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Sobre o que não se explica

Até onde sei|Carmen Farão

Imaginar o impacto quando lhe contei, exercício dolorido mas necessário para compreendê-la. É preciso compreendê-las. A elas todas. Quase oitenta anos, problemas relativos, costumes. O tempo dela tinha sido ela até aquele dia. O que tinha visto e vivido e sofrido e perdido e ganhado. Tento sentir a velocidade que o sangue lhe percorreu o corpo disparando seu coração, enrubescendo suas faces. O silêncio no outro lado da linha. Alguns segundos. Parece que a vejo engolindo seco, baixando o queijo e arregalando os olhos que logo se fechariam apertados num longo esforço de autocontrole. Penso coisas agora que não pensava antes. Ela me comove mais. Tenho mais tempo para comoção.

São meus olhos que marejam nesse momento pensando nela. No desespero iniciado que logo contive: "preciso de você forte! preciso de você de qualquer jeito, menos assim!". A voz voltando ao tom que invocando o amor de deus, o céu e a dor tremia em sua resposta: "ai... ai, minha filha..."

Eu, etérea. Lágrimas e silêncio. "eu sei, mãe. eu sei...". "vai dar tudo certo, vai ficar tudo bem".

Tudo o que tínhamos naquele momento era dor, dúvidas e aquele sentimento inexplicável entre quem concebeu e sua a cria. O amor nascido entre veias, músculos, sangue, tomando espaços por entre os ossos, fossos e carnes na fome de ser. Mãe e filha. Éramos um tudo e um nada. Uma gota, um mar. Foram segundos. Segundos numa conexão inexplicável. Sem idioma, outra dimensão. Sem níveis, livros, letras, vírgulas, vocabulário, exemplos. Sequer comparações entre as vidas vividas. Não tinha importância. Nada era mais importante do que aceitar o que não sabíamos como viria. Hoje revi velhas fotos de festas e comemorações. Identifiquei o mesmo olhar em situações diversas. Para quem olhava ao telefone? Seria o mesmo olhar, outro aspecto?


“Ai... ai, minha filha...!”

Aquele amor que não se explica. Tente e não conseguirá.


“Eu sei, mãe. Vai ficar tudo bem”

Anos se passaram e seguimos. Bem e felizes. Esses segundos, esses estranhos e inexplicáveis segundos jamais serão esquecidos. Talvez tenhamos experimentado o amor puro, reconectando-nos em seu ventre ou simplesmente compreendido o que é amar.

Os textos aqui publicados não refletem necessariamente a opinião do Grupo Record.

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