Ó Pátria amada
Até onde sei|Octavio Tostes
Aprendi o Hino Nacional na escola pública de uma cidade do interior do Estado do Rio. Tinha 7 ou 8 anos no Brasil do primeiro governo da ditadura militar. Depois cantei-o no ginásio de um município vizinho, aos 14, 15, terceiro general-presidente. E quando servi, ainda por ali, aos 18 durante o plantão do quarto mandatário fardado.
Sempre achei engraçada a ordem indireta dos versos. ”Se o penhor dessa igualdade/ Conseguimos conquistar com braço forte,/ Em teu seio, ó liberdade,/ Desafia o nosso peito a própria morte!/ Do que a terra, mais garrida,/Teus risonhos, lindos campos têm mais flores;”. Menino, não entendia bem a letra, mas sentia uma grandeza, um ser no mundo, que ligava o hino ao verso de Olavo Bilac inscrito no pátio: “Ama com fé e orgulho a terra em que nasceste”.
Quem me ensinou a amar o Brasil foi minha avó materna. Orgulhava-se de ter nascido gaúcha no 22 de abril de Cabral em 1914. Secretária a vida toda, era grata a Getúlio pelos direitos da CLT e pelo voto feminino. Adorava a música, o rádio, o folclore, a comida, a literatura, primeiro do Sul e depois do país, abarcados no riso doce. Não sei o que ela, encantada com o nascente Brasil moderno de 1930 a 1960 - imortalizado na “Aquarela” de Ary Barroso -, sentiu pelo país durante a ditadura.
O que sentiria vovó Edmée, aos 102 anos, pelo Brasil de hoje? Não tivesse falecido em 2002, depois da Anistia, das Diretas - quando o hino ecoou esperança -, da Constituição Cidadã, do Real, do PT, da Lava Jato e dos Bolsonaros. Como veria o país periférico, genocida de índios, pretos, pardos e feminicida? O latifúndio que virou cidade grande de favelas e bairros nobres apartados onde cantam as balas traçantes do tráfico. Movido a sertanejo, funk, rap, pagode, cânticos e capaz de encantar como na abertura dos Jogos do Rio. O amaria como eu, ainda tocado pelo que promete a diversidade que reúne Rafaela Silva, Isaquías Queiroz, Martine Grael, Poliana Okimoto e Jean Wyllys?
O que será de ti, ó Pátria amada dos filhos deste solo nascidos há quatro, cinco, seis anos, quase um século depois de minha avó? Dia destes reencontrei uma destas crianças, minha sobrinha-neta Maria Flor, em um vídeo na timeline da mãe. “Primeiramente, fora Temer”, repetia. No zap, a mãe, Luiza, contou que um amigo pediu que falasse e lhe explicaram o atual cenário político. Agora ela diz que é muito feio tomar o lugar dos outros sem pedir licença.
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