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Se eu fosse eu
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O Ovo e a Galinha 

Um dos textos mais polêmicos de Clarice virou filme e a cabeça de muita gente, inclusive a nossa

Se eu fosse eu|por Renata Chiarantano e Carmen Farão @seeufosseeu e Renata Chiarantano


Ela tinha a linguagem do mistério e dos animais. Era tão misteriosa que não se entendia. Mas tentava decifrar os animais. Escreveu sobre cachorros, búfalos, peixes, coelhos, baratas e... galinhas. Clarice tinha uma relação de amor e curiosidade com as galinhas. Pena das galinhas. As penas das galinhas a sufocavam. Não queria nenhuma virando ensopado. E, curiosamente, era um dos pratos preferidos da escritora. Clarice trouxe o mundo profundo das penas nos contos “A Legião Estrangeira”, “Uma História de Tanto Amor”, “Uma galinha” e “A Vida Íntima de Laura”. Laura é uma galinha “bastante burra.... tem gente que acha ela burríssima...” Mas Laura tem seus “pensamentozinhos e sentimentozinhos...”. Laura, medrosa, escapa por pouco de virar ensopado porque “botava muitos ovos”.

“Ovo é a alma da galinha. A galinha desajeitada.”
“Ovo é a alma da galinha. A galinha desajeitada.”

“Ovo vive foragido por estar sempre adiantando demais para a sua época”. – O conto “O Ovo e a Galinha”, do livro “A Legião Estrangeira”, de 1964, deixou os leitores orgulhosos mesmo, da gema. Clarice viajou no mundo das penas profundamente. No conto polêmico, o ovo está à frente de seu tempo, assim como a escritora. Com Clarice, a dupla ficou nobre, nada pobre, ganhou vida, cor, outro sabor, levitou a alma.

“Ovo é a alma da galinha. A galinha desajeitada”. Os críticos não entenderam tamanha viagem lisérgica. Nem a própria Clarice. Em entrevista ao jornalista Júlio Lerner no programa Panorama, da TV Cultura, em 1977, Clarice confessa:

“Tem um conto meu que eu não compreendo muito bem”.

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Júlio Lerner – Que conto?

Clarice - “O ovo e a galinha”.

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Júlio Lerner – Entre os seus diversos trabalhos, sempre existe ser natural um “filho predileto”. Qual é aquele que você vê com maior carinho até hoje?

Clarice – (pausa). “O ovo e a galinha, que é um mistério pra mim”.

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Misteriosa para ela e para uma legião estrangeira. Foi nessa base clariceana de devaneios aviários que o cineasta Luiz Carlos Lacerda se entorpeceu, mais do que isso: ele se engalideceu.

Luiz morava na famosa “Casa 9”, no bairro de Botafogo, no Rio de Janeiro, reduto de grandes artistas. No documentário “Casa 9”, Lacerda revela como foi o processo de criação para filmar “O Ovo e a Galinha”. No roteiro a quatro mãos com a musa das galinhas, ele dá detalhes de como foi surpreendido por Clarice. Década de 70, ideias ao vento, saindo das cascas dos ovos e uma escritora que já voava. Lacerda narra o episódio do telefone. Ele recebeu uma ligação através do vizinho da famosa escritora. Ficou surpreso, maravilhado, perplexo: engalidecido. Com pena dele mesmo, de não poder demonstrar sentimentos nem aviamentos na frente dos vizinhos que ouviam a conversa. Os devaneios aviários tinham asas:

“Vamos fazer uma cena de um ovo flanando por cima da avenida Rio Branco...” – sugeriu a mãe de todas as galinhas.

Sentimentos e sensações. Misturados em branco e amarelo. Engalidecida, com pompa e cocoricós refinados, Clarice já imagina a cena, e tenta levar Lacerda no bico:

“Pingava a gema em algumas pessoas, e as pessoas ficavam douradas…”

Dias depois, Clarice vai à Casa 9 para conversar com Lacerda. A presença daquela mulher de tailleur em pleno calor galináceo era pura tentação.

“Ovo vive foragido por estar sempre adiantando demais para a sua época”.

Trecho do documentário "Casa 9", dirigido pelo cineasta Luiz Carlos Lacerda.

Foram papos de penas pra todo lado. E pena que não ficou nenhum registro da visita. O roteiro foi concluído em 1974 e o filme exibido em 2003 com grande elenco: Lucélia Santos, Carla Camurati, Chico Diaz, Louise Cardoso, Karla Martins, Claudio Perotto e Rodney Pereira. O curta-metragem foi dirigido pela sobrinha de Clarice, a cineasta Nicole Allgranti e narrado por Maria Bethânia. Mais que uma dúzia de amor.

"O ovo é uma exteriorização. Ter uma casca é dar-se”
"O ovo é uma exteriorização. Ter uma casca é dar-se”

“Eu te amo, ovo. Eu te amo como uma coisa nem sequer sabe que ama outra coisa”.

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Os textos aqui publicados não refletem necessariamente a opinião do Grupo Record.

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