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Quincy Jones diz que Elvis Presley era racista. Mas ele era mesmo?

Produtor musical de Michael Jackson detonou Presley e traz de volta o suposto racismo do roqueiro americano

Odair Braz Jr|Do R7

Elvis no estúdio, nos anos 60
Elvis no estúdio, nos anos 60 Elvis no estúdio, nos anos 60

Em primeiro lugar aqui nessa discussão: é mesmo muito fácil tachar Elvis Presley como um racista. Ele era branco, sulista e se deu bem numa área – o rock’n’roll – que tinha predomínio de negros, considerados os criadores do gênero e mestres do blues e rhythm and blues.

Dito isso, há o acontecimento recente que é a declaração de Quincy Jones, famoso produtor musical responsável, por exemplo, por lapidar a música de Michael Jackson no álbum Thriller. Em entrevista há alguns dias ao Hollywood Reporter, Quincy disse: “Eu compunha para Tommy Dorsey [líder de uma famosa orquestra musical] e, meu Deus, eram os anos 50. Elvis chegou e Tommy falou ‘não quero tocar com ele’. Ele era um racista filho da p*. Vou fechar a boca agora”. Mas Jones continuou mais um pouco: “Ele [Elvis] era treinado por Ottis Blackwell, que dizia a ele como cantar”. Blackwell era um cantor, compositor e músico negro, autor de canções de sucesso de Elvis como “Don’t Be Cruel”, “Return To Sender” e “All Shook Up”. Aqui vale um dado acrescentado ao texto pelo Hollywood Reporter: Blackwell declarou, numa entrevista a David Letterman, nos anos 80, que jamais se encontrou com Elvis.

Esta declaração de Jones vem causando um estardalhaço desde que foi levada a público. O produtor é conhecido como um grande falastrão e sai detonando artistas em geral sempre que pode. Já fez isso com os Beatles, por exemplo, quando declarou que os integrantes eram péssimos músicos e não tocavam nada. Também já soltou que Michael Jackson roubava canções de outros artistas. De todo modo, ser um falastrão não diminui em nada sua acusação em relação a Elvis. Mas o cantor era de fato racista?

O produtor Quincy Jones (de óculos), no carnaval do Rio de Janeiro em 2007
O produtor Quincy Jones (de óculos), no carnaval do Rio de Janeiro em 2007 O produtor Quincy Jones (de óculos), no carnaval do Rio de Janeiro em 2007

Vamos a uma contextualização.

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Tommy Dorsey e sua orquestra tinham um programa de TV e foi aí que Presley fez sua estreia em rede nacional. Foi em janeiro de 1956. O programa de Dorsey não estava muito bem de audiência e a produção começou a procurar alguns artistas diferentes que pudessem atrair público. Dorsey e seus músicos seguiam um estilo jazzísticos, haviam já acompanhado Frank Sinatra e, enfim, não tinham absolutamente nada a ver com o rock’n’roll, estilo que estava nascendo e era o completo oposto do que Dorsey fazia. Na verdade, o rock era uma afronta aos padrões seguidos pelo músico do programa de TV. Era, basicamente, música negra e underground. Quer dizer, tinha racismo aí.

Mesmo com essa grande diferença de estilo, o fato é que os produtores do programa chegaram até Elvis, então em início de carreira, e o contrataram para fazer algumas apresentações junto com Tommy Dorsey. Isso realmente aconteceu e foi um sucesso.

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Sobre essa apresentação, Quincy Jones também falou uma outra vez, em 2018, ao site Vulture. Esta fala ajuda a esclarecer um pouco o que ele disse ao Hollywood Reporter ali em cima. Segundo essa outra declaração, Jones contou que Dorsey não queria tocar com Elvis porque "ele não sabe cantar". O trompetista disse: “F***-se! Não vou tocar com ele”. O produtor contou ainda que Dorsey não teria deixado sua banda tocar com o jovem cantor, então com 21 anos de idade. No fim das contas, tudo se ajeitou e Elvis se apresentou no programa junto com a banda de Tommy.

Acontece que essa declaração do produtor de Michael Jackson ao Hollywood Reporter dá a entender que Tommy Dorsey não queria tocar com Elvis pelo fato de ele ser supostamente racista. Não foi o caso. O trompetista não queria Presley no programa por considerá-lo um artista fraco e também por ser de uma escola musical totalmente diferente. Tommy discordava da linguagem do rock, que, para ele não passava de um grande lixo. Assim, o motivo não tem nada a ver com o suposto racismo de Elvis.

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Muito bem, voltando ao produtor. Quincy Jones tem todo o direito de dizer o que acredita ser verdade sobre Elvis e, se viu mesmo o cantor agir de modo racista, também deve falar. Afinal, quem sofre preconceito é que sabe o quão grave e doloroso isso pode ser. A questão é que não dá para jogar algo assim pela metade. É meio injusto fazer essa acusação e não revelar tudo. Mas, de novo, Jones tem todo o direito de falar sobre e de sentir racismo vindo de Elvis, se realmente isso aconteceu.

RAÍZES

Como dito ali em cima, é muito simples e fácil chamar Elvis de racista. E essa é uma acusação que volta e meia alguém cola nele. Uma suposta prova recorrente contra o cantor, mas que já foi revelada falsa, é uma fala de Presley, ainda nos anos 50, em que ele teria dito que “dos negros espero apenas que brilhem os meus sapatos e comprem meus discos”. Essa frase é o que dá para chamar hoje de fake news. Não há uma gravação, texto, imagem de TV ou qualquer outra coisa que comprove o fato. Dizem que ele teria dito isso em Boston, sendo que ele nunca esteve ali quando a frase teria sido mencionada. Enfim, não há indício algum que ele tenha dito isso. Ao longo das décadas em que viveu ele também não soltou nada remotamente parecido.

