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Reencontro

Para Álvaro e nossa turma

Até onde sei|Octavio Tostes

Álvaro e sua fantasia-instalação em um carnaval entre o fim dos anos 70 e início dos 80
Álvaro e sua fantasia-instalação em um carnaval entre o fim dos anos 70 e início dos 80

“O Reencontro” é o título em português do filme “The Big Chill”, que vi há muito tempo e nunca mais esqueci. Conta o encontro de oito amigos no enterro de um deles, que se suicidara. No fim de semana que passam juntos, os personagens de Glenn Close, Kevin Kline, Tom Berenger, William Hurt e outros encaram o calafrio provocado pelo ato do antigo colega; e confrontam os ideais que tiveram nos anos 60 de marijuana e sonhos estudantis com a realidade de suas vidas yuppies na década de 80 de cocaine, conquistas e fracassos profissionais.

A história me tocou porque tenho uma turma de amigos da faculdade. No final dos anos 70 nos animava a esperança de derrotada a ditadura, construir um Brasil menos injusto. E temos também nosso morto. “O Reencontro” me lembrou Álvaro, o Alvinho, primeiro a partir.

Na manhã de um sábado de plantão na “Rádio JB”, Ana, uma de nossas amigas, ligou para a 12a. DP em Copabacana. O policial deu a notícia: “teve um aí que pelo jeito ficou doidão, pensou que era passarinho e caiu do oitavo andar”. Era ele e nunca soubemos se o empurraram, escorregou ou resolveu voar.

Alvinho era o mais descolado de nós. Fazia publicidade e cartuns. Circulava entre os militantes do movimento estudantil, os doidões e os caretas cdfs com o mesmo sorriso de menino, traço da dentuça discreta. Entraram para nossa memória afetiva um passaralho gravado no tampo de uma carteira. Uma caricatura de mim com uma sacola de papel da “Casas da Banha”, a marca adulterada com malícia.


E aquela fantasia. Num carnaval no sítio, alguém anunciou em off: “E Deus disse…”. Álvaro surgiu na varanda vestido de caixa de fósforos, deu um salto, riscou o palito, caiu com leveza de acrobata e, a chama entre os dedos, concluiu:

- Fiat Lux!


Guardo dele o brilho e a simpatia.

Reencontrei-o, surpreso, faz dois meses. Sentado em minha cama, estendi a mão e peguei na estante o “Elenco de Cronistas Modernos”. Não lembrava de quando vinha, achava que era do ginásio. “Ao Octavio, grande amigo (que no momento diminui a olhos vistos), com a estima e a consideração do Alvinho: de Miracema para O Globo”. Ao lado da assinatura dos cartuns, a data: 9/7/83. (Nessa época eu fazia macrobiótica e emagrecia).

Álvaro me deu o tesouro de 70 crônicas de Carlos Drummond de Andrade, Clarice Lispector, Fernando Sabino, Manuel Bandeira, Paulo Mendes Campos, Rachel de Queiroz e Rubem Braga. Leio-as pela primeira vez uma por manhã para não acabar logo. E como aprendo. Me pergunto o que o levou a escolher o presente. Viajo na ideia de alguma premonição de mim cronista. Talvez não. O certo é que mais de 30 anos depois, e por um destes mistérios, meu amigo e os sete mestres ali reunidos se fazem luz novamente.

Os textos aqui publicados não refletem necessariamente a opinião do Grupo Record.

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