Musicais brasileiros ganham fôlego e enfrentam produções da Broadway
Espetáculos com música brasileira estão cada vez mais presentes no teatro

Dorothy, Eliza Doolittle e Grizabella dão lugar a nomes mais conhecidos dos brasileiros como Elis, Cazuza, Rita e Cássia. Cada vez mais, o público que acompanha o mundo dos musicais percebe presença mais forte de nomes nacionais nos cartazes. Se antes espetáculos importados da Broadway dominavam a cena musical, hoje o espectador também lota as plateias de produções de temática nacional – sem deixar de lado os clássicos estrangeiros.
A cena teatral paulistana é um exemplo. Vingança, que está no Centro Cultural Banco do Brasil, tem canções do gaúcho Lupicínio Rodrigues. Neste fim de semana estreia Elis, a Musical, com a vida de Elis Regina, no Teatro Alfa, com a atriz Laila Garin de protagonista — ela levou o Prêmio Shell carioca de melhor atriz na última terça (11). Em abril, chega ao Teatro das Artes Rita Lee Mora ao Lado, com Mel Lisboa na pele de nossa rainha do rock. Em outubro, é a vez da vida da roqueira Cássia Eller ganhar o CCBB, em Cássia Eller, o Musical. Isso sem falar no sucesso de três anos Tim Maia – Vale Tudo, que encerra temporada neste mês no Teatro Procópio Ferreira.
O crescimento dos musicais é a evolução do processo de retomada do próprio gênero musical no Brasil, que vive um boom de produções desde a última virada de século. Primeiro, superproduções da Broadway feitas por nomes como a Time for Fun, grande produtora paulistana do gênero, marcaram época, e também iniciativas de diretores como Jorge Takla, que estreia neste fim de semana Jesus Cristo Superstarno Complexo Tomie Ohtake, em São Paulo.
Leia o blog de Miguel Arcanjo Prado sobre teatro
"Separação é grande bobagem"
Uma dupla carioca se destaca pela qualidade e exuberância de suas mais de 30 produções. Charles Möeller e Claudio Botelho se tornaram os principais nomes do gênero musical, tanto que ganharam a alcunha de Os Reis dos Musicais. Möeller afirma ao R7 [veja entrevista completa ao fim da reportagem] que não aceita separação dentro do gênero musical entre estrangeiros e nacionais.
— Essa coisa fronteiriça de musical da Broadway e musical nacional é que é uma grande bobagem. São os próprios produtores que estão fazendo um muro como se isso se fosse um tratado nacionalista.
A paulistana Célia Regina Forte, produtora de Vingança, o Musical ao lado de Selma Morente, que tem texto original de Anna Toledo, também não crê em separação entre "nacionais e importados". Ela prefere comemorar o crescimento do público teatral, mas entrega sua preferência.
— O gênero musical cresceu incrivelmente nos últimos anos. Qualquer gênero de teatro que cresça no Brasil já está valendo para mim. Só que uma hora os bons títulos da Broadway se esgotam, pois se for novidade lá, não interessa tanto aqui. O público, em geral, prefere os clássicos da Broadway. Então, novidade por novidade, é melhor que façamos os nacionais, pois temos "material" de sobra.
A confiança é tanta no público que ela já marcou a terceira temporada para Vingança. Célia, que também é dramaturga, acaba de escrever um musical baseado na obra do roqueiro Leo Jaime que deverá estrear em breve, chamado Fórmula do Amor.
Apesar do grande números de musicais nacionais, grande parte deles é feita colada no sucesso de cantores e compositores conhecidos da MPB. Faltam ainda no mercado produções de histórias e canções originais. É preciso mais confiança dos produtores na criatividade dos artistas nacionais.

"Cantar com nossa alma"
A atriz e cantora Amanda Acosta vive na pele esta mudança no mercado de musicais. Em 2007, foi protagonista do importado My Fair Lady, com direção de Jorge Takla. Agora, canta Lupicínio Rodrigues em Vingança. Ícone do gênero, a artista considera "fundamental a montagem de musicais com temática nacional". Entretanto, afirma que é um desafio fazer tanto musicais da Broadway como os de raízes brasileiras.