O roqueiro Little Richard elogiou Elvis
O roqueiro Little Richard elogiou Elvis O roqueiro Little Richard elogiou Elvis

Mas é fato que Elvis era jovem, branco, bonito, nascido no sul dos Estados Unidos (região onde havia muita escravidão e segregação racial), gostava de colecionar armas etc. Ou seja, tem todos os elementos para ser considerado um racista sob os padrões atuais de analisar a questão.

Elvis nasceu em Tupelo, uma cidade pequenininha no interior do Estado do Mississippi, região com grandes comunidades negras. Foi nesse lugar que Elvis viveu seus primeiros dez anos de vida. De família extremamente pobre, Presley convivia com negros o tempo todo, principalmente na igreja. Conforme cresceu, já vivendo em Memphis (Tennessee) — outro reduto da comunidade negra no sul dos EUA — frequentava muitos lugares praticamente exclusivos para negros, como lojas de roupas, bares, festas e coisas do tipo. Presley era altamente influenciado pela cultura negra, já que vivia dentro dela, e se vestia de maneira parecida com eles, se penteava de acordo e, claro, sua música também era muito influenciada por músicos negros de blues. E era assim que ele cantava, tocava e dançava.

Ao longo dos anos, Elvis teve várias atitudes erradas, é verdade. Não tratou muito bem sua mulher, foi agressivo sem muita razão, detonou os Beatles dizendo que eles difundiam o uso de drogas nos EUA e por aí afora. Mas, de fato, não há uma declaração ou um ato racista de Elvis registrados. Ele nunca se mostrou racista em revistas, na TV, em entrevistas ou mesmo em seus shows. Pode ser que intimamente ele fosse assim? Pode, mas jamais exteriorizou isso em público e também nunca houve uma denúncia de alguém que tenha sofrido racismo por parte do cantor. Se um dia algo assim aparecer, aí a questão muda. Mas hoje, mais de 40 anos após sua morte, ainda não surgiu.

Elvis pode sim ser acusado de se dar bem cantando música negra e ter tido sucesso onde artistas negros não tiveram por causa de sua cor. Acontece que isso não é necessariamente culpa de Presley e sim de toda uma estrutura que ali estava para privilegiar brancos, como acontece muito até hoje. É mais do que óbvio que ele chegou ao sucesso por ser branco, coisa que a indústria do entretenimento da época queria. É a mesma estrutura que gerou outros astros branco do entretenimento americano como Marilyn Monroe, Frank Sinatra, Tom Cruise, Beatles, Rolling Stones, Brad Pitt e por aí vai.

E há um efeito interessante nesse êxito de Elvis. Mesmo sendo branco, ele abriu portas para o reconhecimento de artistas negros, que antes dele não eram citados ou vistos por ninguém. Antes do estouro de Presley, discos de artistas negros de rock eram vendidos às escondidas pelas lojas e isso mudou quando o rock virou uma moda entre todos os públicos. A segregação cultural que havia na música perdeu um pouco de sua força com a explosão de Elvis e do rock. Assim, uma música que era feita por negros e que girava em tornodeles, se disseminou entre a sociedade jovem branca. Claro, o gênero teve que passar por esse “branqueamento” para ser aceito fora de seu gueto e Elvis foi a marca principal desse processo. Mas isso deu relevância a artistas que antes eram segregados. É verdade que nenhum deles obteve o mesmo êxito de Presley e todos sabemos os motivos disso.

Presley sabia sim que não seria quem foi sem os músicos negros que cresceu ouvindo. Ele disse uma vez: “muitos dizem que eu dei início ao rock, mas ele já existia muito antes de eu aparecer. Ninguém consegue cantar essa música como os negros. Vamos falar a verdade: eu não consigo cantar como Fats Domino. Eu sei disso”.

Little Richard, um dos primeiros roqueiros e contemporâneo de Elvis, falou: “Elvis foi um integrador, uma bênção. Não deixavam a música negra aparecer e ele abriu as portas para a música negra”.

Enfim, o fato é que é fácil mesmo acusar Elvis de racista e a resposta sobre ele ser ou não ser, principalmente hoje em dia, não é tão simples. E não há aqui nenhuma intenção de diminuir o que Quincy Jones disse, mesmo sem ter falado claramente seus motivos. Jones poderia muito bem estar se referindo a todo o sistema que privilegiou Elvis por ser branco em detrimento a artistas negros que nunca tiveram a mesma chance. E há sim racismo nessa estrutura toda. Talvez estivesse falando sobre isso, embora não tenha ficado claro. Daí, que é importantíssimo a política de diversidade que vem sendo implementada atualmente nas artes. Hollywood já se deu conta disso e tem tentado trilhar por esse caminho. A estrutura que gerou Elvis e outros astros no passado tem de ser rompida para abrir espaço para minorias.

Assim, ficam aí essas informações todas para você também pensar um pouco nessa questão que volta e meia aparece na mídia. Elvis não era santo, teve algumas atitudes duvidosas ao longa da vida e pode ser atacado de vários lados, inclusive através de muitas das músicas ruins que gravou. Mas sobre esse tema específico, o racismo, ficam esses elementos para você decidir.

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