Ó Pátria amada - II
Até onde sei|Octavio Tostes
No feriadão de 7 de setembro, Marina e eu nos refugiamos na Serra Gaúcha. Embarquei apreensivo em Congonhas. Temia encontrar a multidão de dois anos atrás em Búzios. No aeroporto de Porto Alegre, a fila para a van da locadora de carros reforçou a apreensão.
Almoçamos numa churrascaria de beira de estrada em Novo Hamburgo que nos serviu, com gentileza, o sagu de vinho com creme de baunilha e a ambrosia da infância. O Waze nos levou por estradinhas ensolaradas cortando parreirais até a vinícola Miolo em Bento Gonçalves. Famílias e namorados tomando vinho branco sobre toalhas no gramado me lembraram os wine gardens da Califórnia. As visitas guiadas já haviam esgotado. Comprei o Pinot Noir para o jantar no hotel em Farroupilha no restaurante com ar de cave.
Pela manhã caminhei numa estrada de terra. O cascalho chiava sob o tênis e casas de madeira coloridas, latidos, grunhidos, hortas verdinhas, cacarejos, gorjeios, parabólicas, carros velhos e murmúrio de arroio escorrendo no pinhal entremeavam meus devaneios.
Na saída do hotel comentei com o recepcionista o contraste entre a crise e o movimento de turistas. O rapaz disse que em Caxias do Sul, famosa pela indústria, fábricas fecharam e o desemprego disparou; e que ele mesmo, com a mulher professora, casa própria e roça, precisava escolher entre pôr gasolina ou comprar comida - concluiu constrangido.
A ida a Salton em Bento surpreendeu. O guia jovem e bem preparado contou a história centenária da vinícola, ilustrada pelos murais de Cristiano Fabris, artista da vizinha Guaporé. Do passadiço contemplamos os enormes tanques de inox para fermentar a uva e a seção de envase. Descobri, só após três anos de namoro, que Marina - neta, filha e irmã de engenheiros - é fascinada por linhas de produção, de automóveis a lápis de cor.
A pizza do jantar de sexta em Canela marcou o reencontro com um amigo - jornalista veterano, agora pesquisador - e a mulher. O engarrafamento na manhã de sábado impediu a visita à Cascata do Caracol. Hortênsias e azaléias no caminho compensaram a vista. Vagueamos por Gramado que reservava, num barzinho alemoado, a surpresa da Bagual - uma brown ale leve e frutada da cervejaria local Rasen, comemorativa da Revolução Farroupilha festejada em setembro. Rasen, aprendi, é gramado em alemão; bagual, gauchismo para cavalo, pessoa rude, amigo e delícia.
No domingo da volta, desconectado, nem vi que na mesma Porto Alegre onde almoçamos na Di Paolo a versão industrial do frango com polenta da colônia italiana, a milícia do MBL afrontava o Santander na exposição queermuseu - primeiro dos atentados culturais que explodiriam nos dias seguintes na Pátria amada. Idolatrada? Salve, salve.
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