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Nas lavras de Diamantina

Para os motociclistas Ulisses Capozzoli, Geraldo ‘Tite’ Simões e a galera do StradaS Moto Clube de Miracema (RJ)

Até onde sei|Octavio Tostes

O prato fundo de ágata branca serve comida mineira na Venda do Chico, restaurante entre árvores no quilômetro 743 da Fernão Dias, sentido Belo Horizonte. É sábado. Meu amigo Ulisses e eu vamos de moto de São Paulo para Diamantina (MG), bordejando a Estrada Real - primeiro caminho do Brasil no tempo do ouro e dos diamantes.

Foi diante um prato desses, conta Ulisses, que saquei porque os mineiros são discretos (ou dissimulados). Ágata é leve, não quebra e quem garimpa não grita o que achou na lavra. Escuto e desconfio. Misturo, uma a uma, pimenta malagueta, cumari e habanera ao arroz com feijão, mandioca, costelinha, couve, linguiça e angu. E volto menino à fazenda entre Palma (MG) e Miracema (RJ), na Zona da Mata.

Na saída, o disco de arado anunciando leitoa caipira para viagem revive meu pai. Ele falava com gosto de uma placa de trânsito que proibia estacionar carro de boi em frente à prefeitura de Palma. O mijo dos animais deixa um cheiro muito forte, explicou meu irmão Pedro, fazendeiro. Ao manobrar no cascalho, comentei esse é o chão que mais respeito; o mais fácil de beijar, arrematou Ulisses. Na chegada a Tiradentes, a estação de trem, clara, lambrequins rendilhando o telhado, me enterneceu.

No café da manhã na pousada, Beth Samos, cabeleireira em Belzonte, ex-trilheira de moto e agora jipeira, garante que a estrada para Diamantina está boa. Nas curvas suaves, a moto deita, surfa e parece capoeira. O motor canta passando por pastos, vacas e apito de trem. Coronel Xavier Chaves, Lagoa Dourada, São Brás do Suaçuí, as cidades recendem a torresmo, domingo e para chegar com dia, riscamos BR-040 acima.


Não deu para entrar em Cordisburgo, berço de Guimarães Rosa. Retões, solão, miragem, sertão azul. Quando atravessávamos a paisagem de granito perto de Diamantina, o sol era uma enorme laranja cadente. Descer as ladeiras de pedra capistrana da cidade de Chica da Silva e Juscelino Kubitschek foi pisar em ovos escorregadios. Caía a noite.

A pousada Relíquias do Tempo é um museu. Serve café da manhã em torno do fogão a lenha, bolos, geléias, sequilhos, mingaus, pão de sal e de queijo, sabores da minha avó mineira. Subimos e descemos ladeiras entre igrejas e casario. Na poltrona de madeira do jirau, fumei um charuto ao pé da jabuticabeira.


Carmem Nascimento, a dona, comprou dos tios o casarão do século XVIII onde morara seu avô e, com o marido, preserva um pouco da memória da região. Descreve animada peça por peça da sala com reportagens, fotos, cartões, um pijama e o violão autografado pelo seresteiro JK. Depois o espaço com a maquete de um garimpo, peças ainda da escravidão, bateias, instrumentos de lapidação e fotos do sogro e do pai dele, diamantários – negociantes de gemas.

O tombo profetizado na Venda do Chico aconteceu no início da volta. A estradinha de terra entre Datas e Congonhas do Norte era costela no meio e cascalho nas beiradas. Íamos a 20, 30 por hora quando Ulisses caiu. Catei assustado o freio dianteiro e beijei o chão também. Ele trincou um dos ossos da perna esquerda, mas a gente só soube depois pela chapa.

Entre o susto e a chegada a São Paulo na sexta seguinte, mais acontecências. Sabedoria de preta velha na Serra do Cipó. Estoicismo do amigo em trocar marcha com o calcanhar ao longo de mil quilômetros – seu pé não dobrava. Sossego em Monte Verde. Goiabada com queijo. Achados que talvez seja melhor guardar por ora. Há sempre dias sem assunto e parece mesmo certo não alardear toda pepita que se leva no embornal.

Os textos aqui publicados não refletem necessariamente a opinião do Grupo Record.

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