A inteligência artificial é uma bolha gigante que vai estourar? Analistas dizem que sim
Segundo especialistas céticos, modelos de IA provavelmente não darão o retorno esperado após gastos de bilhões de dólares
O dia 10 de março de 2000 está marcado na mente de todos os investidores de tecnologia. Foi quando a chamada Bolha da Internet — ou “Bolha Ponto Com” — atingiu seu pico de crescimento, antes de uma sucessão de quedas vertiginosas. Investidores chegaram a perder 70% dos investimentos em empresas de internet, que arrecadaram financiamento abundante graças a juros baixos e promessas de lucros estratosféricos quando a internet se popularizasse massivamente — em 1997, cerca de 35% dos domicílios dos Estados Unidos tinham computador.
O delírio entre investidores foi tão grande que praticamente qualquer empresa com “.com” no nome ganhava financiamento alto, alimentado por bancos de investimento que viam os lucros crescerem com ofertas públicas iniciais de ações (IPO) na bolsa de valores Nasdaq.
Para ter um exemplo, as ações da gigante Qualcomm valorizaram 2.616% em 1999. Outras empresas seguiram na mesma toada, como lembra o New York Times:
Doze outras ações na Nasdaq que começaram o ano acima de US$ 5 conseguiram subir pelo menos 1.000 por cento. Outras sete edições subiram pelo menos 900%.
E aí veio março de 2000, com notícias sobre recessão no Japão, anúncios de empresas de tecnologia que não lucravam, e uma decisão da justiça norte-americana que apontava a Microsoft como culpada por estabelecer um monopólio. Os investidores que não perceberam o problema crescente, correram desesperados.
Em novembro, a maior parte das gigantes de internet já tinha perdido 75% de valor de mercado — uma perda de US$ 1,755 trilhão em valor de investimento. Depois ainda chegou o 11/9, que inflou o pânico. O resto é história.
Bolha.IA
Mesmo um caos tão histórico, reconhecido e marcante talvez não tenha deixado lições suficientes, segundo alguns analistas — que ainda são minoria. Alguns desses especialistas em mercado financeiro estão apontando o dedo diretamente para a nascente indústria de inteligência artificial, que também está levantando bilhões de dólares em investimentos e ainda não mostrou grandes perspectivas de lucro nem no médio prazo.
A Microsoft, principal investidora da OpenAI, criadora do ChatGPT, é uma das mais animadas. Em sua conferência financeira trimestral, a empresa divulgou lucros recordes e apontou para um futuro dominado por IA.
Segundo o CEO da empresa, Satya Nadella, os negócios de inteligência artificial da empresa estão “a caminho de ultrapassar uma taxa de receitas anual de US$ 10 bilhões no próximo trimestre, o que o tornará o negócio de crescimento mais rápido em nossa história a atingir esse marco”. Mas os resultados escondem gastos futuros planejados acima de US$ 100 bilhões.
Além disso, há concentração de mercado e avaliações de mercado que parecem infladas: as big techs da área — Alphabet, Amazon, Apple, Meta, Microsoft, Nvidia e Tesla — têm cerca de US$ 12 trilhões em valor de mercado, como lembra o jornal Guardian. Só a Nvidia cresceu US$ 2,11 trilhões em valor de mercado em 2024, graças aos seus chips de IA.
Alguns investidores apontam para os riscos de uma nova bolha — embora as big techs hoje sejam sólidas e gigantescas, e não empresas iniciantes como no início dos anos 2000.
“Não muito tempo atrás, eles eram todos cripto. E agora eles são todos IA”, disse Jim Covello, chefe de pesquisa de ações do Goldman Sachs, em entrevista ao New York Times.
Em um relatório escrito (PDF) em junho para o Goldman Sachs, Covello foi taxativo.
“Apesar do seu alto preço, a tecnologia não está nem perto de onde precisa estar para ser útil. Construir coisas demais para as quais o mundo não está pronto ou não tem utilidade definida, geralmente termina mal”.
Richard Windsor, analista de ações de tecnologia, mostrou preocupações semelhantes em uma análise escrita na CNBC.
“O capital continua a inundar o setor de IA, com muito pouca atenção sendo dada aos fundamentos da empresa, num sinal claro de que, quando a música parar, não haverá muitas cadeiras disponíveis. (…) Foi exatamente isso que aconteceu com a Internet em 1999, veículos autônomos em 2017 e agora a IA generativa em 2024”.
Em julho, Emad Mostaque, fundador e ex-CEO da Stability AI, uma das pioneiras do uso de IA ao público, disse a banqueiros: “Acho que esta será a maior bolha de todos os tempos. (…) Eu chamo isso de bolha ‘ponto AI’, e ela nem começou ainda”.
Se junta aos olhares céticos uma análise do Banco Central Europeu, publicada em novembro. Segundo os analistas, se as expectativas exageradas dos investidores não forem atendidas em breve, uma bolha logo deve estourar — e deve afetar até empresas de outros setores.
“Essa concentração entre algumas poucas grandes empresas levanta preocupações sobre a possibilidade de uma bolha de preço de ativos relacionada à IA. (…) Além disso, em um contexto de mercados de ações globais profundamente integrados, isso aponta para o risco de transbordamentos globais adversos.”
Gastos exorbitantes
O ceticismo tem relação com os gastos exorbitantes de investimento e pesquisa e infraestrutura para a IA operar, ainda sem indícios que darão retornos extraordinários. Previsões otimistas apontaram um gasto de US$ 1 trilhão nos próximos anos só com data centers, servidores e aplicativos. A IA até foi protagonista de uma nova corrida para construção de usinas nucleares.
Por enquanto, os resultados obtidos pela IA na rotina de muitas empresas é, no máximo, modestos. Em um dos casos mais famosos, uma gigante farmacêutica cancelou a assinatura do Office Copilot — o pacote Office corporativo da Microsoft com serviços de IA, que custa o dobro do preço — por funcionamento aquém do esperado.
Segundo o Business Insider, o chefe de TI da empresa classificou as ferramentas de slides feitas pelo Copilot de “apresentações do ensino fundamental”, e acrescentou: “E realmente não vemos o valor que estamos obtendo dessas ferramentas valendo o dobro”.
Mesmo os próprios funcionários da Microsoft não parecem exatamente animados com a maioria das ferramentas de IA na forma como elas funcionam hoje, baseadas nos modelos de aprendizado da OpenAI. “Cerca de um em cada 10 resultados é mágico. No resto das vezes, nos perguntamos ‘Por que tentamos?’”, disse um executivo da Microsoft ao Business Insider. Ainda assim, muitos deles estão otimistas quanto a melhorias da ferramenta.
Mas, melhorar os atuais modelos de inteligência artificial pode ser ainda mais caro, já que as principais empresas do setor apontam que os métodos atuais de treinamento das ferramentas podem estar no limite. Como aponta a Reuters:
“As chamadas ‘execuções de treinamento’ para grandes modelos podem custar dezenas de milhões de dólares ao executar simultaneamente centenas de chips. Elas têm mais probabilidade de ter falhas induzidas por hardware, dada a complexidade do sistema; os pesquisadores podem não saber o desempenho final dos modelos até o final da execução, o que pode levar meses.”
Como a Bolha PontoCom, é provável que as gigantes sobrevivam, enquanto investidores perdem dinheiro e empresas menores sumam da noite para o dia — e todos ajustem as expectativas quanto ao que a IA pode oferecer. Um ciclo relativamente normal das empresas de tecnologia.