Livro sobre a Marvel no Brasil mostra erros, brigas e sucesso
Livros teóricos sobre histórias em quadrinhos eram coisa rara de se ver por aqui, mas três (quase) lançamentos chamam a atenção
Odair Braz Jr|Do R7
A Marvel é hoje uma das maiores marcas do mundo do entretenimento. Comprada pela Disney, seus personagens viraram sinônimo de sucesso através de filmes superbadalados que já geraram alguns bilhões de dólares nas bilheterias. Tudo isso tem origem nas histórias em quadrinhos que surgiram lá no fim da década de 1930 nos Estados Unidos e que chegaram ao Brasil pouquíssimo tempo depois. Assim, pode não parecer, mas a turma do Capitão América e Homem de Ferro já estão por aqui há mais de 80 anos.
Esse longo caminho é totalmente dissecado no livro Marvel Comics: A Trajetória da Casa das Ideias no Brasil. Escrito por Alexandre Morgado, o livro revela a história de 80 anos de publicação dos personagens Marvel por aqui. Os super-heróis da editora americana estão por aqui desde 1940 – são 81 anos em 2021 – e em todo esse tempo sempre esteve presente, com alguns poucos meses de ausência eventual, em nossas bancas e livrarias com lançamentos feitos por diversas editoras ao longo da das décadas.
Morgado mostra a trajetória da Marvel em detalhes, praticamente ano a ano, e seu livro traz um monte de curiosidades divertidas. É possível descobrir que a Marvel já esteve em editoras – quase todas extintas – como La Selva, GEP, Novo Mundo, RGE, Bloch, Abril e passou pelas mãos de empresários famosos na imprensa brasileira como Adolfo Aizen, Assis Chateaubriand, Roberto Marinho, Victor Civita, entre outros.
Os quadrinhos, não só os da Marvel, viraram mania entre os jovens leitores brasileiros no fim dos anos 30 e início dos 40 e faziam as vendas dos jornais aumentarem consideravelmente aos domingos. Isso fez com que o material passasse a ser disputado quase que a tapa pelas editoras, daí o grande número de empresas e empresários envolvidos brigando pelas HQs. O livro de Morgado mostra muitos detalhes destas disputas e a importância que os quadrinhos foram ganhando por aqui.
Há também informações curiosas que a gente descobre em A Trajetória da Casa das Ideias. Por exemplo que as editoras não tinham muito critério para a publicação e as HQs saíram durante anos sem a continuidade correta. Todo mundo sabe que há uma sequência lógica na vida dos heróis e que, muitas vezes, o que acontece com um personagem interfere na vida de outro. Mas ninguém dava muita bola para isso lá no passado.
Um outro detalhe engraçado é que o Surfista Prateado, numa edição da Ebal nos anos 60, é chamado de Acrobata do Cosmo. Isso aconteceu porque a editora GEP também publicava material da Marvel e lançava histórias com o Surfista. Assim, a Ebal mudou o nome para tentar não causar confusão entre os leitores. Ou seja, encontraram uma saída totalmente bizarra para o problema.
Quem tem também uma história boa é a da chegada do Punho de Ferro ao Brasil. Originalmente, seu uniforme é verde e amarelo, mas as cores foram mudadas, bem como seu nome. Virou Punhos de Aço. Essas alterações foram feitas por receio dos editores de arrumar algum problema com a ditadura no Brasil, que poderia encrencar com as cores e o nome do personagem e vê-lo como um sujeito rebelde e contra o sistema.
Mas, claro, há mais um monte de informações úteis, curiosas e divertidas sobre a Marvel no Brasil. Tem de tudo: o velho jeitinho brasileiro, picaretagens, puxadas de tapete, montes de erros, montes de acertos e por aí vai. Em seu livro, Morgado mostra toda a trajetória das publicações Marvel desde 1939, passando pela fase marcante na editora Abril e chegando até os dias de hoje, quando os heróis da editora saem por aqui através da editora Panini Comics.
Marvel Comics: A Trajetória da Casa das Ideias no Brasil deve sair por volta junho/julho e está em fase final de captação de recursos. Se você quiser ajudar a financiar o livro, é só clicar aqui.
MAIS LIVROS E HQS
Um dado interessante sobre esse livro da Marvel é que é uma publicação que fala, que discorre sobre os quadrinhos no Brasil. O país tem um grande número de editoras e de publicações do gênero, apesar da crise, e centenas de HQs chegam às bancas e livrarias todos os meses. Mesmo assim, são poucos os livros teóricos que tratam sobre o assunto. Mas isso vem mudando aos poucos.
Além desse livro sobre a Marvel, saíram há pouco tempo outros dois que tratam sobre o tema. Um deles, e que tem ligação direta também com a famosa editora americana, é O Império dos Gibis, de Manoel de Souza e Maurício Muniz, lançado no segundo semestre de 2020.
Nele, o leitor entra em contato com a história dos quadrinhos publicados pela Editora Abril. É um tijolo com mais de 500 páginas que trata de tudo o que a Abril publicou em termos de HQs. Então, os autores mostram de tudo, de Pato Donald à Turma da Mônica, de Os Trapalhões à Marvel e DC.
O livro revela todas as histórias de bastidores entrevistando praticamente todos os profissionais e artistas envolvidos na produção ao longo de todas as muitas décadas em que a editora colocou centenas de milhares de HQs nas bancas brasileiras. O “império” do título do livro não é à toa. A Abril é a empresa que mais lançou e investiu em quadrinhos no país na história do mercado editorial. Hoje em dia, após uma grande crise financeira, a empresa não tem mais nenhuma publicação do gênero, o que é uma pena. Mas sua história está indelevelmente ligada aos quadrinhos e O Império dos Gibis mostra isso com uma riqueza de detalhes incrível.
Outra novidade recente nessa área de livros que falam sobre HQs saiu no início do ano e é Balões de Pensamento, de Érico Assis. O autor é um tradutor experiente de quadrinhos, além de jornalista que cobre a área. Em seu livro, Assis reúne textos que publicou em seu blog no site da editora Companhia das Letras. Há muita coisa boa para ler e aprender com os escritos de Érico, que fala sobre diversos autores e profissionais da área do Brasil e exterior como David Mazzucchelli, Chris Ware, Moebius, a letrista brasileira Lilian Mitsunaga e por aí afora. O autor também comenta sobre o mercado de HQs, explica recursos narrativos usados pelos quadrinistas, escreve sobre o leitor deste gênero, entre outros temas importantes para quem gosta e se interessa por HQs. É um bom livro para quem quer entender um pouco mais como funciona este mercado e suas ramificações.
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