e dizer que queria compor um enredo. Uma mulher forte e maravilhosa.
"O brasileiro ainda tem a mania de achar que rock é coisa de branco. Mas os negros criaram o estilo"
Ivo Meirelles - Vaidade Verde-Rosa (1986)
— Me obrigaram a gravar samba nesse disco, só porque eu fazia enredo no morro da Mangueira. Eu queria ter feito outros estilos, mas não deu. Por isso, não gosto do LP, apesar de estar cercado de mestres como Arlindo Cruz. O Tabaco da Maria e Papelaria foram proibidas (as composições trazem frases de duplo sentido). A censura mandou fazer um risco nessas faixas do LP ou alguns discos ganharam um adesivo informativo na capa. Apesar de ter sido um momento terrível, o período da censura foi fértil para a música brasileira, onde os compositores mostraram talento driblando censores de forma muito inteligente, com duplo sentido e poesia. Porém, hoje tem liberdade de sobra e falta "repertório" para os jovens artistas. A música empobreceu.
Beatles - Revolver (1966)
— Aí, é meu lado maluco! (risos) Quando eu estava compondo para meu segundo disco eu fiz um rock, Rei da Cocada Preta, com riff marcante de guitarra. Não sabia de onde vinha essa inspiração, mas gravei. Um belo dia, estou no meu fusquinha e o radinho começa a tocar uma música com a levada igual a minha. Fiquei louco! Daí, quando reparei, era Taxman, desse disco dos Beatles! (risos) Eu devo ter ouvido aquilo em algum lugar e o som ficou na minha cabeça. Até hoje, ninguém consegue mixar um álbum como faziam os Beatles. É uma aula de música.
Living Colour - Vivid (1988)
— O disco é produzido por Mick Jagger, pois os Rolling Stones viraram fãs e, inclusive, levaram eles para abrir shows. Esse trabalho é marcante. É nossa "volta pra casa". Sabe, o brasileiro ainda tem a mania de achar que rock é "coisa de branco". Mas não é, pois os negros criaram o estilo! Ouço isso e sempre digo: "Vai estudar sobre o assunto!" Quando eu ouvi Living Colour, pirei! Hoje, sou amigo deles e até toquei em show do grupo. Banda incrível.
Serviços:
Oficina de percussão de Ivo Meirelles com participação do Funk’n Lata
Quem pode se inscrever: Qualquer um, a partir de 10 anos de idade
Quando: Todas as quintas-feiras, das 18h às 20h
Local: Bar Z Carniceria (Av. Faria Lima, 724 - Pinheiros)
Preço: a partir de R$ 200,00/mês
Inscrições e dúvidas: WhatsApp (11) 94031-8157
Samba do Meirelles
Quando: Todas às sextas-feiras, a partir das 19h30
Onde: Bar Brahma Centro (Av. São João, 677 — República)
Mais informações: (11) 3367-3600
Agradecimentos: Lojas UP LPs e Vinil SP — Galeria Nova Barão