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Futebol no luxo e na chuva

Até onde sei|Eugenio Goussinsky

Assim que cheguei ao estádio do Atlético-PR, a Arena da Baixada, junto com meu filho, me lembrei da emoção de um conhecido quando viu futebol no estádio pela primeira vez, nos anos 60.

Ele se encantou ao ver tudo colorido: a grama, a bandeira tremulando com o vento, as traves claras, os contrastes alaranjados e verdes da arquibancada, a camisa dos times e até a cor da pele dos jogadores ao vivo. Até então ele estava acostumado apenas com a imagem preta e branca das televisões na época e teve uma sensação de graça profunda ao ver outra realidade no próprio local.

Senti algo assim ao entrar naquele estádio, após passar por corredores amplos e suntuosos. As cadeiras, brancas e confortáveis, faziam uma espécie de dança de cores com todo o cenário. A cobertura móvel do estádio estava fechada.

A forte luz que iluminava o campo dava ao recinto ares de um ginásio gigante, fazendo com que a grama parecesse um tapete verde sobre um palco. A Arena realmente tem um quê de sonho, como se fosse um teatro com galerias no lugar de arquibancadas. E, como diria Balzac, nele se instalou a Comédia Humana e suas contradições.


A chegada a essa magnânima obra, afinal, foi preenchida por uma sensação contrastante de desconforto. Naquela manhã em Curitiba, a chuva dava os contornos, molhando a cidade e deixando seus prédios tradicionais, seus bairros residenciais e as araucárias um tanto acinzentados. Fomos ao local de táxi, para assistir ao jogo entre Atlético-PR e Atlético-MG às 11h.

Logo que descemos do carro, atravessamos a rua Buenos Aires, pacata quando não há jogos. Na fila, um ar de tensão primitiva se contrapôs à modernidade da construção. Alguns torcedores pareciam não estar para brincadeira, já entoando gritos de guerra contra o rival.


Meu guarda-chuva, do qual não havia me esquecido, não era mais necessário. Pelo menos embaixo da entrada coberta. Seria útil no momento em que subíssemos a escada e, depois de percorrermos o corredor, seguíssemos por uma área descoberta até o nosso portão.

Fomos revistados por um emburrado policial. Em seguida, um segurança me informa, com rudeza, que não poderíamos entrar com o objeto. Nestes tempos em que futebol deixou de ser um jogo para, em muitos casos, se institucionalizar como uma manifestação de cólera humana, um simples guarda-chuva pode ser, na visão de autoridades, instrumento bélico em um confronto com outros torcedores, fazendo daquelas confortáveis cadeiras um inóspito campo de batalha.


Aceitei e concordei com o fato de não poder entrar com o "perigoso" guarda-chuva sem ponta. E percebendo a suntuosidade das instalações, logo questionei onde poderia deixá-lo, para retirar no fim da partida. Se o ar de requinte era tão resplandecente, deveria haver por lá uma espécie de chapelaria ou algum responsável por guardar objetos - de propriedade e necessários para os torcedores.

O segurança, como se eu estivesse fazendo um pedido de outra dimensão, respondeu com truculência, impondo uma realidade que para ele parecia natural e inquestionável: "Não tem onde, deixe aqui (embaixo de um gradeado), mas costumam pegar. Nem espere encontrá-lo depois".

Foi o que fiz, seguindo a determinação, sem outra alternativa. E entramos no belo estádio, em que palavrões exagerados se sucediam a todo o instante, potencializados pela perfeita acústica do local, após erros dos jogadores (coitado do Hernani!), do juiz ou até de um chute para fora do adversário.

Trata-se de algo cada vez mais comum no futebol brasileiro, não restrito, é claro, à equipe paranaense. Que se volta contra toda a retórica de que futebol deve ser algo para a família. Justamente eu, que encho meu filho para que evite palavrões, olhava para ele constrangido a cada xingamento que se avolumava sobre nossas cabeças.

Além disso, jogar em casa hoje é marcar terreno. E de uma maneira nada didática. A derrota é praticamente proibida, nestes tempos de guerra simbólica. Se o local for luxuoso, serve para o torcedor se gabar ainda mais, inconscientemente se enfurecendo ao ver o adversário usufruindo de suas instalações. Vencendo então...

Já com o empate de 1 x 1, o clima foi pesado. Imaginei que, se houvesse um revés, aquele maravilhoso patrimônio arquitetônico poderia, dependendo da importância da partida, ficar bem prejudicado.

Ao deixarmos o estádio, fomos contemplando as belas instalações, com telas de LED, lanchonetes chamativas e organizada vazão do público. Mesmo com alguns percalços, estávamos satisfeitos por termos visto um belo jogo, na casa daquela tradicional e respeitável agremiação brasileira.

Voltamos à entrada e, entre alguns guarda-chuvas jogados pelas laterais, não encontramos o nosso. Eu e o garoto tivemos de tomar alguns pingos gelados na cabeça antes de encontrarmos minha esposa e minha mãe, que esperavam de carro na Silva Jardim.

Lembrei-me então do meu conhecido e pensei que hoje algo se inverteu: estádios são coloridos; o clima do futebol, nem tanto. E se um dia pudesse falar com algum diretor do clube sobre o que achei da Arena, diria: "É linda e muito confortável. Mas, merecidos elogios à parte, quero meu guarda-chuva de volta!"

Os textos aqui publicados não refletem necessariamente a opinião do Grupo Record.

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