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Capitu traiu Bentinho? Musical de ‘Dom Casmurro’ acerta ao fugir da pergunta fácil

Adaptação premiada aposta na força da narrativa de Machado de Assis com sensibilidade e músicas originais

R7 Teatro|Do R7

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Capitu e Bentinho ganham corpo e voz no musical que recria o romance machadiano Reprodução/Instagram

“Capitu era Capitu. Uma criatura mui particular.” A frase não aparece na adaptação, mas sua ausência não diminui o impacto do espetáculo. Vencedor do Prêmio Bibi Ferreira de Dramaturgia Original, o musical Dom Casmurro surpreende ao transformar o romance de Machado de Assis em uma obra cênica instigante, sensível e cheia de nuances — exatamente como o livro exige.

A montagem aposta em escolhas de elenco que dialogam diretamente com o imaginário literário. Luci Salluzi vive uma Capitu magnética — e seu olhar, naturalmente hipnótico, honra a clássica descrição dos “olhos de ressaca”. Não é apenas interpretação: é presença. Um acerto evidente da direção de elenco.


Rodrigo Mercadante, como Bentinho, encontra o ponto ideal entre fragilidade, obsessão e o narcisismo silencioso que sustenta o narrador machadiano. Ele parece materializar o Bentinho que o leitor imagina, carregando a peça ao mostrar, com precisão, como o personagem se perde no próprio ciúme — um descontrole que toma forma diante do público.

Entre os coadjuvantes, quem mais se destaca é Fábio Enriquez, excelente como José Dias, dono de tempo cômico e precisão gestual. Também brilha Larissa Carneiro, especialmente como Prima Justina. Embora também interprete Sancha, é na primeira personagem que ela domina realmente o palco, deixando saudades quando migra para a esposa de Escobar.


A escolha de Cleomácio Inácio para dar vida ao melhor amigo de Bentinho e também a Ezequiel pode parecer óbvia à primeira vista, mas funciona como uma solução dramatúrgica inteligente. A duplicação reforça a tese, sempre subjetiva, de Bentinho de que os dois eram incrivelmente parecidos.

Isso torna mais palpável a suspeita que ronda o romance, sem esquecer que tudo é filtrado pelo olhar ciumento do narrador. Assim como no livro, a montagem mantém a ambiguidade como espinha dorsal.


As músicas — indicadas ao Prêmio Bibi Ferreira — não surgem como simples complemento, mas como extensão da própria narrativa: dão voz ao que, no romance, se esconde nas entrelinhas e ajudam a revelar as fissuras emocionais de Bentinho.

Essa mesma lógica sensorial aparece no uso da luz, que transforma o ciúme em cor e temperatura, visto os tons avermelhados que quase pulsam junto ao personagem, tornando visível aquilo que o corrói por dentro.


A sonoplastia completa essa construção ao trazer o som das ondas, que aparecem e reaparecem como metáfora do vaivém emocional do protagonista, criando um ambiente que convida o público não apenas a assistir, mas a sentir a instabilidade que move a trama.

É o tipo de solução que dá vontade de rever o espetáculo para, em algum momento, simplesmente fechar os olhos e deixar que a música e os sons conduzam a experiência.

Mas o maior mérito do musical talvez seja outro: em vez de reforçar a velha pergunta “Capitu traiu Bentinho?”, ele desloca o espectador para o ponto certo — a confiabilidade do narrador.

A montagem recria a atmosfera machadiana ao tratar o ciúme, a memória e o poder como forças que moldam não apenas a história contada, mas o modo como ela é contada. E, fiel ao espírito do romance, ainda reserva ao espectador — e ao próprio narrador — uma surpresa final que reabre a discussão sobre quem realmente conduz essa história.

No fim, Dom Casmurro — O Musical não busca solucionar enigmas, mas criar novos. A montagem entende que a força do romance de Machado está menos na resposta e mais na dúvida — e, sobretudo, na forma como ela é construída.

Além de reinterpretar um clássico, o espetáculo cumpre um papel educativo importante ao aproximar novas gerações da literatura brasileira, traduzindo a obra para uma linguagem que une teatro, música e poesia cênica.

É uma celebração da nossa cultura — feita por artistas brasileiros, com dramaturgia original — que ilumina o livro por outros ângulos e convida o público a repensar suas certezas sobre Capitu, Bentinho e o próprio ato de narrar.

Serviço

Musical Dom Casmurro

Local: Pavilhão da Bienal – Parque Ibirapuera

Datas:

  • 21 de novembro, às 15h
  • 22 de novembro, às 19h

Entrada: gratuita

Retirada de ingressos: presencialmente, 1 hora antes de cada sessão, sujeita à disponibilidade

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