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'Cuidadores adoecem junto': autora faz as pazes com a morte ao narrar os últimos 12 anos da vida dos pais

No recém-lançado 'Uma Casa que Não Pode Cair', Júlia Jalbut fala dos desafios, mas também dá dicas valiosas

Estante da Vivi|Vivian Masutti, do R7 e Vivian Masutti


Júlia Jalbut, autora de 'Uma Casa que Não Pode Cair' (R$ 61,90; 256 págs.), da editora Planeta
Júlia Jalbut, autora de 'Uma Casa que Não Pode Cair' (R$ 61,90; 256 págs.), da editora Planeta

Filha única, Júlia Jalbut viu seu mundo mudar quando, aos 22 anos, seu pai foi internado por problemas cardíacos e, um ano depois, a mãe descobriu um câncer.

Logo ela assumiu as rédeas dos tratamentos dos dois e acompanhou, por 12 anos, o fim da vida deles: experiência que ela narra no recém-lançado Uma Casa que Não Pode Cair. 

No livro, ela fala das questões emocionais que enfrentou, mas também de adversidades práticas, como falhas médicas e brigas burocráticas com o convênio médico, além de tratar da importância dos cuidados paliativos.

Também dá dicas de outras obras sobre o assunto, como O Ano do Pensamento Mágico, de Joan Didion, no qual a autora americana narra o ano que se seguiu à morte do marido e a doença da filha.

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Veja os principais trechos da entrevista com Julia abaixo:

Seu livro fala sobre a experiência de acompanhar seus pais ao longo de 12 anos, do adoecimento ao fim da vida deles. Por que é tão difícil falar sobre morte e doença? E por que precisamos, ou deveríamos, falar sobre isso?

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Não é fácil mesmo e foi justamente isso o que me levou a escrever o livro. Quando tudo aconteceu, parecia que eu estava num território desconhecido, sem ninguém disposto a falar sobre o assunto. E, quando algo é desconhecido, praticamente proibido, é muito assustador. A morte e a doença nos põem em contato com o fato de que somos humanos. Reconhecemos que somos finitos, que a vida não está sob nosso controle. Pode parecer paradoxal, mas a chegada da doença pode nos conectar ainda mais com a vida. Saber que o tempo que temos é limitado nos faz olhar para nossos valores e o que realmente faz sentido para nós. Pode ser um grande despertar. É por isso que vale a pena falar sobre esses temas e ler sobre eles, por mais difícil que seja. Todos nós vamos passar por experiências semelhantes e, quanto mais a gente fala, mais a gente naturaliza um processo que cedo ou tarde vai acontecer.

Apesar da temática, você conseguiu construir um texto leve, que não deixa o leitor triste no final. Muito pelo contrário. Como foi o seu processo de escrita de Uma Casa que Não Pode Cair?

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Minha história começou quando eu tinha 22 anos. Naquela época, era ainda mais tabu falar sobre morte. Precisei correr atrás de informação e vi que, por mais que seja uma experiência solitária, há muitas pessoas que podem nos apoiar. Nunca tinha cogitado escrever um livro, mas a possibilidade de contribuir para que outras pessoas passem por isso com mais acolhimento e suporte me impulsionou. O processo de escrita em si durou mais de dois anos. Foi o tempo necessário para definir quais experiências eram mais relevantes na minha história e quais especialistas e obras incluir. 

Como têm sido suas conexões com outros autores que também abordam os temas de adoecimento, cuidado e luto?

Muitos autores me inspiraram durante a experiência que eu vivi e também durante o processo de escrita. Foi importante ler outras histórias, mesmo quando eram muito diferentes e distantes da minha realidade. Os livros me ajudaram a nomear e a validar muito do que eu estava sentindo. Ao final de cada um dos capítulos, recomendo cerca de cinco outros livros que podem ser fonte de inspiração e aprofundamento. Para citar alguns deles: O Ano do Pensamento Mágico, de Joan Didion, Uma Questão de Vida e Morte, de Irvin Yalom e Marilyn Yalom, Um Coração sem Medo, de Thupten Jimpa, e Presente no Morrer, de Joan Halifax. É muito bom ver que outras pessoas têm abordado temas como a finitude e o adoecimento tanto na não ficção quanto na literatura e na poesia.

Essa experiência em família acabou levando você a se especializar em cuidado, um assunto cada vez mais frequente — até mesmo na última redação de Enem. O que você acha importante frisar sobre o cuidado?

Gosto muito de uma frase do Leonardo Boff que diz que “somos todos filhos e filhas do cuidado”. Cuidar é intrínseco ao humano. Além da necessidade de receber cuidado ao longo da vida, também seremos convocados a cuidar de muitas pessoas e coisas. O que não significa que é fácil. Cuidar desperta sentimentos ambivalentes, nem sempre tão bem-vistos. Envolve, sim, afeto e dedicação, mas também cabem exaustão, raiva e desconexão. Tem se falado muito mais do cuidado na esfera da maternidade, mas cuidar de alguém doente pode ser ainda mais pesado. É menos previsível, não sabemos quanto tempo vai durar, não tem a mesma gratificação. E é uma realidade que tende a aumentar porque estamos envelhecendo mais, e estamos vivendo por mais tempo com doenças crônicas ou ameaçadoras da vida. A sociedade já se estruturou minimamente para apoiar pais de crianças, mas e para apoiar pessoas doentes e quem está ao lado delas? Já temos dados sobre o impacto da função na vida dos cuidadores familiares, como, por exemplo, o fato de que muitos adoecem por excesso de estresse e falta de apoio e atenção à própria saúde. O papel de quem cuida tende a ser invisível para a sociedade e, muitas vezes, para o próprio cuidador. O resultado é que quem está ao lado de alguém doente se sente solitário, sobrecarregado e tem dificuldade em reconhecer que muitos dos sintomas que apresenta, como irritabilidade, alterações no sono e isolamento social, têm relação com a função que assumiram. É grande o número de cuidadores que adoecem junto daqueles de quem cuidam. Precisamos olhar para isso.

Se alguém com um pai, uma mãe, um cônjuge ou um filho gravemente doente pedisse cinco conselhos essenciais, o que você diria?

Não chamaria de conselhos, mas posso resumir cinco aprendizados que foram muito valiosos para mim. Primeiro, o reconhecimento de que a experiência de cuidar gera impactos importantes em todos os envolvidos. Muda rotinas, perspectivas, emoções, finanças. E tudo isso precisa ser visto, reconhecido, administrado e cuidado. Segundo, eu reforçaria que há muitas curas para além da eliminação da doença. Há relações a serem restauradas? Há emoções e sentimentos a serem acolhidos? Em terceiro lugar eu diria que ninguém precisa morrer para o luto acontecer. Com a doença vem a consciência de muitas perdas e nomear isso de luto pode ser de grande valia. Em quarto lugar, destacaria a invisibilidade e a solidão do lugar do cuidador. Falar sobre isso, buscar apoio e criar comunidades de cuidado pode ser interessante. Por fim, mas não menos importante, eu diria que cuidar de si é, também, cuidar do outro. Cuidar pode ser uma experiência transformadora, que nos faz mais humanos, mais inteiros. 

Os textos aqui publicados não refletem necessariamente a opinião do Grupo Record.

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