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Mister Sam: “Até o porteiro quer saber se eu namorei a Gretchen”

Produtor que descobriu a rainha do rebolado é uma das estrelas de documentário e revela sua trajetória no universo pop brasileiro

Odair Braz Jr|Do R7

Mister Sam em seu apartamento, em São Paulo
Mister Sam em seu apartamento, em São Paulo

Ele mora no bairro de Pinheiros e quando chego ao seu apartamento está tocando Conga Conga, um dos clássicos do produtor que foi e é um sucesso na voz de Gretchen. Mas pede para eu prestar atenção. Logo me diz que é um cover perfeito que ele mesmo produziu, com outra cantora imitando a rainha do rebolado. “Já perdi dois comerciais porque a [gravadora] Universal cobra muito caro. Fiz essa versão nova que posso vender”. Realmente é idêntica àquela lançada no final dos anos 70 e que é um hit desde então. Esse é meio que o método de trabalho que permeou boa parte da carreira de Santiago Malnati, o famoso produtor e D.J. Mister Sam.

Sam vive no Brasil desde 1973 e veio para cá após uma grande mudança na gravadora em que trabalhava na Argentina. Com alguns bons contatos, conseguiu logo se arrumar em empresas de música por aqui. Como dá para ver, a trajetória do produtor musical no Brasil é longa e uma parte de sua história é contada agora no documentário História Secreta do Pop Brasileiro, do jornalista e cineasta André Barcinski.

Antes de chegar ao Brasil, Sam passou por um orfanato — após a morte de seu pai, quando tinha 5 anos —, ajudou a criar o rock argentino ao participar de bandas e produziu vários artistas por lá. E era isso o que ele queria ser: produtor. “Na Odeon eu fiz vários sucessos. Fiz o primeiro grupo feminino, tipo Spice Girls. E isso começou a me abrir portas. Depois fiz uma música em que vendi um milhão de cópias. Foi meu primeiro estouro, se chama Se Mete, Se Mete. Inclusive foi gravada no Brasil por um grupo chamado Os Moscas, da Jovem Guarda [sob o nome O Bicão]. Mas não fez sucesso aqui. Isso aconteceu em 1972, quando houve um grande desfalque na Odeon da Argentina. Chegou uma ordem de Londres para mandar todo mundo embora, inclusive eu”.

No Brasil, qualquer um sabe, Sam é extremamente conhecido por ser o cara que descobriu Maria Odete Brito de Miranda Marques, a Gretchen, eterna rainha do rebolado. Sam pensou em absolutamente todos os detalhes do que queria para a moça e trabalhou tudo isso para transformá-la num sucesso arrebatador no fim dos anos 70 e início dos 80. Mas a descoberta de Maria Odete foi totalmente por acaso, aleatória.

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“Eu tinha ganhado um videocassete de presente do dono da gravadora. Ninguém tinha videocassete no Brasil. Aí, estava em casa, num domingo à noite, vendo Silvio Santos e apareceu a Gretchen. A Maria Odete, cantando A Little Bit Closer [clássico da disco dos anos 70, da cantora espanhola Charo]. E eu gravei [no videocassete]. Ela cantou no Show de Calouros e quando terminou eu fiquei pensando ‘puxa vida, tem alguma coisa nisso aqui’".

"Fiz o primeiro grupo feminino%2C tipo Spice Girls [da Argentina]. E isso começou a me abrir portas"

(Mister Sam)

Sam fico impressionado com o jeito sexy da garota que completaria 19 anos no dia seguinte. Assim, o produtor ligou para seu amigo Valentino Guzzo (que foi a Vovó Mafalda do programa do Bozo), que trabalhava no SBT e conseguiu o telefone da caloura sensual. Na época, Maria Odete trabalhava como secretária numa empresa. Na segunda-feira, Sam ligou para ela, se apresentou e a chamou para ir à sua atual gravadora, a Copacabana. Ela topou, mas Sam não tinha nenhum plano para a jovem. Nada. Apenas sabia que queria fazê-la gravar alguma coisa, porque tinha a sensação “de que seria um estouro”.

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Gretchen em um de seus primeiros compactos
Gretchen em um de seus primeiros compactos

MUITAS PRODUÇÕES

Mas até chegar a este ponto de assinar contrato com aquela que viria a ser a rainha do rebolado, Mister Sam teve de trabalhar um bocado desde que chegou da Argentina. Após alguns bons trabalhos como produtor realizados em seu país de origem, Sam juntou algum dinheiro e veio para São Paulo, já indicado para algumas gravadoras. Foi contratado pela pequena Beverly (que depois virou a Copacabana), em 1973, e sua primeira missão foi acompanhar a gravação do disco de estreia do Secos & Molhados, que tem o mesmo nome da banda e que é um clássico da MPB. “Eu não fiz nada [nesse disco], só fui lá no estúdio”, diz. Em seu início de carreira por aqui, o produtor fazia traduções de músicas brasileiras para o espanhol, que eram para ser lançadas no mercado latino. “Ganhava 700 cruzeiros por semana para fazer essas traduções para a Sueli, Gilberto Reis, Paulo Sérgio. Mas eu queria mesmo era ser produtor e a Beverly estava crescendo. Tinha o Wando e fiz letras em espanhol para ele”.