— Quero contar histórias que comuniquem. Todas as histórias nos dizem respeito, porém me sinto mais próxima do que é nacional porque sou brasileira e quero falar sobre nossa realidade, nossos sonhos e nossas personagens; cantar com nossa alma, nossa melodia, com nossos arranjos, do nosso jeito.
Mesmo com o nacionalismo, Amanda também acompanha, trabalhando ou como público, as produções estrangeiras que ganham versões no País.
— Não abro mão de um bom musical da Broadway. Eles desenvolveram o gênero. É tudo muito bem estruturado e pensado para levar o publico a diferentes tipos de emoção.
Leia o blog de Miguel Arcanjo Prado sobre teatro
Quando coloca o boom recente em perspectiva profissional, a atriz afirma que o mercado para atores "melhorou e piorou" ao mesmo tempo. Em sua visão, melhorou porque "há mais oportunidade de trabalho", mas piorou porque "muitas vezes a essência artística é deixada de lado pelo marketing". Mas diz que tanto musicais importados quanto produções nacionais envolvem "a mesma paixão e dedicação" dos artistas. Por isso, espera que haja patrocínio para todos.
— As pessoas valorizam mais o que vem de fora. A maior parte da população desconhece os grandes nomes e mestres da nossa cultura. Espero que este movimento de aumento de musicais nacionais não seja apenas momentâneo.
Direitos autorais
A atriz Fernanda Couto, que produziu e protagonizou Nara, o musical sobre a cantora Nara Leão que conquistou o público e a crítica em São Paulo, afirma que acha ótimo "vasculharmos os baús da memória" e "rever trajetórias pelo teatro".
Mas, reitera que é preciso rever também entraves da Lei de Direitos Autorais, que coloca nas mãos das famílias dos artistas a liberação de obras sobre os mesmos.
— Estamos perdendo o direito à história porque muitas famílias cobram preços que não se praticam no teatro, tornando as produções inviáveis.
Fernanda espera que os produtores os musicais nacionais deixem "nossas qualidades emergirem".
— A diversidade é sempre necessária. E o simples pode ser belo também. Nossa música é valorizada no mundo e podemos trazer isso para a cena. Há espaço para todos. O espaço para produções nacionais tem de ser conquistado e isso não é tarefa fácil. Mas nada na arte parece ser fácil, não é?
Leia o blog de Miguel Arcanjo Prado sobre teatro
Entrevista: "Preconceito contra musical é patético", diz Charles Möeller
Charles Möeller, ao lado de Claudio Botelho, integra a dupla que recebeu a alcunha de Os Reis dos Musicais. A Möeller & Botelho já montou mais de 30 produções, muitas clássicos da Broadway, com A Noviça Rebelde e O Mágico de Oz, mas também espetáculos brasileiríssimos, como Ópera do Malandro e Sassaricando. Eles ajudaram a impulsionaram o mercado de trabalho para artistas e técnicos envolvidos nos musicais de hoje – o gênero cria mais de 25 mil postos de trabalho no País e tem investimento que supera R$ 60 milhões. Möeller conversou com o R7 com exclusividade sobre o aumento dos musicais nacionais. Leia a entrevista:
Miguel Arcanjo Prado/R7 – Você percebe o crescimento de musicais com temática nacional? Por que acha que isso está acontecendo? É uma moda passageira ou veio para ficar?
Charles Möeller – Existe um crescimento de musicais com temática nacional, principalmente musicais baseados em cantores que existiram, o que me parece acontecer porque a plateia brasileira gostar de escutar músicas conhecidas, cantar junto. Já teve isso por aqui há 20 anos, quando tivemos uma grande demanda de musicais como Somos Irmãs, Cartola, Chiquinha Gonzaga e vários outros. A moda passou e agora ressurgiu novamente. Não sei se é uma moda ou se um estilo que veio pra ficar, mas acho que uma hora essa fonte vai secar.
