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Mercado nacional de shows convive com medo, vazio e falta de dinheiro

Suspensão de apresentações no país intensificou desigualdades, aumentou desemprego e fez renda cair em um ano de pandemia 

Música|Ricardo Pedro Cruz, do R7

Prejuízos no setor de eventos teriam ultrapassado a marca de R$ 280 bilhões
Prejuízos no setor de eventos teriam ultrapassado a marca de R$ 280 bilhões Prejuízos no setor de eventos teriam ultrapassado a marca de R$ 280 bilhões

"Todo processo independente foi afetado drasticamente. Toda infraestrutura que a banda construiu em 10 anos ficou sucateada dentro de uma nova demanda, a virtual. As lives sem patrocínios mal conseguem pagar os artistas e os profissionais, como os produtores e os técnicos. Numa dessas, nosso baixista preferiu ter outros rumos na carreira."

A fala de Samuel Porfirio, rapper da banda Engrenagem Urbana, morador da Cohab 2, em Itaquera, na zona leste de São Paulo, está longe de ser uma exceção entre os profissionais que constituem as engrenagens da indústria do entretenimento. 

De acordo com estimativas de empresários ouvidos pela reportagem, em pouco mais de um ano de suspensão de eventos presenciais por conta das ações de combate à pandemia de covid-19, os prejuízos no setor de eventos teriam ultrapassado a marca de R$ 280 bilhões.

Com isso, mais de 3 milhões de pessoas perderam o emprego em meio à maior crise sanitária do século XXI. Para se ter uma ideia do impacto no mercado nacional, segundo dados do Ministério da Economia, o segmento representa algo próximo de 13% do PIB (Produto Interno Bruto).

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Rafael Curvina, que é responsável comercial por artistas como Michel Teló, acredita que o fechamento de vagas de trabalho acabou se tornando uma consequência inevitável diante da ausência de entrada de recursos em caixa.

"Você gera um impacto, lógico, dentro do escritório do artista. Você tem que mandar as pessoas embora. As famílias que dependem daquilo e trabalham com isso há muitos anos. A gente está falando em um ano. O último show que eu fiz foi no dia 10 de março de 2020. A gente depende da saúde pública. Das pessoas pararem de morrer. Terem segurança para que as coisas voltem a acontecer", analisa Curvina. 

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O produtor técnico Nailton Silva sentiu isso na pele. O profissional, que atua na área há mais de 20 anos, perdeu a principal fonte de renda após ser demitido da Casa Natura Musical —um dos principais espaços de shows na capital paulista— ainda lembra das sensações quando o governo paulista decretou o primeiro fechamento dos serviços considerados não essenciais, em março do ano passado.

"Tinha um show da Elza Soares marcado, que estava esgotado, que foi cancelado. Era tudo muito incerto sobre o que iria acontecer. Aí, começou que não iria voltar tão rápido. Então, começaram a dispensar algumas pessoas porque não iria voltar", conta Silva. 

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A crise também atingiu em cheio a principal casa de shows de São Paulo. No dia 31 de março, Fernando Alterio, presidente do grupo de entretenimento T4F (Time for Fun), anunciou o fechamento, por tempo indeterminado, do UnimedHall — antigo Credicard Hall.

O espaço, inaugurado em 1999 com uma apresentação conturbada de João Gilberto, recebeu grandes nomes da música nacional e internacional. Em carta dramática, divulgada à imprensa e compartilhada também nas redes sociais, o executivo lamentou o cenário que teria levado a suspensão do local. 

"Fecham-se as cortinas de mais um palco no país, mas com a certeza de que marcamos época e passamos a fazer parte de muitas histórias — não só da música, mas da cidade, do país e da vida de cada pessoa que esteve ali. Ao longo de 23 anos, passaram por lá mais de 12 milhões de pessoas, que assistiram a mais de 3.500 apresentações", escreveu Alterio.

Desigualdades

Gusttavo Lima foi um dos pioneiros em lives após início de isolamento social
Gusttavo Lima foi um dos pioneiros em lives após início de isolamento social Gusttavo Lima foi um dos pioneiros em lives após início de isolamento social

Um levantamento realizado pelo Data SIM apontou que no início da quarentena no Brasil, entre os dias 17 e 23 de março, o cancelamento de shows e espetáculos provocou um impacto de R$ 483 milhões no mercado da música. A crise, no entanto, atingiu de formas bem diferentes artistas, empresários e outros profissionais que formam a base do setor.

