Ron Wood, Mick Jagger (ao centro) e Keith Richards no evento de lançamento do novo disco
Toby Melville/Reuters - 6/9/2023Hackney Diamonds, novo disco dos Rolling Stones, quebrou um jejum de 18 anos sem um álbum de inéditas da banda que é considerada a maior do mundo. Dezoito anos não são 18 dias, e esse tempo todo fez a gente notar como o grupo de Mick Jagger e Keith Richards é querido e como faz falta um grande lançamento dos jovens octogenários.
Então, a longa ausência acabou causando uma certa distorção generalizada e fez com que o novo trabalho fosse recebido com elogios efusivos e exagerados da crítica. Muita gente considera Hackney Diamonds o melhor álbum dos Stones em 40 anos. Não seria pouca coisa, caso fosse verdade. E talvez as novas músicas sejam mesmo toda essa Brastemp para nossos dias, porque é rock até o último fio de cabelo, porque tem a marca dos Stones em cada nota, porque tem a participação de Lady Gaga, Elton John, Stevie Wonder e Paul McCartney. Mas não é por tudo isso que a nova leva de canções seja a última bolacha do pacote.
Veja: Hackney Diamonds está longe, mas muito longe de ser qualquer coisa próxima de ruim. Deve estar entre os cinco melhores trabalhos do grupo em 40 anos — período com oito álbuns de estúdio —, mas não pode ser colocado ao lado de clássicos, como Sticky Fingers (1971), Exile on Main Street (1972), Black and Blue (1976), ou mesmo material mais recente, como Tattoo You (1981) ou Undercover (1983). Na verdade, o novo disco é bem parelho a trabalhos como Voodoo Lounge (1994) e Bridges to Babylon (2005). Ok, a comparação — especialmente com os anos 1970 — é injusta, afinal, naquela década, Mick Jagger e seus companheiros estavam no auge da forma, soltanto clássico em cima de clássico. Mas, se é injusta, também é inevitável.
Embora longe dos melhores momentos mais inspirados dos Stones, Hackney Diamonds tem muitos méritos, vários deles surgidos por meio do trabalho do produtor Andrew Watt, que não se arriscou ao tentar grandes inovações, mas pôs em evidências as principais qualidades dos roqueiros ingleses, que mostram um vigor renovado.
E o som característico do grupo já aparece na faixa inicial, Angry, que também foi o primeiro single. As guitarras de Keith Richards e Ron Wood surgem em evidência, rápidas, urgentes, e o vocal gritado de Jagger completa o jeitão stoniano da canção. A faixa não tem nada de genial, é até esquecível, mas é um rock cheio de vida, potente e que faz a gente prestar atenção. Logo vem a bela balada Depending on You, com Mick cantando muito bem, como faz em geral nesse tipo de música. Há o estilo meio country de Dreamy Skies e ainda Tell Me Straight, com Richards no vocal.
Hackney Diamonds tem ainda duas músicas — Mess It Up e Live By the Sword — com bateria gravada por Charlie Watts, que morreu, em agosto de 2021. Quem conhece percebe instantaneamente que é ele quem está tocando nessas faixas. Bill Wyman, baixista original, que deixou a banda em 1993, também toca em Live By the Sword.
Os demais convidados aparecem nem sempre com grande destaque. Quem sobressai é mesmo Paul McCartney (o ex-Beatle, como você deve saber) em Bite My Head Off, em que em determinado momento seu baixo aparece todo distorcido, sujo.
Mas nada se compara à presença de Lady Gaga em Sweet Sounds of Heaven, que é o grande momento de Hackney Diamonds. A música, de 7:22 minutos, é um gospel bluezeiro que se beneficiou demais da participação da cantora, que realmente dá um show ao lado de Jagger. Não tem como passar batido pela canção — com Wonder ao piano —, que já é uma das grandes músicas do ano. Deve ganhar prêmios e mais prêmios nos próximos meses.
Capa de 'Hackney Diamonds'
DivulgaçãoO disco termina com Rolling Stone Blues, do bluesman Muddy Waters, com apenas Jagger (no vocal e na gaita) e Richards (na guitarra). O ponto final de Hackney Diamonds não à toa é um blues, a principal e maior influência da banda, que transpôs o gênero para o rock e fez dele sua assinatura, que continua indelével mesmo depois de décadas.
O novo álbum chega com o mesmo objetivo, que é o de mostrar que os ingleses — quase todos com 80 anos — nunca deixam de ser quem são. Altamente celebrado e incensado, Hackney Diamonds não é essa cocada toda que dizem, há momentos descartáveis, mas tem os Rolling Stones fazendo seu rock'n'roll. E é só isso mesmo: rock'n'roll. Mas eles gostam.
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