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Um bom cantor precisa cantar bem? 

Já viu um artista que você considera a voz péssima fazer o maior sucesso? Ou já se apaixonou pela música de quem tinha certeza que cantava mal? Afinal, o que é um bom cantor?

Toque Toque|LEO VON, do R7

Geddy Lee, Johnny Rotten, Bob Dylan, Katy Perry
Geddy Lee, Johnny Rotten, Bob Dylan, Katy Perry

Em bandas, duplas, trabalhos solo, geralmente os cantores, crooners, vocalistas, têm a função designada pela mídia, às vezes pelos próprios fãs, como líder, porta-voz e personagem principal. São raros os casos como o Ac/Dc, em que o guitarrista (no caso, Angus Young) aparece como figura central nas capas de disco, promoções de shows e entrevistas. O vocalista é o interlocutor das mensagens, seja pelas letras das músicas ou por seu comportamento dentro e fora dos palcos. Por esse preceito, muitas pessoas gostam ou não gostam de certas bandas e artistas, dependendo quase que exclusivamente de afinidade sonora ou comportamental dos cantores. Isso é muito comum, e eu não me excluo dessa regra. Por muito tempo durante minha formação musical, não conseguia ouvir Guns’n Roses porque nunca gostei do Axel Rose. Achava ele tosco. Isso mudou com o tempo e “Appetite For Destruction” passou a ser um dos meus discos preferidos. Mais recentemente, John Mayer me irritava muito com sua versão ao vivo de Free Fallin’. Claro, isso era causado também por um ciúme da minha esposa, então namorada, que ama o cara e ouvia essa música com o volume no talo sempre que estávamos juntos. Tanto é que fiz minha própria versão e dei pra ela de presente de aniversário, só pra provar que cantava melhor essa música que ele. Que vergonha… Hoje eu acho John Mayer o máximo dos máximos, não só como compositor e guitarrista (absoluto gênio), mas também na voz. Essa minha infantilidade se tornou uma lição importante e uma reflexão que tenho constantemente. Um bom cantor, precisa cantar bem?

O que é cantar bem e o que define um bom cantor? É a afinação, timbre, interpretação, extensão vocal, quantidade de melismas (aquelas técnicas às vezes exageradas, muito usadas por grandes artistas como Whitney Houston e Mariah Carey), ou um conjunto de todas elas? Quando a gente assiste um reality show musical na TV, a gente sabe na hora quem é “bom” e quem é “ruim”, não é? Muitas vezes vemos os jurados dizendo poucas e boas, algumas verdades e alguns exageros sobre os calouros. Já imaginou o Johnny Rotten (John Lydon) da banda Sex Pistols participando de um programa desses? Ele seria escorraçado imediatamente. E um dos maiores ícones do Jazz, Louis Armstrong? Ah, mas esses programas não são para esse tipo de música. Ok, e quanto à Katy Perry? Hoje ela é jurada do American Idol, e quem já ouviu ela cantando ao vivo, sem os softwares de correção das notas, com certeza se assustou com a afinação. Provavelmente ela não aprovaria ela mesma para uma próxima etapa. Não me entenda mal, eu adoro a Katy Perry, principalmente seus dois primeiros álbuns “One of the Boys” e “Teenage Dream”, assim como amo Sex Pistols e Public Image Ltd do Johnny Rotten. Mas então por que eles são bons cantores?

Rush. Maravilhoso, lindo, amado Rush… Muita gente, inclusive grandes fãs de Rock e Rock Progressivo não conseguem gostar deles por causa da voz do baixista e vocalista da banda, Geddy Lee. Aí entramos numa discussão interessante. Ele é um cara que não desafina, tem uma extensão vocal invejável e sua interpretação é sempre excelente. A questão está no timbre. Timbre é o que define e diferencia sons de mesma frequência. A nota Dó no piano é diferente da nota Dó no violão. A vibração das cordas e o formato acústico dos instrumentos são bem diferentes por isso produzem sons distintos e reconhecíveis pelo nosso ouvido. O mesmo acontece com as cordas vocais. Idade, gênero, hábitos, contribuem para a fisiologia das cordas, assim como a impostação (forma como o som é projetado pela nossa voz e nosso corpo) pode mudar muito essas frequências. No caso do Geddy Lee, seu timbre tem muita presença numa área específica do espectro de frequências, e isso pode desagradar certos ouvidos. Da mesma forma que um cachorro consegue ouvir sons que não conseguimos, algumas pessoas têm mais sensibilidade auditiva, ou simplesmente não gostam daquele timbre e pronto. Isso acontece também com o Ozzy Osbourne e James LaBrie do Dream Theater. Mas então como esses caras são tão importantes para a história da música e cantando com esses timbres “chatos” venderam tantos discos e lotam estádios até hoje?

Tom Petty and the Heartbreakers foi uma das bandas mais bem sucedidas dos anos 70. O carisma e presença de Tom Petty era tão magnética que a banda, então chamada Mudcrutch, teve que mudar o nome e colocar o vocalista como centro das atenções. Mas Tom Petty cantava bem? Seu ídolo, e um dos maiores compositores de todos os tempos, Bob Dylan, fez e faz muito sucesso como cantor, além de compositor. E Elvis Costello. Os três têm estilos parecidos, com aquela voz meio nasalada que parece não ter tanta sustentação e oscila de forma estranha a cada mudança de nota. Joey Ramone dos Ramones é outro que pode entrar nessa lista, e David Bowie também. Todos eles fizeram história, são reverenciados, idolatrados, e o mais importante: são únicos.

Cheguei à conclusão de que um bom cantor é aquele que emociona. Emoção, seja ela amor, ódio, tristeza, alegria, fúria, profundo relaxamento ou euforia. Quando as letras têm seu significado amplificado, quando sentimos e vivenciamos uma música por completo, quando encontramos sentido, direção, identidade pela voz, sabemos que o cantor fez bem o seu trabalho. Não importa se todas as notas estiverem desafinadas, se o timbre é “chato”, se a voz é nasalada ou fica numa nota só. Se aquela música ou aquele estilo são complementados e, consequentemente definidos por aquela voz, temos um bom cantor. Gosto é gosto, e mesmo com esse pensamento muitos vocalistas e muitas bandas não vão conseguir tocar nosso coração. Mas isso pelo menos pode nos ajudar a entender porque muitos artistas que consideramos péssimos cantores, conseguem atingir tanta gente e fazer tanto sucesso. Talvez eles não estejam cantando pra a gente. Por isso, o público para o qual eles estão cantando merece nosso respeito, independente do nosso gosto. Cabe à você, consumir, apoiar e ajudar os artistas e suas vozes, que falam e cantam aquilo que você gosta, quer e precisa ouvir. Fica a dica…

Os textos aqui publicados não refletem necessariamente a opinião do Grupo Record.

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