Ausência
Até onde sei|Octavio Tostes
Para d. Ricarda, Jadinho, Peter e família
Rubem Braga, um dos maiores cronistas do Brasil, senão o maior, recorria a poemas dos outros para completar sua página na “Revista Nacional”, dos Diários Associados. Sob o título “A poesia é necessária”, reproduzia e comentava os versos. O drible na falta de textos permitia-lhe cumprir disciplinado o prazo com o patrão, o editor e o leitor.
A história está no verbete “Preguiça” do livro “Na cobertura de Rubem Braga”, primoroso retrato que o jornalista e escritor José Castello fez do Urso. Curioso ver preguiça como traço de quem escreveu mais de 15 mil crônicas em 62 anos. Dá 242 por ano, quase uma por dia fora sábado, domingo e férias, e confirma sua autodefinição: “Sou uma máquina de escrever com algum uso, mas em bom estado de funcionamento”.
Lembrei da artimanha do velho Braga quando voltava de férias na Bahia e estava justo em Cachoeiro do Itapemirim, sua terra natal. No Hotel San Karlo - prédio ensombrado na beira do rio -,soube pelo Facebook do falecimento de seu Joel, marido de d. Ricarda e pai do Jadinho, meu colega no grupo escolar em Miracema (RJ). No post, Adílson Dutra - flamenguista sempre animado com futebol, música, viagens, causos e brahmas em geral - informou que o amigo fora “morar no Oriente Eterno” e se calou. “Botei luto, meu silêncio é meu respeito à família”.
Outro amigo, José Maria Aquino - jornalista veterano, texto elegante, humor que vai do lírismo ao sarcasmo sem perder a leveza -, recordou as “boas peraltices na rua do Café, na santa terrinha" e concluiu: "Há 29 anos e dois dias, aprendi que em momentos assim não devia chorar, apenas entender. Que não devemos ter saudade, mas lembranças. Saudade traz tristeza. Lembranças geram alegrias.”
Na hora elogiei o Zé Aquino pela beleza e sabedoria das palavras. E disse que tinha aprendido a mesma lição com a passagem de meu pai, contemporâneo dele e do Joel. Ele respondeu: “Aprendi com a despedida de uma filha”.
Relembrado por Rubem de que a poesia é útil e oportuna, recorri ao poema de Drummond que me acudiu depois da despedida de meu velho há 25 anos. De luto como o Adílson e tentando ser sábio feito o Zé, colhi naqueles versos as palavras que dedico a d. Ricarda, Jadinho e Peter, noras e netos do seu Joel:
“Por muito tempo achei que a ausência é falta.
E lastimava, ignorante, a falta.
Hoje não a lastimo.
Não há falta na ausência.
A ausência é um estar em mim.
E sinto-a, branca, tão pegada, aconchegada nos meus braços,
que rio e danço e invento exclamações alegres,
porque a ausência assimilada,
ninguém a rouba mais de mim.”
(Ausência, Carlos Drummond de Andrade, em“Corpo”, 1984)
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