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Estante da Vivi

De mulher-troféu a bebê reborn, Marcela Ceribelli expõe cultura da exaustão feminina: ‘Talvez as histéricas tenham sido lúcidas’

Em novo livro, ‘Sintomas’, criadora da plataforma Obvious reflete acerca do amor romântico e suas implicações

Estante da Vivi|Vivian MasuttiOpens in new window

Marcela Ceribelli com seu primeiro livro, 'Aurora' Reprodução/Instagram @marcelaceribelli

Se em seu primeiro livro, Aurora: O Despertar da Mulher Exausta (Harper Collins), Marcela Ceribelli, 34 anos, criadora da plataforma Obvious (famosa principalmente pelo podcast de mesmo nome), colocava-se no papel de fio-condutor dos relatos de diferentes mulheres, agora no recém-lançado Sintomas - E o que Mais Aprendi Quando o Amor me Decepcionou, a escritora é o papel central.

“Saio bastante da minha zona de conforto para me colocar como exemplo e mostrar como uma pessoa que sempre foi tão romântica, que acreditou tanto no amor, passou por esses percalços pelos quais tantas de nós passamos. Mas decidi que não é só comigo. Está acontecendo com muitas de nós”, contou Marcela, em bate-papo com o R7 na Bienal do Livro do Rio.

RESUMO DA NOTÍCIA

  • Marcela Ceribelli lança o livro "Sintomas", abordando experiências femininas no amor e suas implicações.
  • A autora destaca a exaustão das mulheres e a cultura de espera em relacionamentos, levando a reflexões sobre o amor romântico.
  • Marcela discute o gaslighting e as pequenas violências cotidianas enfrentadas por mulheres, incluindo a crítica à maternidade idealizada e a desvalorização feminina.
  • O livro visa promover questionamentos sobre expectativas de amor e a luta por relacionamentos mais saudáveis e igualitários.

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Na conversa, ela falou ainda sobre a onda dos bebês reborn, do assédio no mercado de trabalho, da exaustiva cultura da espera e do cuidado, do descrédito feminino e, principalmente, das pequenas violências que as mulheres enfrentam todos os dias.

“Não tem uma mulher que vem falar comigo que não tenha sido vítima de gaslighting, que é a coisa de o homem dizer que você está louca, que está vendo coisa. É a atitude de fazer com que a gente se sinta menor dentro da relação. Porque é como o outro cresce. Ele que ter certeza de que a gente não vai embora. E, quando a gente diz que vai, de repente, somos maravilhosas.”


Capa do livro 'Sintomas' (R$ 59,90; 224 págs., Harper Collins) Divulgação

R7 Entrevista - Sintomas tem soluções para as questões femininas?

Marcela Ceribelli - Nenhuma solução. 100% perguntas. Na verdade, é uma troca de perguntas. Primeiro, porque eu jamais me colocaria no lugar de ter uma resposta só sobre o amor, ainda mais sobre o amor romântico. Porque acho que tem diversos caminhos que a gente pode percorrer. E faz parte do meu trabalho, né? Essa minha curiosidade, essa investigação, trazer diferentes pontos de vistas.


Então, em um dado momento, eu trago [a americana] Bell Hooks [1952-2021], que tem uma visão desse amor como coletivo e pode falar sobre como a gente tá desistindo fácil desses amores. Mas eu a coloco junto com a Eva Illouz, que é uma socióloga [israelense] que vai dizer exatamente o contrário: que o capitalismo destruiu a nossa visão de amor romântico e que hoje jamais teremos o que a gente espera.

Então, as leitoras podem escolher no que faz sentido para elas e, acima de tudo, podem se perguntar: ‘Será que o amor a que eu aspiro eu deveria aspirar? Será que isso é realmente amor ou é sintoma de uma outra coisa?


R7 - Acho que, na medida em que a gente vai vendo que as pessoas têm as mesmas questões que a gente, acabamos nos sentindo acolhidas, de uma certa forma, né?

