Derrota de Fernanda Torres será quase tão injusta quanto a de Fernanda Montenegro em 1999
Atriz brasileira e Ainda Estou Aqui concorrem em três categorias na cerimônia que acontece neste domingo (2) em Los Angeles
Vamos ser sinceros: todo mundo gosta da Demi Moore que, com seu carisma e simpatia, vem agradando multidões nos cinemas desde os anos 80. A atriz já esteve em produções famosíssimas como Ghost: Do Outro Lado da Vida (1990), Proposta Indecente (1993), Assédio Sexual (1994), Striptease (1996), Até o Limite da Honra (1997) e por aí afora.
Apesar de todos estes filmes muito conhecidos e, em geral, grandes vendedores de ingressos, Demi nunca foi muito levada a sério pela Academia e nem por seus pares. Tanto é que o Globo de Ouro de Atriz Coadjuvante, que ganhou este ano, foi apenas o primeiro prêmio que recebeu ao longo de toda sua carreira.
Com razão ou não, Demi Moore sempre foi vista como uma atriz de filmes-pipoca, de blockbusters que quase nunca exigem grandes atuações. É mais ou menos o mesmo fenômeno enfrentado por Tom Cruise, que trabalha em produções milionárias, que atraem milhões de pessoas, que rendem bilheterias astronômicas, mas que também nunca lhe renderam um único Oscar. Ele já foi indicado quatro vezes, mas nunca levou uma estatueta para casa.
Mas nada disso aí em cima significa que Moore seja uma má atriz. Talvez tenha feito escolhas duvidosas, talvez tenha ido com muita vontade atrás de grandes cachês. Essas coisas acontecem. São escolhas. E há vários motivos para que a atriz tenha este tipo de avaliação de críticos e da Academia. Você, por exemplo, deve saber que o pessoal do Oscar tem uma exigência grande e os filmes protagonizados pela atriz, em geral, estão longe de agradar a esta turma.
E não ser levada a sério virou um problema para Demi. Este retrospecto fez com que sua carreira, nos últimos 15 ou 20 anos, tenha andado em marcha lentíssima, com papeis pequenos em filmes quase sempre de menor expressão. Pense aí qual foi o último longa – sem ser A Substância – que você viu com ela. As Panteras: Detonando, de 2003, talvez?
A coisa só mudou para a atriz norte-americana em 2024, com o lançamento de A Substância, produção diferente de quase tudo o que ela havia feito até então. O filme, claramente, a tirou daquele lugar em que todo mundo estava acostumado a vê-la. Deu certo.
Fato é que Demi chega como favorita à disputa do Oscar de Melhor Atriz. É o que críticos e especialistas na premiação estão dizendo nas últimas semanas. Afinal, Hollywood adora uma história de redenção, que é o que vem acontecendo com ela. É também uma oportunidade de a Academia mostrar diversidade ao premiar uma atriz que passou dos 60 anos.
Mas isso tudo aí significa o que em relação a Fernanda Torres? Ela tem chances ainda de trazer a estatueta para o Brasil?
Bem, sem nenhum tipo de patriotismo e sem querer tirar os méritos de Demi, Fernanda é uma atriz superior. É simples assim. E não superior apenas a Moore — que é considerada a principal concorrente da brasileira — mas também a dezenas de outras atrizes do mundo. Fernanda é mesmo uma profissional fora da curva, que consegue se sair extremamente bem na comédia mais rasgada e no drama mais denso possível.
Ela já provou isso em centenas de filmes, séries, programas e sua atuação em Ainda Estou Aqui vem apenas ratificar sua trajetória. É como se ela tivesse atingido seu ápice e chegasse ao ponto mais alto de uma carreira que sempre aconteceu em altíssimo nível.
É verdade que a disputa entre Fernanda e Demi é duríssima e ambas têm seus méritos, mas é muito difícil pensar na possibilidade de a brasileira ficar sem o Oscar. Será uma injustiça enorme, quase comparável à derrota de Fernanda Montenegro, em 1999, para Gwyneth Paltrow. A diferença aqui é que Moore é muito mais qualificada do que era Paltrow naquela época.
Fora todas as capacidades da atriz brasileira, ainda há de se levar em conta as produções em que as duas estão. A Substância é um bom filme, discute temas importantes, mas foi muito mais incensado do que merecia. Demi vai bem, só que não é excepcional. É possível pensar, por exemplo, em outras atrizes naquele papel. O personagem e a atuação não viram aquela coisa única, indelével.
Ainda Estou Aqui, por sua vez, também tem temas seríssimos — a ditadura militar e um drama familiar — e possui um desenvolvimento incrível. Não o considero perfeito, mas tem um conjunto fortíssimo e a atuação de Fernanda como Eunice é um fenômeno. É muito difícil de imaginar uma outra atriz em seu lugar e é um feito que será lembrado para sempre. Se Fernanda e Ainda Estou Aqui fossem americanos, levariam todos os prêmios embora.
O lance é que o que Fernanda fez é fora do comum e só engrandece a profissão.
Desculpe, Demi. A gente gosta muito de você, mas Nanda é Nanda.