Clássicos: Ozzy Osbourne "Blizzard of Ozz"
Medos, identidade e um coração partido. Ozzy Osbourne e meus primeiros passos como fã de Heavy Metal
Toque Toque|LEO VON, do R7
O ano era 2002, estava no primeiro ano do Ensino Médio e tinha 14 anos. Minha banda tinha passado pela primeira mudança e estávamos começando a ampliar um pouco nossas influências musicais. Nós já não tocávamos somente Beatles, também arriscávamos Paul McCartney solo e Wings! Super ousado, diferente, não é? Ironias à parte, era interessante ver que cada membro estava começando a tender para um lado diferente dos outros. O baterista estava ouvindo mais Toto e Bryan Adams, o guitarrista Yes, o baixista gostava de Cake e eu ainda só nos Beatles e Paul. Nada mais me interessava tanto… Mesmo assim, a gente começou a esboçar outras ideias com o que mais poderíamos tocar nos shows. Colocamos The Who, Rolling Stones, The Hollies, Kinks, Creedence e até um Oasis, tudo bem estilo anos 60.
Na escola, meu amigos gostavam de Iron Maiden, Guns’n Roses, Nirvana, Metallica e Slipknot. Eu achava aquilo tudo muito chato. Preferia ouvir Helter Skelter, um milhão de vezes no repeat. Um dia, minha banda e eu, tocamos na minha escola num festival de bandas, e para minha surpresa, todos gostaram muito, até os professores, tanto é que vencemos o concurso. Nesse show, vi uma garota que nunca tinha visto no colégio. Ela tinha o cabelo ruivo, estava vestida toda de preto, delineador nos olhos e um piercing no nariz. “Preciso muito saber quem ela é”, pensei. Ela já era conhecida como a menina “dark” da escola e aparentemente só curtia heavy metal. Percebi que pra ter assunto com ela, precisava pelo menos entender o que ela ouvia.
Minha banda e eu fomos tocar num Bar Mitzvah em São Paulo, e nesse show faríamos somente Beatles, banda preferida do aniversariante. Fomos almoçar num Shopping da Avenida Paulista e lá tinha um cara que aos domingos, vendia discos de vinil usados. Com meus dedos caminhando pelas bordas dos LPs me deparei com uma capa extremamente sinistra. Era um cara muito estranho no chão, segurando um crucifixo e usando uma capa vermelha, possivelmente dentro de uma igreja abandonada, um gato preto, chifres e uma caveira, tudo ao redor dele com bastante neblina. Acho que não tinha como ser mais “dark” que aquilo. O nome: “Ozzy Osbourne - The Blizzard of Ozz”. A capa estava amassada no meio. O disco tinha alguns riscos, mas por R$ 5,00 não ia deixar passar. Comprei e após o show, foi imediatamente o que fiz quando cheguei em casa, ouvi Ozzy pela primeira vez.
Acho que minha vontade de impressionar a menina era tão grande que tentei ouvir com a mente muito aberta, totalmente sem preconceitos. Mas era difícil. Estava um pouco receoso, claro, era um território que não conhecia. Nada das coisas que meus amigos da escola ouviam parecia tão tenebroso como aquela capa macabra. Não era uma ilustração como a maioria das artes dos discos do estilo que eu já tinha visto, como os do Iron Maiden, era um cara bizarro mesmo. A primeira faixa era “I Don’t Know” (Eu não sei). Um barulho como um eco veio crescendo pelos falantes, bem lentamente, um som bem obscuro, e de repente uma guitarra bem distorcida. “Pooooooon! Paaan Pampanan pananan pananana naaaaan”! Logo em seguida a bateria e o baixo entraram juntos e aí foi impossível não balançar a cabeça. A voz do Ozzy penetrava nos meus tímpanos como uma agulha quente e foi até meu cerebelo como uma longa pluma fazendo cócegas na minha medula espinhal. Era ruim? Era bom? Eu não sabia, mas de novo, era impossível não balançar a cabeça, e cada vez mais difícil controlar. E assim, nascia um jovem headbanger*.