Marcela - Essa é um pouco a função da não ficção: trazer reconhecimento. Quando você se reconhece na ficção, talvez você não se sinta exatamente acolhida. Eu amo ficção. Mas na não ficção você se doa ao outro para dizer: ‘Ó, eu passei por isso’. Não à toa, sou muito admiradora de autoras como Rosa Montero e Joan Didion [1934-2021], muito generosas e corajosas.

Na não ficção você se doa ao outro para dizer: ‘Ó, eu passei por isso’

(Marcela Ceribelli)

R7 - No que você acha que o livro mais difere do seu trabalho no podcast?

Marcela - Excelente pergunta. No podcast, sou muito mais um fio-condutor dessas conversas. Estou no papel de escuta, talvez mais dentro da minha zona de conforto. E isso ocorre em Aurora em muitos momentos. O que não faz disso um livro inferior, muito pelo contrário. É uma primeira jornada minha como escritora.

Em Sintomas, eu saio bastante da minha zona de conforto para me colocar como exemplo e mostrar como uma pessoa que sempre foi tão romântica, que acreditou tanto no amor, passou por esses percalços pelos quais tantas de nós passamos. Mas decidi que não é só comigo. Está acontecendo com muitas de nós.

Quando a gente leva para o pessoal, a gente vai querer soluções pessoais. Quando a gente vê que é estrutural, aí a gente tem transformações muito maiores para acontecer.

R7 - Acha que as mulheres aparecem mais cansadas e doentes em Aurora ou em Sintomas?

Marcela - Quando eu comecei a investigação sobre exaustão, percebi que tem ali algo que passa pelo amor. Porque a exaustão em Aurora passa por essa função de cuidado. Tem uma entrevista da [escritora nigeriana] Chimamanda em que ela fala que, na Nigéria, quando as mulheres se casam, dizem-lhes que acabaram de ganhar um filho — porque chegou a hora de cuidar do parceiro. Mas eu falo também. E a gente está no Rio de Janeiro.

Aí, quando você entra na relação, não só você tem que cuidar do outro, como tem que cuidar da relação. Pega as revistas de meninas dos anos 1980, 1990. A história é assim: como você vai fazer o seu relacionamento ser feliz? Tipo revista Nova.

Mas a revista mais legal de ler era a Playboy, né?

Marcela - Era sensacional. Tinha umas piadas boas, era inteligente. E aí deram o quê para a gente? Amor é assunto de mulher. Você vai desde o início da sua existência falar sobre amor, debater sobre amor, imaginar o amor, né? A coisa de brincar de boneca e aí imaginar essas tramas.

Ao mesmo tempo, existe uma certa falha na masculinidade quando se fala de amor. Eu faço um paralelo com a estrutura da festa de casamento, né? Aquela coisa de despedida do solteiro. Aquela coisa de ser a última chance, porque o homem vai ser aprisionado, enquanto a mulher, é o sonho da vida dela.

Ela conseguiu aquilo que talvez seja a maior conquista feminina. E o homem, ele vai olhar para tudo que ele está perdendo.

R7 - E aí o pessoal faz chacota com as mulheres que têm bebês reborn.

Marcela - Olha, eu tenho uma questão muito séria com isso. Dá para olhar com um olhar crítico. Vejo muitos homens que passam horas atirando na cabeça, né? Naqueles jogos, passam o dia inteiro matando gente. E está tudo bem. Mas a mulher brincar de cuidar, aí ela é uma doente mental. É muito fácil transformar a gente em louca. Essa que é a verdade.

Vejo muitos homens que passam horas atirando na cabeça, né? Naqueles jogos, passam o dia inteiro matando gente. E está tudo bem. Mas a mulher brincar de cuidar, aí ela é uma doente mental. É muito fácil transformar a gente em louca. Essa que é a verdade

(Marcela Ceribelli)

R7 - Você acha que a gente já estava doente, louca e cansada antes ou, na verdade, a gente só notou agora que sempre estivémos assim?

Imagina, a gente sempre esteve. É só olhar para gerações anteriores. Nosso sofrimento foi muito patologizado. Em muitos momentos, as mulheres foram medicadas. A depressão feminina foi vista como frescura, falta de amor próprio.

