História em quadrinhos emocionante viaja por memórias da infância

De cara fiquei impressionado com os desenhos, foi a melhor porta de entrada possível para a aventura. A primeira página dupla mostra um enorme pássaro voando numa linda planície. Tudo com muita dimensão, profundidade e riqueza de detalhes. Wagner Willian trabalha com primor o preto e branco e não fica preso aos quadros, os desenhos são muito vivos e parecem que a qualquer momento podem saltar do papel.

"História e arte caminham praticamente juntas, uma desenvolvendo a outra. Sabendo que em tal página ocorrerá uma ação, busco referências para as cenas. Nisso de caçar as referências, acabo encontrando um ou outro detalhe que às vezes muda o rumo da ação. Estando certo daquilo que merece estar ali, tendo várias imagens como linha-guia, começo a desenhar os personagens e depois os cenários. Como faço digitalmente, consigo reorganizar tudo facilmente", explica o autor.

Os diálogos são reais e cada personagem tem sua própria linguagem e forma de falar. Outro ponto forte é a trama simples, mas não se engane, simplicidade não quer dizer falta de profundidade, porque isso a obra tem de sobra. A história começa quando o personagem principal volta depois de quinze anos para o sítio que já pertenceu a seu avô. É curioso ver a mudança de um adulto sem lembranças para uma criança rica em memórias. O menino acaba reencontrando cenários e amigos de infância. A trama se desenvolve muito bem e todo enredo se amarra conforme a história evolui. Para mim, foi uma descoberta, forcei minha mente ao máximo para também tentar resgatar minhas memórias mais antigas, pena não ser tão simples. O quadrinho nos coloca nesta onda nostálgica. 

Wagner Willian também precisou viajar em suas próprias recordações para desenvolver a HQ "A memória é um fator importantíssimo nessa história. Jogá-la para a época em que o personagem principal passou a infância me levou automaticamente à figura do velho, do avô. Pular uma geração para contar sobre o relacionamento com o passado através do neto/avô reforça essa linha tênue da memória por estar ainda mais distante no tempo. E foi essa distância no tempo que eu quis encurtar. Perdi meu avô quando eu tinha uns 12 anos. Ele seguia a receita do avô ideal, daqueles que deixam você arriscar na vida, se quebrar todinho, e dá risada depois", finaliza.

A história principal caminha lado a lado com as lendas, principalmente do pássaro cuco, que perdeu sua linda voz após atos terríveis contra outros pássaros. Mas durante todo enredo outros animais desempenham um papel importante. A cada participação da raposa eu já ficava aflito, o papagaio me fez sorrir e o burro me deu pena. "Acho que toda fábula que se preze tem animais no meio. Criaturas fantásticas que se articulam em uma linguagem própria. Quem aqui poderá negar a clarividência e divindade de um gato ou mesmo a eloquência e sexto sentido de um cão?", questiona Wagner Willian.

O Maestro, o Cuco e a Lenda teve apoio do Proac 2017 para ser publicado e foi lançado, em dezembro passado, na Comic Con. Foi também a estreia da editora Texugo. São 208 páginas, que saíram num formato capa dura. Material nacional, que vale a pena ser reconhecido. Wagner Willian é um ótimo quadrinista e também lançou Bulldogma (editora Veneta) e por esse trabalho venceu o troféu HQmix de novo talento roteirista e ainda o Grampo de Ouro.

Wagner Willian afirmou que vai continuar trabalhando com lendas em seu próximo livro. "A lenda do cuco saiu de uma outra história que estou desenvolvendo. A história de um velho caçador cercado por lendas antigas. É provável que seja o meu quadrinho mais violento. O título será Silvestre. Pretendo publicá-lo ainda este ano, se as lendas permitirem", encerra o autor.