Diante da inevitável necessidade de adaptação, entre março e abril de 2020, os músicos se reinventaram e encontraram nas lives a primeira alternativa para tentar driblar a falta de shows. Gusttavo Lima foi um dos pioneiros do novo formato. O sertanejo, que fez uma apresentação histórica de cinco horas de duração, faturou alguns milhões de reais dando voz a um repertório de sucesso dentro e fora das plataformas digitais.

Segundo a colunista Keila Jimenez, do R7, estima-se que o cantor tenha recebido cerca de R$ 5 milhões só com a versão online da Festa do Peão de Barretos, em agosto do ano passado. Ao todo, os rendimentos teriam ultrapassado a marca de R$ 10 milhões em pouco mais de 12 meses. 

Em conversa com a reportagem, o artista afirmou que a maior dificuldade no período foi a busca para se reinventar e encontrar alternativas para que os negócios continuassem funcionando. "Acredito que o impacto para todos que vivem da música, shows e entretenimento, de uma forma geral, está sendo muito grande. A pandemia pegou a todos nós de surpresa e no nosso escritório, não é diferente. Estamos há mais de um ano passando por essa situação e torcendo para que as coisas possam voltar ao normal."

A gente está falando em um ano. O último show que eu fiz foi no dia 10 de março de 2020. A gente depende da saúde pública. Das pessoas pararem de morrer

(RAFAEL CURVINA, EMPRESÁRIO)

A realidade do sertanejo, no entanto, está bem distante da vivenciada pelo rapper Samuel Porfirio, que mora na periferia da capital paulista. "As lives sem patrocínios mal conseguem pagar os artistas e os profissionais, como técnicos e produtores. Apesar dos pesares, o fato de a banda estar 10 anos se autoproduzindo, se auto agenciando, conseguimos adaptar rápido para os novos formatos, mas vimos a cena num todo à míngua. Nossos parceiros fundamentais tiveram que recorrer a serviços de motoristas por aplicativo, por exemplo."

Rapper Samuel Porfirio é morador de Itaquera, na zona leste de São Paulo
Rapper Samuel Porfirio é morador de Itaquera, na zona leste de São Paulo Rapper Samuel Porfirio é morador de Itaquera, na zona leste de São Paulo

As desigualdades também foram ampliadas entre empresários e produtores. Wilson Anastácio Jr., fundador do Grupo Live Talentos — empresa responsável pela gestão de duplas como Zezé Di Camargo e Luciano, Chitãozinho e Xororó e Edson e Hudson —, até por conta da grande estrutura, conseguiu manter os profissionais mesmo com a redução de lucros.

"A nossa postura como gestor, foi de manter o time, não demitimos nenhum colaborador, temos uma estrutura grande, e optamos em reconhecer o prejuízo, mas manter a qualidade de atendimento aos nossos artistas", explica Anastácio. 

O produtor e contratante Francisco Filho, que já trabalhou com artistas como Roberto Carlos, viu dos oitos shows contratados para março de 2020 apenas um acontecer e, com isso, as receitas se esvaziarem ao longo da pandemia. De uma poupança que chegou ao fim a venda de um carro, o produtor se viu obrigado a migrar temporariamente para o mercado de venda de imóveis.

"Tínhamos uma pequena reserva que terminou. Aí, tivemos que nos desfazer de bens. Como teremos mais um ano perdido para o setor, enquanto programamos os eventos para o segundo trimestre de 2022, estamos procurando nos adaptarmos com o marcado imobiliário. Contamos também com a ajuda de alguns poucos amigos."

Auxílio não chega a quem precisa

Nos últimos 12 meses, mais de 3 milhões de pessoas perderam o emprego
Nos últimos 12 meses, mais de 3 milhões de pessoas perderam o emprego Nos últimos 12 meses, mais de 3 milhões de pessoas perderam o emprego

Nos últimos 12 meses, mais de 3 milhões de pessoas perderam o emprego ou viram os salários serem reduzidos drasticamente no mercado de eventos — do qual a cadeira produtiva de shows faz parte e exerce papel fundamental nos resultados do mercado no PIB. Em junho do ano passado, o Congresso Nacional aprovou a Lei Aldir Blanc, que determinou, entre outras coisas, o pagamento de auxílio emergencial a artistas, produtores, técnicos e espaços culturais afetados pelo novo coronavírus. 

