Assassinato de CEO nos EUA mostra como armas impressas em 3D são uma ameaça global
Segundo policiais, suspeito Luigi Mangione utilizou uma arma caseira com partes de plástico para matar bilionário
Muitas coisas aconteceram entre o assassinato de Brian Thompson, CEO da empresa de seguros de saúde UnitedHealthcare, e a captura de Luigi Mangione, acusado de cometer o crime. Toda a história parece uma ficção online elaborada: as motivações do homicídio, o visual chamativo e até a prisão dele, denunciado por um funcionário enquanto ele comia um lanche qualquer em um McDonald’s.
Descobrimos também que o suspeito usou uma arma e um silenciador impressos em 3D para cometer o crime, segundo investigações — que informaram que o dispositivo tinha cabo de plástico, um slide de metal e um cano de metal rosqueado. Segundo o New York Times, a arma provavelmente é uma Chairmanwon V1, que copia parte do design da Glock.
ABC News has obtained this image of the ‘ghost gun’ recovered from the Luigi Mangione in Altoona, PA. pic.twitter.com/9MgZFv3I6M
— Erielle Reshef (@ErielleReshef) December 9, 2024
Armas caseiras do tipo podem ser compradas, peça por peça, nos Estados Unidos sem grandes problemas, ou impressas em uma impressora 3D. Como é de se esperar, são equipamentos muito difíceis de rastrear e é exatamente por isso também são chamados “armas fantasmas” por investigadores norte-americanos. No entanto, nem todas elas são totalmente impressas em 3D: em boa parte dos casos o foco é imprimir a armação — a parte inferior da arma, que nos EUA deve obrigatoriamente conter um número de série — para burlar legislações de controle de armas do país.
“Se a arma usada no assassinato de Nova York realmente tiver sido impressa em 3D, certamente seria o crime de maior repercussão já cometido com uma, e seria um entre um pequeno número no geral”, disse Tom Chittum, ex-chefe adjunto do Escritório de Álcool, Tabaco, Armas de Fogo e Explosivos, em entrevista ao New York Times.
Embora policiais dos Estados Unidos digam que ainda é bastante raro encontrar armas fantasmas em cenas do crime, o uso dela representa preocupações cada vez maiores entre forças de segurança ao redor do mundo.
Preocupações globais
A primeira arma de fogo impressa em 3D totalmente funcional foi criada por Cody Wilson, estudante de direito da Universidade do Texas e ativista de liberação de armas. A criação da Liberator, de plástico, causou temores com relação a contrabando e segurança de fronteiras — embora o cano de disparo e as munições sejam de metal e podem ser detectados. No fim, a arma era mais simbólica do que qualquer coisa, uma vez que não foi considerada confiável e muito menos durável.
No início de 2020, surgiu em fóruns online a FGC-9, uma arma semiautomática criada por um militante europeu que atendia pelo pseudônimo JStark1809. Não demorou e ele divulgou o código de criação do dispositivo para todos. O projeto alcançou o feito de dispensar totalmente componentes fabricados pela indústria de armamento, reaproveitando itens que podem ser comprados abertamente e sem regulamentação.
“O controle de armas está morto, e nós o matamos”, afirmou JStark1809, orgulhoso e mascarado, em uma entrevista divulgada em um canal do YouTube. É uma frase que soa exagerada, mas não está longe da realidade.
Autoridades policiais de várias regiões do mundo já apreenderam cópias da FGC-9 com mafiosos, e guerrilheiros de Mianmar usam versões modificadas da arma para combater o governo militar que deu um golpe de Estado no país, em 2021. No Reino Unido e Finlândia, policiais prenderam integrantes de grupos extremistas que divulgaram o uso de armas do tipo.
Aspirante a terrorista
Em 2021, uma matéria da revista alemã Der Spiegel revelou que JStark era conhecido como “Jacob D.” e havia morrido no início daquele ano. Assim como sua presença online, na morte ele também esteve envolto em mistério: policiais invadiram seu apartamento, encontraram provas de seu envolvimento com impressão de armas, o liberaram sob investigação um dia depois, e ele apareceu morto dois dias mais tarde.
Como era de se esperar, uma série de conspirações foram escritas sobre a causa da morte dele — suicídio e assassinato foram descartados, e restou algum problema de saúde. Em alguns veículos de imprensa, foi divulgado que ele teve um ataque cardíaco.
Uma longa investigação do pesquisador Rajan Basra, no site The Conversation, revelou que Jacoc D. era Jacob Duygu, um filho de imigrantes curdos que morava na Alemanha e sempre expressou na web o desejo de morar nos Estados Unidos, além de ter servido nas Forças Armadas alemãs. O site identificou nas conversas e comentários anônimos de Jacob bastante extremismo e aspirações terroristas, algo que ele cuidadosamente escondia em suas entrevistas como JStark.
Apesar de morto, o legado de Jacob se mostra difícil de combater. Um relatório do Departamento de Justiça dos EUA afirmou que foram apreendidas 25.785 armas fantasmas em 2022 somente no país — em seis meses do ano seguinte foram outras 10 mil armas do tipo. Outras 3.500 foram apreendidas internacionalmente por autoridades norte-americanas.
Não é por acaso de que as autoridades federais do país classifiquem o problema das armas fantasmas e não rastreáveis como “uma grande ameaça à segurança pública”.