Entre seus primeiros trabalhos como produtor estão discos de forró — “em que não sou creditado” — e o primeiro disco gravado ao vivo de Benito di Paula que “foi gravado ao vivo dentro do estúdio, porque a gravação na Catedral do Samba [famosa casa de shows dos anos 70, em SP] ficou horrível. Aí resolvemos fazer no estúdio, com uma claque de público de vinte pessoas e eles tocando ao vivo”.

Com esses discos de covers, que vendiam bem, Sam conseguiu abrir caminho para desenvolver coisas próprias. Já que ele estava fazendo a gravadora ganhar dinheiro, nada mais justo do que ter uma certa liberdade criar. Até porque a gravadora não deixava o produtor trabalhar com artistas já consagrados. “Mas consegui produzir o Wanderley Cardoso, que foi uma máquina de vender discos. Então, a Copacabana deu o departamento internacional para eu cuidar. E aí comecei a viajar para fora”.

Sam olha para si mesmo na capa de um dos discos que lançou no passado
Sam olha para si mesmo na capa de um dos discos que lançou no passado

Foi nessa mesma época em que a disco music explodiu no mundo todo e também chegou forte ao Brasil. Foi nesse cenário que Sam começou a avançar. "Lancei a Sarah, que era a rainha da discoteca brasileira. Ela saiu antes da Lady Zu [diva da disco brasileira]. E eu andava com a Sarah pra cima e pra baixo, gravei um monte de covers com ela, músicas da Donna Summer”.

DE VOLTA A GRETCHEN

Quando Gretchen foi à Copacabana, naquela segunda-feira de 1978, Mister Sam e o pessoal da gravadora produziram um contrato e Maria Odete assinou. Mas antes disso, Sam implorou pela ajuda de um chefão da gravadora na época, Paulo Rocco. “Falei: Paulo, eu vou gravar com ela e dou a metade das músicas pra você. As músicas que eu nem tinha ainda, nem sabia que ia fazer”.

Maria Odete assinou contrato com a gravadora no dia de seu aniversário de 19 anos. “Ela chegou, veio na minha sala e eu falei: então, vamos fazer um disco? E ela: ‘lógico, claro! Sim’. E ela já tinha 19 anos. Ela pensa que tinha 18, mas tinha 19. E esse dia foi o aniversário dela, 29 de maio de 1978”.

Após a assinatura do contrato, Sam ainda teve que falar com os pais da Maria Odete, afinal ela era muito jovem. Nesse processo, acabou descobrindo as irmãs de Maria, incluindo aquela que viria a ser Sula Miranda. Elas, três meses mais tarde, se transformariam nas Melindrosas, grupo feminino juvenil que fez algum sucesso com músicas infantilizadas que não eram cantadas por elas no disco. Mas isso é uma outra história.

Após contratar Maria Odete, Sam começou no dia seguinte a pensar no que iria fazer com ela. Ele sabia que a moça tinha algum nível de voz, era bonita e sabia ser bem sensual no palco. O primeiro passo do produtor foi criar uma canção para que ela pudesse gravar. “Fiz uma música no estilo de A Little Bit Closer e que é Dance With Me. Fiz tudo em um dia, letra e música. Fiz rápido”.

“Fiz uma música no estilo de A Little Bit Closer%2C que é Dance With Me. Fiz tudo em um dia%2C letra e música. Fiz rápido”

(Mister Sam)

Além de compor o que Gretchen iria gravar, Sam bolou muito mais. Ele desenvolveu tudo o que a jovem artista deveria fazer. “Eu inventei totalmente a Gretchen. Ela fala isso no livro dela. Eu falava que ela era alemã, por causa do nome Gretchen. Nos shows ela entrava muda e saía calada. Não falava nada: boa noite, bom dia, nada. Ela era proibida de falar. Você fala yes e no. Só isso. Falei para ela que não queria que cantasse, que cantor é o Agnaldo Timóteo, o Agnaldo Rayol. Disse que sabia que ela cantava, mas a voz tinha de ser mais um instrumento na música. Eu queria fazer igual Dance a Little Bit Closer. Queria fazer pequenas entradas de voz na música”.

