'Tive cara de pau e me ofereci para tocar com o Buddy Guy', diz Nasi, do Ira!, sobre festival de blues em SP
O cantor, que vai se apresentar com o Ira!, também falou da carreira solo e da briga com um jornalista da Folha nos anos 1980
Odair Braz Jr|Do R7
Provavelmente não havia um nome nacional mais sob medida para participar do festival Best of Blues and Rock, que acontece em São Paulo no próximo fim de semana — dias 2, 3 e 4 de junho, com blueseiros e guitarristas — do que o Ira!. Afinal, a banda tem Nasi, um bluesman reconhecido, e também Edgard Scandurra, um dos maiores guitarristas do país.
Nasi conversou com o R7 sobre como é estar no festival, mas não ficou só nisso, não. O cantor falou bastante sobre sua carreira solo, sobre o Ira!, sobre sua paixão pelo blues e até comentou um caso famoso nos anos 1980, quando teve uma encrenca com Pepe Escobar, jornalista da Folha de S.Paulo que xingou roqueiros paulistanos. Acompanhe:
Como é para você, que é todo ligado ao blues, participar de um festival de blues com o Ira!?
Cara, pra mim está sendo uma grande experiência, principalmente numa noite em que eu vou estar com o meu grande ídolo, que é o Buddy Guy [blueseiro americano que se apresenta no festival]. E também com o Tom Morello [guitarrista do Rage Against the Machine], porque eu sou muito fã do Tom Morello. Sou fã do Rage, acho que o Tom Morello reinventou a maneira de tocar guitarra. Guardadas as devidas proporções, acho que ele fez contemporaneamente o que o Hendrix fez nas décadas de 60 e 70. Ele reinventou a maneira de tocar guitarra. E o Buddy Guy, cara, nem se, fala, né?! Ele talvez seja o último grande ícone vivo do blues da velha guarda. Porque é um cara que, no começo da carreira, tocava com Muddy Waters, com todos os grandes músicos no estúdio... Ele é a herança viva do blues primordial. Pra mim, é um dos maiores guitarristas de todos os tempos. É um cara que influenciou o Hendrix, né? Isso era assumido pelo Hendrix. E pra gente [pro Ira!], é tão legal quando você faz parte de um festival que prima pela originalidade em vez das coisas de mais sucesso, sabe? Tem três grandes guitarristas, e o Ira! se sente muito feliz de estar nesse meio.
Como vai ser o show no festival?
Estamos preparando um show especial, porque realmente é uma noite pesada. Nós temos o nosso show de turnê, mas neste show a gente vai colocar muita coisa do Psicoacústica, que é um disco nosso que está fazendo 35 anos neste ano. É o disco mais pesado do Ira!. Foi um disco que, na época, foi mal compreendido pelo público, por parte da crítica. E se tornou o disco mais cultuado do Ira. Então, a gente deve levar isso ao palco, porque a gente acredita que lá vai ter gente que não vai querer só cantar as músicas de sucesso do Ira!, vai querer ouvir músicas que dão mais destaque ainda pra guitarra do Edgard, né? Afinal de contas, o Brasil vai estar bem representado nessa noite, que vai ter o Buddy e vai ter o Tom... pô! Vamos ter Edgard Scandurra, que é sem dúvida nenhuma um dos maiores guitarristas da história do Brasil. E eu também vou estar feliz como cantor, como artista e como público, porque acabou o show, eu vou ficar lá pra ver [as demais atrações].
E o que o show vai ter de diferente? Alguma nova versão de um clássico do Ira!, alguma nova música, alguma versão mais blues de música antiga...
Eu não posso entregar pra você... Eu fiquei de marcar com o Edgard, mas eu já tenho aqui na minha ideia algumas coisas que eu bati com ele. Mas, como eu te falei, vamos colocar bastante coisa do Psicoacústica. Também estamos pensando em algum cover, sim. Mas não posso entregar o ouro pro bandido [risos]. Mas vai ser algo que tenha a ver com grandes guitarristas. E agora, como você tá falando, precisa ter um blues nesse show. Eu vou conversar com o Edgard, e nós temos duas opções: ou fazer uma versão de algum clássico do blues ou tocar uma música do Ira! que foi lançada em 2007 que chama No Universo dos Seus Olhos, que eu acho que é a coisa mais blueseira que o Ira! gravou na carreira.
E você tem também a banda Nasi e os Irmãos do Blues. Como você está com esse outro lado da sua carreira?
Então, a minha carreira solo começou com esta grife, Nasi e os Irmãos do Blues. Foram três álbuns puristas de blues. Depois, a partir de 2006, a minha carreira ficou simplesmente Nasi, e eu incorporo o blues na minha carreira solo, nos meus discos. Inclusive, estou preparando um disco novo solo, que deve sair até o fim do ano e que tem muito blues, mas que não é só um disco de blues.
