Em 2006, coube a esta que vos fala a 'urubuzesca' missão de repercutir (em um jornal) a morte de um grande nome do meio artístico: Gianfrancesco Guarnieri.
Lembro que telefonei para medalhões como Fernanda Montenegro, Eva Wilma, Gilberto Braga, Fagundes, Zé Celso Martinez, Fernando Meirelles... Mas um telefonema em especial me levou às lágrimas... A pedido de Fernanda Montenegro, liguei para Nicette Bruno.
Lembro que dona Fernanda, logo após dar um depoimento emocionado sobre Guarnieri sugeriu : "Liga para a Nicette. Ela tem lindas histórias com ele."
Confesso que com tantos nomes para eu acionar, e na correria do fechamento do jornal, não havia pensado em Nicette para a repercussão. Mas resolvi ligar. Quem sabe não rendia uma 'frase' de impacto, não é? Quem sabe ela não me contava algo curioso sobre vida do Guarnieri?
Liguei para Nicette, na casa dela, e a atriz gentilmente me pediu alguns minutos. Disse que me ligaria de volta, assim que parasse 'de chorar'.
E assim foi. Minutos depois, aquela voz tranquila me retornou no meu ramal no jornal, disposta a falar sobre o amigo que acabara de partir.
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Nicette e Guarnieri eram grandes nomes do teatro e brilharam juntos em uma das versões de sucesso da novela "Éramos Seis', em 1977.
Mal sabia eu o que me aguardava. Nicette não falou do trabalho ao lado de Guarnieri, nem ficou lamentando a perda do talentoso amigo. Não enalteceu as notórias qualidades profissionais do morto, nem citou as obras geniais dele.
Nicette pediu 'licença' para não falar do Guarnieri 'ator', nem do 'diretor', muito menos do Guarnieri 'autor'. Disse que o assunto era o 'ser humano'.
Contou dos tempos difíceis do teatro, da ditadura, em que Gianfrancesco dividia o pouco que tinha com os amigos, como ela, Fernanda Montenegro, e a filharada delas. Que a casa dele era onde os 'atores' , 'autores' e profissionais desempregados do tablado ficavam até 'terem para onde ir'.
Revelou que Guarnieri alimentou 'família inteiras' de artistas, comprou remédios para quem precisava, ajudou gente no exílio, empregou quem pode, e que se preocupava com cada um como se fosse um 'filho' dele.
"O almoço na casa dele era para quantos estivessem com fome naquele dia...Quando você divide isso, nada é superior, entende?", explicou ela. "Nenhuma obra, prêmio ou reconhecimento é maior que o coração dele!", enfatizou.
Nos emocionamos no meio da conversa. Ela chorou. Eu chorei junto. Nicette então pediu desculpas, passou o telefone para o marido, Paulo Goulart, que se despediu dizendo que Guarnieri foi um 'grande homem'. Grande como a 'gratidão' de Nicette Bruno.