Vocês da Möeller & Botelho têm previsão de investir mais em musicais com temas brasileiros? Por quê?
A M&B não trata musicais com nacionalidade. Esta nunca foi a questão. Gostamos do gênero, então fizemos musicais da Broadway não por ser musical da Broadway, mas porque gostamos das músicas, do enredo. Já fizemos Um Violinista no Telhado, Hair, A Noviça Rebelde, como também fizemos os brasileiros Sassaricando, A Ópera do Malando, Suburbano Coração, Nada Será Como Antes - Milton Nascimento, É Com Esse Que Eu Vou, Na Bagunça do seu Coração, Lupicinio e outros Amores, Todos os Musicais de Chico Buarque em 90 Minutos – em cartaz no momento [no Rio] -, nunca colocamos essa fronteira.
Por quê?
É muito ruim para o gênero existir essa fronteira. A M&B nunca teve essa preocupação. Nunca levantamos a bandeira do musical nacional ou estrangeiro. Levantamos, sim, a bandeira do musical. Se o gênero é bom, se é bem feito, se é bem criado, ele precisa existir. Essa coisa fronteiriça de musical da Broadway e musical nacional é que é uma grande bobagem. São os próprios produtores que estão fazendo um muro como se isso se fosse um tratado nacionalista.
O mercado brasileiro está saturado de musicais da Broadway ou existe espaço para convivência harmônica entre musicais com temas nacionais e também musicais que vêm do exterior?
Eu já acho errado esse título "musicais da Broadway". O que é a Broadway? A Broadway é O Rei Leão, é Once, que é um musical de pequeno porte baseado num filme estrangeiro, é O Beijo da Mulher Aranha, que é Kander & Ebb, é Cole Porter, é Gershwin que são compositores eternos... Acho tem que existir uma convivência sim. Se você for à Broadway, verá que musicais de todos os tipos convivem entre si: musicais que falam vários idiomas num mesmo quadrilátero. Enquanto ficarmos com essa de dividir seguimentos, estaremos criando uma muralha da China, uma nova Cuba aonde nada de estrangeiro pode chegar.
Os musicais da Broadway ainda são vítimas de preconceito quando são montados no Brasil? Por quê?
Os musicais da Broadway são vitimas de preconceito pela classe artística, não pelo público que vai e lota. Todos os musicais da Broadway que fizemos não são da Broadway e sim da M&B porque é nossa criação, não fazemos cópias nem franquia. Mesmo os musicais de franquia que estão em cartaz pela T4F fazem muito sucesso.
Por que o preconceito dentro da classe artística?
As pessoas que torcem o nariz são pessoas que tem preconceito contra os americanos em si, contra o tipo de arte feita pelos americanos porque, se você reparar, esse tipo de preconceito não existe em outros segmentos. Dentro do teatro falado, se alguém montar um espetáculo do Eugene O'Neill ninguém vai ter preconceito, se montarem Arthur Miller não vão falar "olha um espetáculo americanizado do Arthur Miller", ninguém chama as montagens de brasileiras de Shakespeare de britanizadas.
Então, o preconceito é com o gênero musical?
Acho que existe um preconceito contra o musical americano que, se você refletir e olhar em volta, é patético. O preconceito já existia contra o musical em si. Esse preconceito já foi derrubado com a demanda de público que existe hoje em dia para os musicais porque os musicais lotam teatro de 2.000 lugares. Qualquer tipo de preconceito é ruim ate porque as pessoas confundem a Broadway com tudo. A Broadway é o lugar de lançamento de tendências mundiais. A própria Broadway se reinventa todos os anos, então, não da pra falar "um musical da Broadway" pois a própria Broadway está sempre em construção.
Veja também:
Mateus Solano, Fernanda Lima e filha de Débora Falabella marcam entrega do 58º Prêmio APCA
"Se acha sensual, é problema seu", diz diretor Jorge Takla sobre polêmica Jesus Cristo Superstar