Ao todo, de acordo com o Ministério da Economia, foram destinados mais de R$ 3 bilhões a estados e municípios. Entretanto, profissionais e dirigentes criticaram o período de repasse e execução dos projetos, o que dificultaria a realização das atividades propostas. Nesta semana, o Senado Federal aprovou a prorrogação da lei, que ainda precisa passar pela Câmara e sansão presidencial. Os recursos, no entanto, não têm conseguido aliviar a vida de todo mundo. 

As lives sem patrocínios mal conseguem pagar os artistas e os profissionais%2C como técnicos e produtores

(Samuel Porfirio, rapper )

O produtor técnico Nailton Silva acompanha de perto as dificuldades de amigos que dependem do entretenimento para viver. "Tenho amigos que trabalham com musicais. Eu trabalhei uma vida inteira, quase 20 anos com musical, e a galera já estava parada há um bom tempo. Sem ajuda do governo. Muitos não conseguiram pegar auxílio do governo. Muita gente desempregada. Grupos que a gente tem de trabalho com pessoas pedindo ajuda, porque já não estavam conseguindo mais pagar o aluguel, as contas básicas de água, luz, enfim... Começa a bater um desespero."

Produtor técnico Nailton Silva acompanha de perto as dificuldades de amigos
Produtor técnico Nailton Silva acompanha de perto as dificuldades de amigos Produtor técnico Nailton Silva acompanha de perto as dificuldades de amigos

Há, também, um projeto de lei em tramitação no Congresso que estabelece uma série de ações emergenciais para o setor de eventos. A ideia é prorrogar os efeitos do chamado Programa Emergencial de Manutenção do Emprego e de Renda, ou seja, autorizar a redução de salários e carga horária com o objetivo de tentar evitar novas demissões. O texto perdeu a validade no fim de dezembro, quando se encerrou o decreto de calamidade pública. 

Para o empresário Rafael Curvina faltou um olhar específico para o segmento entre as ações públicas que buscavam alternativas de auxílio para o setor. "Ninguém olhou muito para esse setor, que movimenta tanto. Se você pegar uma feira agropecuária hoje, por exemplo, ela ocupa hotéis da região, movimenta taxistas, restaurantes. Movimenta direta e indiretamente um setor muito vasto. Os empresários, em geral, vamos falar agora dos artistas, tentaram segurar ao máximo que puderam, mas com o faturamento a zero é muito difícil. E, aí, a gente tem que recorrer ao governo."

Sem expectativas

Brasil fechou o mês de março de 2021 como o mais mortal desde o início da pandemia
Brasil fechou o mês de março de 2021 como o mais mortal desde o início da pandemia Brasil fechou o mês de março de 2021 como o mais mortal desde o início da pandemia

O Brasil fechou o mês de março de 2021 como o mais mortal desde o início da pandemia de covid-19, de acordo com o Ministério da Saúde, com 66.573 óbitos pela doença sistêmica no período.Se até outubro do ano passado o país demonstrava sinais de uma possível retomada nas atividades, ainda que adotando uma série de protocolos sanitários, agora, há uma sequência de aumentos nos números de casos e mortes e a expectativa de um mês de abril difícil. 

Segundo o empresário Wilson Anastácio Jr., a retomada das atividades passa, inevitavelmente, por ações que dependem de fatores externos, como autoridades e órgãos públicos, e aceleração no ritmo da campanha nacional de vacinação contra a doença provocada pelo novo coronavírus.

"Veja bem, quando você me perguntar se eu tenho uma expectativa, eu até tenho, porém também tenho o conhecimento que minhas expectativas não valem, pois dentro do atual cenário do Brasil, nós ficamos à mercê de inúmeras variantes. Sendo assim, prefiro trabalhar com um planejamento mais real, visando a evolução da vacinação."

A UBN (União Brasileira de Compositores), em texto publicado por meio da internet, considera a retomada de shows ainda uma "grande incógnita" e defende um maior planejamento para que se possa atingir um plano de imunização em grande escala. Até o momento, segundo o Mapa da Vacinação do R7, apenas 7,32 dos brasileiros receberam a primeira dose, enquanto menos de 2% a segunda. 

"Sem um planejamento consolidado de vacinação em grande escala, e com total impossibilidade de retomar os eventos físicos, dado o descontrole da transmissão nas últimas semanas, os artistas brasileiros continuam cheios de perguntas e quase nenhuma resposta. Enquanto isso, países com processo de vacinação mais adiantado, como Israel e Reino Unido, já começam a planejar uma volta à normalidade."

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