Ignorado pelo sistema, ele criou sua própria cena: a grande lição de Rica Silveira que todo músico deveria aprender
O músico e produtor, figura central do underground paulistano, conta como transformou a necessidade em um modelo de negócio e revela a mentalidade que o levou ao sucesso fora do sistema.

No início dos anos 2000, viver de música no Brasil era um sonho distante para a maioria dos jovens que empunhavam guitarras em garagens na periferia. A internet discada, usada apenas após a meia-noite, não oferecia palcos digitais, e o caminho para o sucesso parecia restrito às grandes gravadoras.
Foi nesse cenário analógico, de cartas e CDs trocados pelo correio, que um nome se tornou sinônimo de atitude e vanguarda: Rica Silveira.
Figura central na cena underground de São Paulo, Rica Silveira não esperou que as portas se abrissem. Ele as construiu. Ativo desde 1993, passou por bandas emblemáticas do punk nacional, como Calibre 12 e Gritando HC, além de manter um projeto solo de rap e ter retornado com sua banda hardcore DeCore.
Mais recentemente, integrou a gótica Das Projekt. Rica equilibra sua paixão pelos palcos com a solidez do trabalho de agitador cultural em sua produtora, a Avolar Produtora.
Em uma conversa franca e cheia de memórias, o músico e produtor revisitou sua trajetória e revelou como a necessidade o transformou em um dos mais importantes articuladores culturais de sua geração.
A Gênese de um Selo na Era Pré-Streaming
Antes de qualquer plataforma digital sonhar em existir, a divulgação musical era um trabalho artesanal. Rica Silveira sentiu na pele a dificuldade de fazer o som de sua banda, a Decore, em atividade até hoje, chegar a mais pessoas. A solução não veio de um contrato milagroso, mas de uma faísca de inspiração e muita proatividade.
Musikorama: Em uma época em que a internet era discada e quase não havia o acesso doméstico a ela, de onde veio a ideia de fundar o selo Minura Records?
Rica Silveira: A ideia veio porque a Decore, minha banda, já tinha lançado duas demos, mas eu queria algo a mais. Chegou na minha mão uma coletânea do selo Reação Records, que era administrado pelo Marcelo Verardi (ex-Dance of Days). Vendo aquele CD original, prensado, liguei para ele — no telefone fixo mesmo — e perguntei como montar um selo. Ele me deu umas direções e então abri a Minura Records. Anunciei sobre o selo em sites como Zona Punk e Punknet e daí começou.
Musikorama: E como foi para tirar o selo do papel e fazer o primeiro lançamento?
Rica Silveira: Eu coloquei no anúncio o endereço da minha casa(uma loucura, se pensar hoje) — e começou a chegar uma avalanche de demos pelo correio. Vendo a procura, organizei a primeira coletânea em um esquema “pay-to-play”: 16 bandas pagaram uma cota e receberam 50 cópias cada. Com esse valor, conseguimos prensar os CDs e espalhá-los por todo o país. Para as bandas, era uma forma eficiente de divulgar o som e ainda recuperar o investimento.
Eu sabia que nenhum selo ia lançar a minha banda. Foi esse o start.
Para as bandas que participaram daquela primeira coletânea, ter um CD profissional em mãos era um divisor de águas, aquilo lhes conferia um status de “banda de verdade” — um salto imediato em meio a uma cena recheada de CD-Rs caseiros. Mas por trás da iniciativa que mudou a vida de tantos, havia uma motivação muito pessoal e urgente.
Musikorama: Qual foi o estalo, a motivação principal que te fez pensar: “Vou montar um selo e organizar essa cena”?
Rica Silveira: A motivação inicial foi muito simples: eu sabia que nenhum selo ia lançar a minha banda [risos]. Foi esse o start. Eu estava determinado a viver de música e percebi que, para isso, precisava fazer algo para lançar a Decore no mercado, já que eu tinha clareza de que nosso caminho seria independente.
A Filosofia da Conexão em um Mundo de Egos
A atitude de Rica Silveira ia muito além da produção musical — ele criou uma filosofia de trabalho. Expressões como “nóis memo produções” e “saindo da garagem produções artísticas” viraram verdadeiros mantras entre os que se uniam a ele.
