Chris Stapleton “Starting Over”: Country Music levada a sério
Com um gosto docemente amargo, Chris Stapleton nos leva ao íntimo de suas dores e frustrações
Toque Toque|LEO VON, do R7
“Um nó na garganta”. É assim que começa a descrição do novo album do norte americano, Chris Stapleton. O cantor e compositor de Country Music, é um dos maiores sucessos dos Estados Unidos desde seu primeiro disco “Traveller” de 2015, passando por uma ascensão vertiginosa saindo dos estúdios e salas de composição de Nashville para os maiores palcos da América. Essa fama estrondosa não foi repentina, e já com seus 37 anos de idade o músico chegou onde a maioria dos 30,000 novos residentes anuais da capital do Tennessee almeja. Isso sem contar as parcerias com Justin Timberlake, John Mayer, Ed Sheeran e Bruno Mars.
Com um gosto amargo e adocicado, Chris Stapleton nos leva ao íntimo de suas dores e frustrações pelo prisma de alguém que, agora aos 40, não enxerga mais a vida por olhos de quem sonha com o sucesso. Nashville acabou como seu bode expiatório, nítido em músicas como “Starting Over” (Recomeço) e “Nashville, TN”. O disco demorou dois anos para ser produzido, o que possibilitou, também, canções que não se tornam obsoletas, aquelas que mesmo após meses ou anos, ainda fazem sentido ao compositor. Os Heartbreakers, Benmont Tench e Mike Campbell, integrantes da banda de Tom Petty, contribuem com suas genialidades no órgão e guitarra respectivamente, dando aquele sabor extra de nostalgia romântica à sonoridade vintage que propõe o album.
Pelas 14 faixas ouvimos nuances e estilos de Country, Americana, Soul, Blues e Southern Rock, já uma marca registrada nos trabalhos anteriores, como o brilhante “Traveller” (Viajante) e o duplo “From a Room: Volume 1” e Volume 2 (Da Sala A, em referência ao famoso estúdio Nashville’s RCA Studio A), ambos produzidos por Dave Cobb. Agora em seu quarto LP, pela primeira vez, Stapleton tenta transferir a produção para outro ícone da música americana, o Muscle Shoals Sound no Alabama. Tenta, porque no final, após constantes “acontecimentos” como queda de energia elétrica, dificuldades em encontrar o som da sala e paradas repentinas, atrapalharam o fluxo processo de criação e acabaram voltando ao Studio A no Tennessee. Segundo o produtor Dave Cobb, o processo de gravação que geralmente demora dias, acabou levando anos.
A faixa de abertura que dá nome ao album fala sobre recomeço. O violão e a percussão abrem com uma simplicidade rítmica que transmite com toda sua pureza um sentimento de esperança para novos tempos. Esperança essa, de começar de novo, noutro lugar. “A estrada vai ao longe como um tapete de boas-vindas, para um lugar melhor do que o que estamos hoje”. E assim a música cresce enquanto se torna familiar. O tema rítmico e harmônico sempre presente, e a melodia de um blues contemporâneo em espírito country traz o conforto da familiaridade unida à expectativa por dias melhores.
A terceira faixa, “Cold” é brilhante. Chris Stapleton e Dave Cobb não estão tentando reinventar a roda, e é na simplicidade que está a genialidade. A canção é triste, sofrida, aperta a alma e traduz um coração partido. A interpretação do cantor e o arranjo de cordas trazem o verdadeiro sentimento do blues ao século 21. Aqui, também, é familiar, nostálgico, mas é gelado e dá frio na espinha. O som e a intenção da bateria lembra a excelente versão de “Tennessee Whiskey” do seu album de estréia, mas está mais dramática e mais seca. “Cold” é uma canção concisa, bem direcionada, e muito bem produzida.
Já usei o termo familiar algumas vezes, e em alguns casos essa familiaridade é excessiva. Não me refiro às versões de “Joy of my Life” do fundador do Creedence, John Fogerty, nem mesmo “Worry B Gone” de Guy Clark. “Maggie’s Song”, uma letra extremamente tocante sobre sua cachorrinha Maggie que depois de anos na família morreu no seu colo, é capaz de fazer qualquer um chorar, inclusive eu. Mas isso se a melodia não fosse tão “familiar” como a clássica de The Band “The Weight”, trilha do filme Easy Rider de 1968. É parecida até demais...
“Devil Always Made Me Think Twice”, “Worry B Gone” e “Arkansas”, principalmente, nos fazem refletir se o Rock realmente está morto. Com espírito livre, como o rock’n roll deve ser, lembramos dos grandes nomes do Southern Rock como Lynyrd Skynyrd, The Allman Brothers, Molly Hatchet e, porque não, de Tom Petty, já que temos a presença de dois integrantes dos Heartbreakers. Em “Hillbilly Blood” e “Whiskey Sunrise” a sonoridade do Outlaw Country parece nos levar aos pântanos do sul dos EUA. “Watch You Burn” é particularmente especial, numa espécie de condenação musical ao assassino e terrorista Stephen Paddock, que em 2017 matou 60 pessoas e feriu 867 durante o festival de musica Route 91 Harvest em Las Vegas.
“When I’m With You” e “Nashville, TN” são como reflexões biográficas. A primeira é dedicada à sua esposa Morgane Stapleton, que também é sua parceira de composições e contribui com sua voz nos backing vocals de todos os discos e shows do artista. Já “Nashville, TN”, em tom de despedida, dá adeus à cidade que até então proporcionou suas maiores conquistas, e agora o decepciona. É quase como um relacionamento amoroso que chega ao fim.
“Starting Over” é um ótimo disco, íntimo e pessoal. Pelo dinamismo e variedade de temas dentro do “universo Chris Stapleton”, não decepciona, e o estabelece em sua posição de maior artista country da atualidade. Li outro dia um artigo que dizia “Até quando a Country Music vai depender do Chris Stapleton para se manter relevante”? O tempo dirá.
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