R7 - E qual é o ponto final?

Marcela - O ponto final é a gente falar que não: eu não preciso de um relacionamento. Mas a gente sabe que o amor é uma das coisas mais legais, mais bonitas. Não é rejeitar o amor. É, na verdade, lutar e trabalhar por um amor melhor. E isso vale para o amor entre mulheres e de mulheres que se relacionam com homens.

R7 - Acho que tem a ver com o novo livro da Chimamanda, A Contagem dos Sonhos.

Marcela - Sim, tem tudo a ver. Aquele momento em que ele [personagem] desaparece, em ele demora para voltar, tem tudo a ver com a cultura da espera. Que é um pouco do que eu elaboro na parte dois do livro. De como a gente foi treinada para assumir essa posição meio passiva do amor. De esperar até que o outro esteja pronto, esperar para que chegue um pedido de casamento. Esperar que o outro mude, esperar que a relação seja melhor. A gente é muito pouco protagonista das nossas vidas amorosas.

E as mulheres que foram minimamente protagonistas das suas vidas amorosas muitas vezes foram tachadas como vilãs. Talvez as histéricas tenham sido lúcidas.

Uma coisa que eu fiz muita questão foi de analisar as novelas, né? Uma das principais coisas que as novelas nos ensinaram foi a odiar a mulher do nosso lado. Aquela coisa de ‘ele precisa me preferir e não essa outra’. Eu não acho que a gente chegou a um momento de total lucidez.

Tenho uma equipe muito jovem no Obvious. Elas me trazem muita coisa e eu fico cada vez mais apavorada. É uma desvalorização de tudo aquilo para que a gente lutou. Agora tem essa trend de ser esposa-troféu.

R7 - Você lançou Aurora também em Portugal também, né?

Marcela - As mulheres portuguesas sempre me disseram que Portugal precisava mais de mim do que o Brasil. Assim: ‘Abandona o Brasil e vem para cá, porque a gente está muito mais atrasada’. E eu espero muito também ter a chance de lançar Sintomas lá. Porque tem uma grande aproximação entre as duas culturas.

R7 - De qual violência diária as mulheres mais reclamam para você?

Marcela - É impressionante a quantidade de mulheres que vêm de mercados predominantemente masculinos e dizem que finalmente entenderam o que o chefe faz com elas, o que que o colega de trabalho faz com elas. Coisas que elas achavam que era pessoal, mas agora entendem que tem um patriarcado em ação.

Não tem uma mulher que vem falar comigo que não tenha sido vítima de gaslighting, que é a coisa de o homem dizer que você está louca, que está vendo coisa. É a atitude de fazer com que a gente se sinta menor dentro da relação. Porque é como o outro cresce. Ele que ter certeza de que a gente não vai embora. E, quando a gente diz que vai, de repente, somos maravilhosas.

Não tem uma mulher que vem falar comigo que não tenha sido vítima de gaslighting, que é a coisa de o homem dizer que você está louca, que está vendo coisa. É a atitude de fazer com que a gente se sinta menor dentro da relação. Porque é como o outro cresce

(Marcela Ceribelli)

R7 - Mas você citou primeiro o trabalho.

Marcela - Muitas mulheres no mercado de tecnologia, por exemplo, dizem ser as únicas em uma sala com 80 homens, como se estivéssemos em 1930. Claro que na comunicação também já passei por coisas horrorosas. Um homem já passou a mão na minha perna em uma reunião.

R7 - Você já teve um dia de branco no Obvious?

Marcela - Ah, milhões de vezes. Eu vou para o meu grupo de WhatsApp e pergunto aos meus amigos: e aí? De que vocês estão sofrendo? E também dentro da redação, ali com as com as roteiristas que trabalham comigo. E tem sempre alguma coisa acontecendo. Ver o que está doendo nas mulheres ao meu redor é sempre o mais assertivo.

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Os textos aqui publicados não refletem necessariamente a opinião do Grupo Record.

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