À frente da Minura Records, suas ações celebravam a autonomia, a coletividade e o “faça você mesmo”. Rica entendia que, unidos, os independentes eram mais fortes — uma visão que parece turva para muitos no cenário atual.
Musikorama: Você sempre defendeu e promoveu a união entre artistas — algo que eu também valorizo e procuro cultivar. Como você vê o desenvolvimento dessa dinâmica com o passar dos anos?
Rica Silveira: Eu sempre busquei fazer conexões. Esse é o verdadeiro espírito do underground: unir, não dividir. Hoje vejo muito ego, um querendo ser maior que o outro.
Na nossa época, o lance era a união, era trocar carta, mandar demo pelo correio. Era uma conexão real, não baseada em números de seguidores.
Esse é o verdadeiro espírito do underground: unir, não dividir. Hoje vejo muito ego.
Musikorama: Falando em números, você acha que a era digital criou uma ilusão no mercado musical?
Rica Silveira: Com certeza. Existe muita ilusão nos números. Às vezes você vê bandas com 500 mil plays que não levam ninguém a um show. E o contrário também acontece: bandas como o Dance of Days ou Dead Fish, que talvez não tenham números virtuais tão gigantescos, arrastam uma multidão para qualquer lugar. Isso tem a ver com o tipo de conexão que foi construída com o público ao longo do tempo.
Existe muita ilusão nos números. Às vezes você vê bandas com 500 mil plays que não levam ninguém a um show.
O mercado mudou, e Rica Silveira mudou com ele. O homem que um dia prensou CDs hoje domina os mecanismos de editais públicos e eventos institucionais. Sua capacidade de adaptação e sua visão de negócios, forjada na trincheira do underground, provaram ser seu maior trunfo, garantindo não apenas sua sobrevivência, mas seu sucesso no complexo ecossistema da música atual.
Musikorama: E como você tem trabalhado no mercado atual?
Rica Silveira: Hoje, o foco principal do meu trabalho está na minha produtora, a Avolar Produtora, mais até do que em tocar. Eu cuido da parte de representação jurídica dos artistas.
Para um músico tocar em eventos de prefeitura, SESC, etc., ele precisa de uma empresa. Eu faço todo esse backend, a parte burocrática que a maioria dos artistas não sabe ou não quer fazer. Eu já gosto dessa parte. [risos]
Musikorama: Então seu grande trunfo foi esse tino para o lado businessman da música?
Rica Silveira: Exatamente. Muitos músicos não têm o feeling para os negócios, e não é um defeito. O erro é querer abraçar tudo sem ter a habilidade. É melhor focar na sua arte e deixar a parte burocrática na mão de quem sabe fazer.
Muitos músicos não têm o feeling para a parte de business, eles só sabem tocar. Eu já gosto dessa parte.
Um novo patamar: O sonho que virou realidade
Mais de 30 anos depois, a jornada de Rica Silveira atinge um novo patamar de maturidade. O jovem que decidiu abandonar tudo para viver de seu som não apenas alcançou seu objetivo, como pavimentou o caminho para muitos outros.
Sua história é a prova de que a determinação, aliada a uma visão empreendedora, pode transformar a realidade.
Musikorama: Olhando para trás, para aquele jovem que começou tudo, você pode dizer que chegou lá? O plano de viver de música deu certo?
Rica Silveira: Deu certo, mano. Hoje vivo de música — e bem. Sou muito grato por tudo. Estou bem financeiramente, tenho minhas filhas e estou em paz. Continuo buscando conhecimento, fazendo cursos e tentando melhorar a cada dia, porque a gente nunca sabe tudo. Consegui.
Musikorama: Para encerrar, qual mensagem você deixa para a nova geração de artistas emergentes?
Rica Silveira: Corra atrás dos seus sonhos e não desista nunca. Respeite sua mãe, seu pai, seus filhos, seu parceiro ou parceira. Respeito a todos. Tamo junto, sucesso e um abraço forte e leal!
Rica Silveira é aula de paixão, resiliência e visão de mercado. Para compreender mais sobre sua mercadologia, assista à entrevista completa no player abaixo — e não deixe de ouvir a playlist exclusiva que preparamos no Spotify, com os sons que marcaram a carreira deste mestre da música independente. Dê o play e ouça no volume máximo!
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