‘A Semente do Fruto Sagrado’ retrata o que significa querer liberdade no Irã atual
Representante da Alemanha no Oscar 2025 concorre com o brasileiro ‘Ainda Estou Aqui’
Cine R7|Larissa Yafusso
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Os bastidores de A Semente do Fruto Sagrado são tão fortes quanto a história contada no filme. O diretor iraniano Mohammad Rasoulof precisou fugir do país após ser condenado a oito anos de prisão, e chibatadas, logo depois de ter terminado as filmagens do longa. O delito: intenção de cometer crimes contra a segurança do país. Isso se traduz por criticar o regime político iraniano, nas mãos dos aiatolás desde a revolução de 1979.
Rasoulof já havia cumprido prisão domiciliar anteriormente e também já tinha passado alguns meses na prisão. E lá ouviu sobre o movimento Mulheres, Vida, Liberdade, criado após o assassinato de uma jovem presa por não usar corretamente o hijab (o véu islâmico que deve cobrir a cabeça e o pescoço das mulheres).
Esse é o pano de fundo do filme, que se passa no contexto das manifestações que inflamaram o Irã em 2022. Iman (Missagh Zareh) acaba de ser promovido a investigador, o que no sistema judiciário iraniano significa que ele está muito próximo de se tornar juiz.
Esse é o sonho. Mas isso também significa risco para ele e a família, já que, segundo o próprio personagem, alguém que perdeu alguma ação pode achar que foi injustiçado e se vingar. Por isso, Iman recebe uma arma para se proteger.
Em um primeiro momento, esse é apenas um ponto incômodo; o que a esposa Najmeh (Soheila Golestani) e as filhas Rezvan (Mahsa Rostami) e Sana (Setareh Maleki) mais querem é uma casa mais confortável com um quarto a mais, para que as meninas não precisem mais dividir o aposento, uma lava-louças.
A promoção de Iman é a promessa de que tudo isso pode virar realidade. Mas os protestos explodem nas ruas do Irã, e o que parecia uma realidade relativamente distante dessa família acaba sendo a faísca que vai detonar as relações de todos.
As garotas, que já têm o discernimento de enxergar e entender a realidade limitada do que é ser mulher no Irã, começam a reavaliar o modo como vivem e também a visão de mundo dos pais.
E como não se questionar quando o próprio pai trabalha dentro do regime? Mas, num primeiro momento, Iman não é um vilão. Ele é apenas um homem que quer fazer a coisa certa, que acredita na justiça, que ama sua nação e quer dar o melhor para sua família.
Até esse momento, A Semente do Fruto Sagrado é um drama, recheado de imagens reais das manifestações e da violência usada para reprimir aqueles que pediam por justiça pela morte de uma jovem mulher cujo crime foi não cobrir inteiramente os cabelos.
E até aqui, o filme parece ser um grande, e longo, retrato sobre esse momento atual da história iraniana. O ponto de virada é quando o revólver, aquele objeto que apenas causava incomodo e representava segurança, desaparece dentro da casa da família.
A partir daí, Rasoulof tece um suspense apoiado no ‘who dunnit’, nesse caso, quem pegou a arma. Assistindo ao filme com atenção, não é difícil chegar a uma conclusão. Então, nesse quesito, o mistério não é muito eficiente.
Porém, ele tem um papel crucial para mostrar a espiral de loucura em que Iman entra, e arrasta sua esposa e filhas com ele. Um homem que, na maior parte do filme, nunca levantou a voz para ninguém e sempre pareceu ser um pai e marido compreensivo, tão vítima de um sistema opressor quanto as mulheres de sua vida.
A Semente do Fruto Sagrado é um filme sobre liberdade, ou a falta dela, nos mais diversos sentidos e significados: ser um funcionário da Guarda Revolucionária significa mais autonomia? O que significa ser livre para uma mulher iraniana? O que é exatamente liberdade em um país em que toda e qualquer notícia sobre o governo é filtrada? E as famílias conseguem ser livres o suficiente para entender como estão vivendo?
Uma obra com uma temática tão política em um país em que é perigoso questionar o regime vigente, ficou claro que Mohammad Rasoulof não poderia mais ficar no Irã. O filme precisou ser finalizado na Alemanha, daí ser representante da nação europeia nas premiações.
E sorte a nossa que Rasoulof teve a coragem de se incomodar e fazer algo a respeito, assim como tantos outros cineastas iranianos. Independentemente de qualquer falha em qualquer aspecto que o longa possa ter, A Semente do Fruto Sagrado é um filme poderoso, difícil de assistir, e extremamente importante para dar voz a muitos que foram brutalmente silenciados ao longo de tantos anos de opressão.
A violência contra manifestantes em países como o Irã não é novidade, e por vezes são denunciados pela mídia internacional. Mas o cinema enquanto documento histórico ajuda a eternizar a história de um povo e suas lutas.
Assim, Mohammad Rasoulof fez seu papel em deixar para posteridade mais um capítulo do embate contra a tirania do governo iraniano. E o fez muito bem, diga-se de passagem. Nosso Ainda Estou Aqui tem um concorrente de peso na disputa pelo Oscar de Melhor Filme Internacional no próximo domingo (2).