Apenas um peixinho
Até onde sei|Eugenio Goussinsky
Um dia comprei um aquário maior para o Fafinho, o peixinho-beta da família. Ele estava acostumado com sua beteira apertada, em forma de octógono, cujos adornos eram apenas algumas pedrinhas no fundo e uma pequena alga vermelha.
No início ele estranhou a amplitude da nova casa. Havia mais algas. As plantas eram quase uma floresta para ele, no losango bem maior - pelo menos o triplo do anterior. Às vezes eu o procurava e, com muito esforço, via o lindo azulado de sua superfície brilhar por trás de uma das plantinhas onde ele repousava.
Ele sempre foi muito sensível. Para se manifestar e também para entender o que acontecia ao seu redor. Eu costumava conversar com ele sobre várias questões, vendo-o, lá de dentro, balançar a cauda freneticamente.
— Fafinho, Fafinho, peguei um trânsito hoje...Mas tem de ter paciência, né?
Então eu batia levemente o dedo no vidro, para ele festejar tal qual um cãozinho amestrado. Ele decifrava o motivo de minha presença. Ouriçava-se quando eu entrava na sala olhando para o aquário, ciente de que iria ver polvilhada a superfície da água com sua deliciosa ração. Eu sentia ele se encher de satisfação cada vez que me via.
Isso custou a acontecer. No início, escamoso, se esgueirava pelos becos do aquário cada vez que me aproximava. Queria ter certeza de que não se tratava de um predador. Depois, tendo a segurança de que sobrevivia, foi se acostumando com o ritmo da família.
Chegou um momento em que ele nem se preocupava mais. Nem quando meus filhos jogavam bola, dentro do apartamento, ameaçando seu mundo com uma desavisada bolada. Ele parecia é empolgado. Apenas balançava as nadadeiras, feliz com a companhia das crianças.
Fafinho viveu quase três anos em função desta alegria. Foi um grande exemplo de como afeto e harmonia, mesmo em relação às menores espécies do reino animal, tornam a existência mais proveitosa e duradoura. Ele deu até mais do que teve em troca, acredito. Afinal, apesar de todo o cuidado, nunca mudamos nossa rotina por causa dele.
É verdade que, antes das viagens, minha preocupação sempre foi ter onde deixá-lo. Não queria fazê-lo viajar alguns quilômetros, nos solavancos do carro, até a casa de familiares. Às vezes isso aconteceu. E ele resistiu, porque, tenho certeza, sabia que iríamos voltar para pegá-lo.
Um dia, antes de mais uma saída para o fim de semana, optei por deixá-lo sob os cuidados do zelador. Ele entraria duas vezes por dia para dar comida ao peixinho. Por um lapso, o moço exagerou na dose e, tudo indica, Fafinho se foi por causa disso.
Voltamos na segunda e logo recebi a notícia. O aquário nem estava mais onde costumava. Evitei ficar chorando por causa de um peixe na frente de todo mundo. Ainda mais eu, pai de família. Não escondi a tristeza, mas me preocupei em não prejudicar a compreensão das crianças sobre a realidade da vida.
Tudo passa. E temos de aguentar estas movimentações, bem mais oscilantes do que as águas tranquilas em que vive um peixinho. Às vezes vejo de relance o aquário em cima de um armário na área de serviços. Logo desvio o olhar. Mas a lembrança não escapa. O rack onde ele ficava, e até um barquinho de madeira que coloquei, remetendo o cenário a uma maquete do livro Moby Dick, continuam lá.
Na rua, o trânsito se mantém pesado. As pessoas andam rápido, os anos se acumulam, assim como as contas, as obsessões, os afazeres, a pressa multiplicada pela ilusão das facilidades high tech.
Então pergunto: o que significa hoje em dia o lamento pela perda de um peixinho-beta? A única resposta, em meio à imensa concretude do mundo, vem no rastro de uma metáfora. Significa a mesma sensação do oceano, quando ele percebe, em sua também imensa superfície, o simples gotejar de uma lágrima.
Os textos aqui publicados não refletem necessariamente a opinião do Grupo Record.