Lula vai tornar o gospel patrimônio e o decreto pode gerar efeito dominó no mercado da música
O decreto reconhece o gospel como patrimônio e pode mudar patrocínio, curadoria e risco reputacional na indústria.

O presidente Luiz Inácio Lula da Silva disse que assinará na próxima terça, 22, um decreto para reconhecer o gospel como “patrimônio brasileiro”. A fala veio numa reunião ministerial e foi acompanhada de uma brincadeira com Jorge Messias, advogado-geral da União, evangélico e indicado ao STF: Lula disse que, além de ser ministro da Suprema Corte, Messias vai poder “cantar música gospel dentro do Palácio do Planalto”.
A proposta não se limitará a canções: o texto deve enquadrar o gospel como manifestação da cultura nacional, incluindo música, teatro e literatura religiosa, além de diretrizes de valorização, promoção e proteção.
Até aqui, parece “só cultura”. Mas, para a indústria musical, “patrimônio” é um sinal institucional: indica que o Estado vai dar mais visibilidade e prioridade cultural ao tema. E, quando esse holofote acende, mudam as escolhas de marcas, curadores, festivais, gestores públicos e investidores, num efeito dominó.
O pano de fundo: por que isso importa agora
O mercado fonográfico brasileiro está grande, digital e muito sensível a narrativas. E os números ajudam a dimensionar por quê. Segundo a UBC, o mercado nacional de música gravada cresceu 21,7% entre 2023 e 2024 e faturou R$ 3,486 bilhões em 2024, mantendo o Brasil na 9ª posição entre os maiores mercados do mundo, conforme ranking citado da IFPI. No mundo, a UBC também aponta crescimento de 4,8% e US$ 29,6 bilhões em receitas totais em 2024.
Ao mesmo tempo, o gospel não é um nicho irrelevante no streaming. A UBC registra que, em 2024, o Spotify teve alta de 46% no número de ouvintes de gospel no Brasil, e as buscas pelo gênero cresceram 93% desde 2022.
Ou seja: quando o governo coloca um carimbo de “patrimônio” sobre um segmento que já cresce dentro do streaming, ele mexe no ponto mais quente da cadeia hoje: distribuição, atenção e reputação.
Sim, tem política. E isso muda o risco do negócio
O movimento é lido como uma tentativa de aproximação com o eleitorado evangélico mirando 2026. Segundo o PoderData, o governo tem 66% de desaprovação entre evangélicos e 48% de aprovação entre católicos. Para o mercado, esse pano de fundo importa porque o ambiente público está mais sensível a leituras políticas: o mesmo selo institucional que pode destravar patrocínio também pode virar gatilho de ruído e polarização.
O que pode acontecer de bom para a música
Se o decreto for bem conduzido, ele pode acelerar três movimentos:
Primeiro: normalização institucional. Com o selo de patrimônio, o gospel tende a ganhar mais espaço em programações públicas, editais, projetos educativos e circuitos culturais. Isso não significa dinheiro automático, mas altera o critério de escolha: deixa de ser tratado como exceção e passa a entrar na prateleira de política cultural.
Segundo: profissionalização e formalização. Ao entrar no campo de política pública, o tema costuma trazer mais regras e prestação de contas. Isso eleva o padrão de produção e gestão e exige mais cuidado com direitos, especialmente em projetos públicos, audiovisuais e de licenciamento.
Terceiro: crossover comercial. O carimbo de patrimônio pode reduzir o receio de marcas que evitavam o gênero por achar “segmentado demais”. Com o streaming concentrando receita, abrir novos budgets de marketing para o segmento é uma vantagem competitiva.
O que pode acontecer de ruim para a música
O primeiro risco é o mais óbvio: politização do catálogo. A indústria pode ser pressionada a tomar posição. Isso não é bom para um ecossistema que vive de pluralidade e de longo prazo.
O segundo risco é de disputa por agenda e ressentimento setorial. Quando um gênero ganha chancela, outros segmentos podem reagir cobrando simetria e espaço. O debate cultural pode desandar para uma briga de legitimidade, e essa briga costuma desorganizar política pública e travar parcerias.
O terceiro risco é mais silencioso, a curadoria defensiva. Quando um tema vira alvo de disputa pública, alguns programadores e plataformas passam a agir no modo “brand safety”. Para evitar polêmica, colocam o gospel em espaços mais separados, como playlists, palcos e pautas específicas, em vez de misturar com a programação geral. O resultado pode ser paradoxal: cresce a força dentro da bolha, mas diminui o crossover e a descoberta fora dela.
O ponto crucial: patrimônio é título, mas também é mercado
O decreto não muda sozinho o algoritmo, nem cria por decreto um hit. Mas ele muda o ambiente em que decisões são tomadas. E hoje, com um mercado movido a streaming, a decisão mais cara não é sobre “qual música é boa”. É sobre “qual música é segura, financiável e programável”.
Lula pode estar buscando um gesto político, e é legítimo que isso seja debatido como política. A pergunta para o mercado, porém, é outra: a indústria vai usar esse momento para ampliar profissionalização, circulação e renda, ou vai transformar mais um capítulo cultural em guerra de reputação, onde ninguém monetiza em paz?
No fim, patrimônio não deveria ser bandeira. Deveria ser compromisso, com memória, diversidade e trabalho. Se virar só instrumento de disputa, o país ganha um rótulo e perde o que mais importa: uma música livre para circular.
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