Dave Grohl usa morte e tristeza para fazer de 'But Here We Are' um dos melhores discos do Foo Fighters
Álbum é o primeiro da banda após a morte do baterista Taylor Hawkins e também da mãe de Grohl
Odair Braz Jr|Do R7
Todo mundo sabe pelo que Dave Grohl, líder do Foo Fighters, passou no último ano e meio: ele encarou as mortes de sua mãe e, antes disso, do baterista Taylor Hawkins, que era companheiro de banda, mas também um grande amigo. Foi um período difícil e durante um tempo ninguém nem sabia se o FF continuaria em atividade.
Mas Dave e sua banda superaram esta fase e o que simboliza esta nova volta por cima é o álbum But Here We Are, 11º da carreira do grupo lançado há poucos dias e que já está entre os três melhores dos norte-americanos.
E ouvir o disco com atenção às letras dá até uma vontadezinha de chorar pensando em tudo o que o vocalista e guitarrista passou. Esta emoção toda vem da música, mas também do texto de Grohl, que mostra em todas as dez faixas o quão bom letrista é. Às vezes não se dá a importância devida a esta habilidade de Dave, que sempre consegue colocar uma sacadinha, uma tirada inteligente e sagaz em suas palavras.
O disco começa com Rescued, que também foi o primeiro single, e é uma canção que lembra muito o Foo Fighters das antigas, com muita guitarra pesada e a letra praticamente berrada pelo cantor. Grohl diz “veio como um clarão / veio não se sabe de onde / aconteceu rápido / e aí acabou”. Do que ele está falando? A gente só pode imaginar — porque o vocalista ainda não deu entrevista sobre o disco — mas é inevitável pensar em coisas que acontecem repentinamente e que não temos controle nenhum, como a morte, por exemplo. E ele pede para ser resgatado de algum lugar ou de alguém: “Estou esperando para ser resgatado / estamos todos esperando para sermos resgatados / para sermos resgatados esta noite / me resgate esta noite”.
A segunda música, Under You é a que mais lembra o FF dos anos 90, com aquele som colorido das guitarras, refrão pegajoso e que faz todo mundo cantar junto estourando os pulmões. E dá para afirmar com razoável certeza que esta faixa é inteiramente dedicada à relação de Dave e Hawkins. A letra chega a ser dolorida.
Estas duas canções que abrem o álbum, ao mesmo tempo em que mostram o FF pesado e guitarreiro, também dão o tom meio melancólico que passa por todas as outras músicas. Hearing Voices, por exemplo, tem violão e um teclado mais aparente, dando um ar etéreo onde Dave diz “eu te vi na lua / queria que você estivesse aqui / você prometeu falar comigo / sussurrar no meu ouvido (...) / eu tenho ouvido vozes / e nenhuma delas é você”.
O restante do álbum vai mais ou menos por esse caminho um tanto quanto reflexivo nas letras, com Grohl mostrando tudo o que o afetou neste um ano e pouco, mas sem nunca esquecer o peso em boa parte das faixas. As três guitarras da banda aparecem muito, assim como a bateria, que foi tocada por Dave em todas as canções.
Ao mesmo tempo que pesa, But Here We Are também tem momentos diferentes, e em dois deles até se aproxima do rock progressivo em canções como Show Me How (com participação no vocal de Violet Grohl, filha de Dave) e em The Teacher que, com dez minutos de duração, é a faixa mais longa já gravada pelo Foo Fighters. Aliás, esta última canção é claramente sobre Virginia, mãe do cantor, que era professora. E é daquelas coisas de cortar o coração: “Você me mostrou como respirar, nunca me mostrou como dizer adeus / você me mostrou como ser, nunca me mostrou como dizer adeus / todas as páginas viradas, são uma lição aprendida / você me ensinou como respirar, nunca me ensinou a dizer adeus”.
A boníssima Nothing at All, em alguns momentos lembra até o Nirvana, com Dave socando com gosto a bateria, berrando palavras e guitarras zumbindo sem parar.
E o que dizer de Rest, música que fecha o disco? “Você pode descansar agora/ descanse, você está seguro (a) agora / descanse, você pode descansar agora / descanse, você está seguro (a) agora”. Pra chorar.
But Here We Are, como dito acima, já entra diretamente na lista dos três melhores álbuns do Foo Fighters, principalmente porque resgata um pouco a banda pesadona e barulhenta do passado ao mesmo tempo em que traz novidades que fazem todo o sentido para o som do grupo. Dave Grohl também ganha muitos pontos aqui ao transformar a tristeza em música pesada e longe de qualquer pieguice barata que costuma afetar artistas em casos deste tipo. Dave não é panfletário, não é óbvio e junto do restante da banda consegue passar tudo isso para as canções no formato mais rock'n'roll possível. Aliás, é bom que se diga, o disco não tem músicas ruins ou fracas. Em vários álbuns do grupo é possível listar algumas — ou até várias — faixas esquecíveis que ninguém nunca mais liga e que nem a própria banda faz questão de tocar ao vivo. Não é o caso aqui. Mesmo. Dá para ouvir o disco de ponta a ponta sem pular nada. Fato raro hoje em dia.
But Here We Are, sucessor do ótimo Medicine at Midnight (de 2021), recoloca o Foo Fighters num patamar elevadíssimo no mundo do rock. Vai fazer outras bandas e artistas correrem atrás, porque não é muito comum um grupo com quase 30 anos de carreira lançar um trabalho tão bom e com tanta vitalidade como estamos vendo agora.
É dos melhores lançamentos do ano.
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