*Do inglês: “balançador de cabeça. Apelido de quem gosta de heavy metal
Depois de ouvir a música, não achei nada de macabro nem sinistro, era simplesmente um estilo de execução sonora mais barulhento do que estava acostumado. As guitarras eram muito, muito boas, e a construção era bem popular, tinha uma certa influência melódica das coisas que eu já gostava dos anos 60. “Crazy Train” foi a faixa seguinte. “All aboard! Ha Ha Ha Ha”, num grito antes da música (Todos a bordo). Suspense novamente, dessa vez no riff de guitarra. Vai, não vai? Vai, não vai? Foi… Que introdução espetacular! Quando a banda entrou por completo me entreguei de vez. Não dava pra ficar parado, era uma sensação de força, alegria, êxtase. É o puro poder da música. Que demais… Eu estava ouvindo Heavy Metal, e estava amando!
“Goodbye to Romance” era uma música romântica! Como assim? Não era metal? Melodia bonita, levada mais calma, guitarra limpa e uma linha de baixo bem Paul McCartney, parecia algo que os Beatles fariam. Adorei. O disco foi tocando, eu me apaixonando e pensando que segunda-feira teria assunto pra conversar com a ruivinha. Foi então, de repente, que entendi de onde vinha a inspiração tão sombria para aquela capa, “Mr. Crowley”. Um órgão de igreja começa em alto som, parecia algo de um filme de terror dos anos 30, tipo o Fantasma da Ópera ou Drácula, lembrando Tocata e Fuga em Ré Menor de Bach. Sinistro… Lindo! Imediatamente passou a ser minha faixa preferida do Álbum seguida de “Revelation (Mother Earth)”, que é quase um épico bíblico musical sobre o fim dos tempos e a destruição do planeta terra pelas mãos do homens, ganância, ódio e guerras. Praticamente uma música hippie, só que muito mais pesada.
A banda “solo” de Ozzy Osbourne, Blizzard of Ozz, era um projeto em andamento desde 78, quando deixou o Black Sabbath por 3 meses até retornar e gravar “Never Say Die”, seu ultimo álbum com eles. Em 1979, Ozzy foi expulso de vez do grupo e entrou numa espiral de auto-destruição, pois achava que sua carreira tinha acabado para sempre. Seu empresário, Don Arden, pai de sua futura esposa, Sharon (que também se tornou sua empresária), não o deixou desistir, conseguiu um contrato com outra gravadora e voltaram ao projeto solo iniciado em 78. Dessa vez, juntou-se com Randy Rhoads (fundador do Quiet Riot), um dos mais importantes guitarristas do estilo que até então era desconhecido pelo grande público, Bob Daisley (Rainbow e Uriah Heep) no baixo, Lee Kerslake (Uriah Heep) na bateria, e Don Airey (Rainbow e, no futuro, Deep Purple) nos teclados para formar o grupo Blizzard of Ozz. O álbum, gravado em 1980, seria da nova banda, mas acabou se tornando o primeiro álbum solo de Ozzy Osbourne. Foi um grande sucesso comercial chegando à disco de 5x Platina e considerado pela Rolling Stone como o álbum 9 dos “100 maiores discos de Metal de todos os tempos”, o pontapé inicial para uma carreira solo longa, sólida e duradoura.
Eu acabei não tendo sorte com a garota na escola… Mas apesar do coração partido, ganhei meu ingresso para um dos estilos musicais que mais me influenciaram e ensinaram. Na banda, encontrei minha tendência musical e identidade, passei a ser o cara do Metal e do Hard Rock. Se os Beatles e os anos 50 me deram toda a base, o Heavy Metal me deu os ornamentos e a força que precisava para decidir 100% que seria músico. Tirou meus medos, preconceitos e de quebra ainda deixou meus pais e vizinhos completamente loucos com tanto barulho que passei a fazer e ouvir desde então. Obrigado Ozzy Osbourne, e obrigado à ruivinha, que me deu o primeiro de muitos foras que levei na vida.
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