A compra de dois pãezinhos
Até onde sei|Eugenio Goussinsky
No balcão da padaria, o rapaz pediu apenas dois pãezinhos. A jovem, de touca na cabeça e mãos hábeis, pegou o pedido na cesta, embrulhou com rapidez, deu duas voltinhas no saco de papel, e, entregando-lhe a embalagem ainda quentinha, fez uma pergunta aparentemente inocente: "Mais alguma coisa?"
Ele, então, sentiu o peso de ser um cliente hoje, confundindo a pergunta com suas inseguranças naturais. E entrou em um processo de punição a si, culpando-se por pedir apenas dois pãezinhos enquanto a pessoa anterior havia pedido sete. Foi então obrigado a revelar em alto e bom som o quanto era abusado com sua parca solicitação: "Não, só isso".
Ele sabia que não era nada pessoal. A moça apenas estava repetindo o que era uma praxe no momento, em muitos outros estabelecimentos. A pessoa seguinte, que comprara uma dúzia de pães, também teve de confessar à atendente que queria "apenas aquilo".
Diante do constrangimento, bem que ele até pensou em pedir uma bisnaga de mandioca, mesmo sem necessidade. Ficou em dúvida - comprar ou não comprar - enquanto a pergunta se repetia a cada um que passava ao seu lado na fila, com o cestinho repleto de frios, vinhos, cigarro, possivelmente após terem ouvido muitos "mais alguma coisa?"
Quando criança, conhecia o seu Luiz Carlos, padeiro da esquina da casa em que morava no Itaim. Cabelos brancos, olhos volumosos, era um estilo plácido e generoso. Sempre que alguém fazia o pedido, era o próprio senhor que procurava atender, solícito. Imigrante português, era grato por ter prosperado na terra que o acolheu. E, como um agradecimento, fazia o cliente se sentir confortável, com o direito de estar ali e pedir o que quisesse
Às vezes ele deixava alguém comprar fiado, na convicção de que tal situação pode acontecer com qualquer um. Indiretamente, garantiria a fidelidade da pessoa no momento em que ela escolhesse um lugar para comprar pão quando, tomara, um dia conseguisse sair de sua difícil fase financeira. Para o sr. Luiz Carlos, clientela era vínculo afetivo.
Não via o ato de atender como um favor, feito por alguém meio de saco cheio, olhando quem compra como um incômodo. Ele adorava os clientes, até os mais chatos. Oxalá viessem em cada vez mais número ao seu estabelecimento, para ele garantir o seu sustento. E, quem sabe, poder contar um dinheirinho a mais no lucro obtido com seu bom atendimento.
De volta ao balcão, após essa reflexão, o rapaz se viu em um mundo bem mais apressado, em que a automatização de muitas pessoas e o utilitarismo permitiram uma inversão no sistema de comércio, ainda que no passado, evidentemente, nem tudo fosse perfeito.
Veio-lhe uma sensação de que, na era das posses e das desconfianças, é comum quando alguém dispõe de algum produto, emanar dele um ar de superioridade. E o comprador, neste caso, está sempre obrigado a satisfazer seu amo, o dono da loja que permitiu sua entrada.
Descoloriu-se, com isso, o sorriso generoso e gratuito que vinha do outro lado, diante de qualquer um que entrasse no estabelecimento, trazendo consigo a luz da novidade, a beleza de sua unicidade humana. Essa energia despertava, fácil, a boa vontade em atender. Mesmo se, bem como era dito nos tempos de minha avó, a pessoa comprasse apenas uma agulha.
Ao sair, ouviu do caixa a outra pergunta básica e frequente: "Só isso?" Sentiu-se obrigado a emendar, vítima de um marketing opressor por mais consumo, coroando a humilhação: "Só".
Somente se aprumou ao ter certeza de que não era ele, pelo menos naquela situação, o chato. Graças ao sr. Luiz Carlos, de quem se lembrava, mais do que como um vendedor, com o carinho por alguém que entendia a nobreza de sua função.
Em cada pacote que ele embalava, vinha escrita a famosa frase, extinta nos dias de hoje: "Servir bem para servir sempre". O marketing do sr. Luiz Carlos, para ele, pelo menos, tinha dado certo. Foi seu maior serviço. Tão bom, que durou para sempre.
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