Como falamos aqui, o Ira! vai tocar na mesma noite do Buddy Guy e do Tom Morello. Você acha que é possível rolar uma canjinha entre você e o Buddy, ou com mais alguém ali?
[risos] No que depender de mim, demorou, cara! Você pensa que eu não tive a cara de pau de mandar um recado pra produção do Buddy Guy dizendo que eu quero cantar Hoochie Coochie Man com ele?! Mas ainda não tive resposta, tô aqui na expectativa. Mas acredito que não vai acontecer. Mesmo porque eu sei que outros artistas brasileiros também pediram. Mas seria uma grande honra pra mim.
De qualquer maneira, você vai estar na plateia assistindo ao Buddy, né?
Com uma garrafa de uísque debaixo do braço [risos].
E queria que você falasse como você vê a música — e o rock — hoje no Brasil, onde há um domínio do sertanejo e do funk na mídia.
Não é só porque o rock está fora da grande mídia, dos programas de auditório... É mais a questão mesmo da qualidade da música popular que está hoje. Não quero citar nenhum nome aqui, mas é triste. Porque eu acho que essas coisas também são sazonais. E o próprio rock, que teve a hegemonia nos anos 80 até meados de 90, também tinha muito lixo. Não dá pra dizer que aquela era uma época dourada. Eu vejo [esse cenário] com preocupação para os músicos e os artistas mais novos, porque, para bandas como Titãs, Ira!, Paralamas, não existe essa crise. Minha agenda tá lotada. Mas é um pouco triste ver que a gente faz parte de um passado que hoje não se vive mais.
E o seu disco solo sai quando?
O primeiro single deve sair agora, no começo de agosto, e o disco cheio, em novembro. Já adianto que tem umas novidades. Eu faço uma versão blues de um sucesso do Ira!, que eu não vou citar o nome para guardar surpresa. Tem algumas versões, como do MC5, do Tim Maia, Zé Rodrix, tem composição nova. Tem até uma versão que eu estou fazendo do Martinho da Vila, que vai ser uma grande surpresa pra galera.
Para terminar, queria que você falasse daquela história lendária de que você foi até a Folha de S.Paulo, nos anos 1980, para brigar com o jornalista Pepe Escobar, que falou que todas as bandas paulistas eram ruins, incluindo o Ira!.
[risos] Você sabe que tudo isso é... Quem conta um conto aumenta um ponto [risos]... Imagina, nunca agredi o Pepe. Claro, a gente teve uma discussão acalorada... Mas, na verdade, ninguém tem que brigar com a imprensa, mas eu era muito jovem, e era uma época em que a gente se levava muito a sério. E o que aconteceu é que as bandas do underground paulista fizeram, numa boate no centro de São Paulo, um coletivo com Inocentes, Ira!, Cabine C, Smack, Mercenárias... Fazíamos uma programação de VJ, de DJ, mas era tudo muito pequeno. E a banda do Guilherme Isnard, o Zero, a gente não colocou [nesse coletivo]... Sei lá, por falta de afinidade. E o Guilherme ficou puto e escreveu uma carta pro Pepe Escobar falando que a gente fazia parte de um rock de gueto... uma baboseira. E o Pepe publicou aquilo [a carta]. E o Pepe ainda falou: "É isso mesmo. Essas bandas do underground paulista têm que olhar pro RPM, porque isso é que é gestão de banda". Veja também o que aconteceu: o RPM não durou três discos, e nós estamos vivos até hoje, né? Então, teve toda aquela celeuma, e a gente foi realmente à porta da Folha, e aí uma comissão subiu. E o que aconteceu lá na redação foi uma discussão acalorada entre mim e o Pepe... Eu tava com uma camiseta do Clash e lembro que ele me chamou de terrorista, e eu falei: "Que terrorista?!!". E ele: "É sim, olha essa camiseta do Clash’ [risos]". Aí fiquei puto, porque era a minha banda, entendeu? [risos] Mas não teve... Não aconteceu [nada]... Uma vez eu encontrei o Humberto Gessinger, dos Engenheiros do Hawaii, e ele veio me cumprimentar: "Porra, parabéns pelo tapa que você deu no Pepe". E eu falei: "Mas eu não dei tapa nenhum, cara’" [risos]. Sabe quando a versão fica mais importante que o fato? Mas sabe que eu até sinto falta disso, da efervescência que tinham os cadernos culturais da época. Sinto falta das gravadoras também. A gente xingava as gravadoras, que exploravam a gente, mas hoje a gente é explorado pelo Vale do Silício, com as plataformas de streaming, que pagam dinheiro de pinga pela sua música, e nenhum músico pode sobreviver disso.
Tá vendo? A gente era feliz e não sabia.
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