Gretchen na capa do compacto de Freak Le Boom Boom
Gretchen na capa do compacto de Freak Le Boom Boom

Por falar em música, Sam tinha um estilo peculiar de compor para sua pupila. Como ele a “vendia” para a mídia como uma artista alemã e que só cantava em inglês, tinha de fazer suas canções neste idioma. Mas ele não dominava o inglês. Assim, o produtor pegava folhetos da Fisk, escola em que Gretchen estudava, e que vinham com traduções de letras de músicas famosas da época. “Ela trouxe um panfleto da Fisk com letras de músicas do Led Zeppelin, do Foreigner. Eu tirava palavras para montar as minhas músicas dali. As minhas músicas eu pegava da Fisk. A primeira que fiz pra Gretchen foi com o panfleto da Fisk. Porque eu não sabia inglês, daí tinha que rimar. E eu não estava nem aí se fazia sentido. Só tinha que rimar. E eu misturava com espanhol. Eu já fazia isso na Argentina”.

“Eu inventei totalmente a Gretchen. Ela fala isso no livro dela. Eu falava que ela era alemã%2C por causa do nome Gretchen"

(Mister Sam)

Muitas das músicas que Sam fez para Gretchen surgiram quando os dois se reuniam sobre uma cama, de onde o produtor tirava as letras dos panfletos da escola de inglês. Pergunto se ele e Gretchen já foram namorados. Meio exasperado, ele diz de maneira até bem-humorada: “Você já está querendo saber demais! Quando sabem que eu lancei a Gretchen, já me perguntam isso. Você já saiu com a Gretchen, já namorou a Gretchen? Eu não falo que sim, nem que não. No livro dela ela fala assim: ‘ah, imagina. Não acontecia nada’. Ela fala que nós dois deitávamos na cama e fazíamos as músicas. E que não acontecia nada. Você vê ela, vê o histórico dela, vê meu histórico e deduz o que acontecia. Eu não vou falar nada, eu nunca falei nada. Até o porteiro aqui do prédio, que é novo, quando soube que eu a lancei, me perguntou: ‘Sam, você namorou ela? Perguntam se eu saí com a Gretchen, com a Lady Lu, com a Rita Cadillac. Sempre me perguntam isso. Ninguém pergunta se eu saí com o Nahim, com o Black Jr., com o Dudu França, com alguém do Dominó. Eu já cheguei a cogitar escrever um livro que se chamaria ‘você saiu com a Gretchen’?”, conta rindo.

"Perguntam se eu saí com a Gretchen%2C com a Lady Lu%2C com a Rita Cadillac. Ninguém pergunta se eu saí com o Nahim%2C com alguém do Dominó"

(Mister Sam)

Fato é que namorando ou não, a Gretchen virou um sucesso gigantesco. A história de ela ser uma cantora alemã sexy, vamp, inalcançável deu um resultado incrível. “Quando vi a Gretchen cantando minha música pela primeira vez já achei que ia ser um estouro. Gravamos e começamos a sair pelas discotecas divulgando. E ela foi censurada por causa da roupa transparente do primeiro disco. E também porque foi no Almoço com as Estrelas [programa famoso nos anos 70 e 80], que passava ao meio-dia. Aí cortaram ela por três meses”. Nesse curto período de tempo, Gretchen entrou para as Melindrosas. Mas nisso, antes de ser atacada pela censura, a artista já havia vendido 15 mil cópias de seu compacto de estreia. Uma boa marca.

O retorno avassalador de Gretchen aconteceu no programa Embalos de Sábado à Noite, apresentado por Carlos Imperial. Ela apareceu naquele dia com suas irmãs, mas Sam avisou Imperial que, depois do número musical das meninas, que ele deveria colocar Gretchen sozinha. Ali, ela cantou Dance With Me e arrasou.

O jovem Mister Sam
O jovem Mister Sam

Com o passar do tempo, a parceria entre Gretchen e Mister Sam só aumentou e vieram novos hits como Freak Le Boom Boom, Conga Conga Conga e Melô do Piripiri (Je Suis la Femme). “Os compactos da Gretchen vendiam milhões, mas eu não ganhei muito dinheiro com isso. O que se pagava era muito pouco na época. Eu comprei uma casa, depois vendi. Ganhei dinheiro, mas não eram milhões. Hoje eu ganharia muito mais. Não dá para dizer que cheguei a ficar rico com a Gretchen. Nem eu e nem ela”. Apesar disso, hoje em dia, cerca de 50% da renda do produtor vêm dos hits compostos para Gretchen.

Em 1983, após lançar Gretchen, Nahim, Dudu França e outros, Sam foi para a gravadora RGE, meio que colocando fim à parceria entre o produtor e a cantora. Em sua nova casa, Rita Cadillac foi um de seus principais lançamentos. Sam continua por aí até hoje, licenciando suas músicas famosas para comerciais, trilhas sonoras e também produzindo canções novas ao lado de Lady Lu, artista com quem trabalha desde o início dos anos 90.

Aliás, nesse momento, Sam e Lady Lu fazem sucesso em algumas paradas de países da Europa com Biri Biri Bee, mas essa também é uma história para depois.

Os textos aqui publicados não refletem necessariamente a opinião do Grupo Record.

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