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O Caipira e a Pimentinha

A história de Diogo Mulero, o Palmeira. O caipira que virou diretor de gravadora, descobriu talentos e deu oportunidade a Elis Regina.

Viola no Pedaço|Daniel MartinsOpens in new window

A INFÂNCIA

Uma mente cheia de genialidade! Assim eu exemplifico a grandiosidade de Diogo Mulero, o mito que ficou conhecido como Palmeira. Natural de Lençóis Paulista, no interior do Estado de São Paulo, Diogo nasceu em uma fazenda chamada Palmeira, por isso adotou este nome na vida artística.

O ano era 1918. A região do interior paulista era repleta de fazendas produtoras de café que acolhiam colonos vindos da Europa, como foi o caso dos pais do Palmeira. A fazenda Palmeira ficava em um pequeno distrito de Lençóis, Borebi, que em 1990 foi emancipado tornando-se município.

Palmeira arquivo pessoal

João e Assunção vieram da Espanha para cá em busca de uma nova vida. O mundo estava sombrio. A gripe espanhola assolava a Europa e a Primeira Guerra Mundial não havia terminado. A Espanha, mesmo neutra, sofreu as consequências do conflito. Por isso, o Brasil foi escolhido como novo lar da família Mulero. Diogo foi o primeiro filho do casal.

E olha só que privilégio! Recentemente, tive a felicidade de conversar com uma das filhas do Palmeira, Cláudia Fleming Mulero. Sim, Fleming! Por parte de mãe, os laços familiares chegam a Alexander Fleming, o cientista britânico que descobriu, por acaso, a penicilina.


Mas, nossa conversa foi sobre música, a música do pai dela, a música do Palmeira! Cláudia fala do pai com orgulho e revela que somente há alguns anos é que soube da grandeza do homem por trás dos afetos paternos.

Cláudia Fleming Mulero, filha do Palmeira foto gentilmente cedida

Palmeira era caipira com louvor, tinha hábitos interioranos e um desejo insaciável de buscar por conhecimento. Tanto é verdade que se alfabetizou sozinho. E foi na roça, nos serões de fim de tarde, nas rodas em volta das fogueiras apreciando duplas regionais cantarolando, que Diogo tornou-se o Palmeira artista. Homem de ouvido cirúrgico, mesmo com a orelha mutilada por um cachorro na infância.


A primeira dupla de Palmeira foi ao lado de Piraci, em 1939, no entanto, a foto acima é uma curiosidade. Nela, Palmeira (à direita) aparece ao lado de Cuiabá. Palmeira e Cuiabá não chegaram a gravar. página: Palmeira Cantor e Compositor - Diogo Mulero

ELE TINHA UM DOM...

Mente aberta para deixar fluir a inspiração! Ele tinha facilidade para compor, seja qual fosse o momento. Claudia conta que até papel de pão servia para rabiscar algumas frases que, em seguida, ganhavam vida nos acordes do violão.

Homem sofrido, sim. O pai era enérgico, até além do ponto. Isso lhe rendeu alguns traumas. Palmeira tornou-se um homem de poucas palavras, sério, pensativo e preocupado.


A GRANDE INSPIRAÇÃO

Em Ouro Fino, Minas Gerais, conheceu sua grande musa inspiradora. Ele estava de passagem pela cidade quando viu uma bela jovem no balcão de uma venda. O jovem caipira aproximou-se, como quem não quer nada, e perguntou-lhe o nome. Argemira Fleming, ela respondeu. E ali os corações se entrelaçaram.

Argemira Fleming Mulero, esposa do Palmeira foto gentilmente cedida por Cláudia Fleming Mulero

“A minha avó morava ali na rua principal. É uma quadra do centro, duas quadras, e minha avó tinha aberto uma venda pro meu tio na parte lateral da casa. E era hora do meu tio almoçar. Então, a minha avó autorizou minha mãe a ficar ali na venda só enquanto o irmão dela almoçava, né? Daí o papai passou lá.” (Cláudia)

Foi amor à primeira vista. Cláudia conta que Palmeira passou pela cidade para se apresentar em um circo e acabou perdidamente apaixonado. Ele, inclusive, convidou a moça para o show.

“Ele falou pra ela assim: ‘olha, eu vim me apresentar no circo, você não gostaria de assistir? Então, ele deu os ingressos pra mamãe. Só que a minha avó não deixou, e ela não foi.” (Cláudia)

Palmeira voltou à venda no dia seguinte e não encontrou mais a jovem. Que tristeza! Um tempo depois, descobriu que ela havia partido para o Rio de Janeiro com o tio, que era do Exército.

Argemira Fleming Mulero, esposa do Palmeira foto gentilmente cedida por Cláudia Fleming Mulero

O namoro demorou a se desenrolar. A distância era um problema, mas Palmeira não desistiu e o casamento aconteceu. O casal teve quatro filhos: Sadal, Paula, Cláudia e Jairo. Palmeira estava realizado! Tinha uma família, uma bela casa, um possante importado invejável, propriedades e o sítio que tanto amava em Ouro Fino.

Palmeira tinha paixão por animais e os animais tinham paixão por ele. E não era só isso: Palmeira era realmente desprendido de bens materiais. Ele não gostava de receber prêmios e ajudava financeiramente quem o procurasse.

“Uma vez ele ajudou um rapaz na porta de casa. Ele tinha vindo de outro Estado pra arrumar trabalho e não tinha conseguido. Estava faminto, sem dinheiro. Papai pegou um dinheiro e disse: ‘pega um ônibus, volta pra sua casa, esse dinheiro vai dar pro senhor comprar comida para seus filhos e viver bem um tempo até conseguir emprego.” (Cláudia)

Palmeira e Biá - arquivo pessoal

O CHEFE

Na vida artística, Palmeira brilhou e chegou à prateleira de cima! Marcou o nome na história com todos os parceiros que teve: Luizinho, Biá, Piracy. Quando gravou o bolero, Boneca Cobiçada, foi uma “bomba”. Nova Flor, em parceria com Mário Zan, virou sucesso internacional. Mas, Palmeira tinha muito mais a oferecer; os palcos eram meros divertimentos! Primeiro, virou diretor-artístico da RCA Victor. Depois, diretor-geral em uma das mais importantes gravadoras da época, a Chantecler.

Palmeira e Biá tinham a alcunha de "Os Coronéis do Sertão" arquivo pessoal - Daniel Martins

O ouvido apurado de Palmeira e o olfato para o sucesso lhe renderam feitos extraordinários.

“O Teixeirinha tinha vindo para São Paulo para querer gravar, mas só ficou na miséria porque ninguém queria saber dele. Ele queria que a música dele, Coração de Luto, que fez em homenagem à mãe que morreu em um incêndio, fizesse sucesso. Papai via o que ninguém via. Resultado: ele convenceu o dono da gravadora a bancar o disco. E ainda disse: ‘se não virar, pode descontar do meu salário!’. E estourou mesmo! Com o dinheiro da primeira tiragem, Teixeirinha comprou uma fazenda.” (Cláudia)

Teixeirinha

Palmeira era descobridor de talentos. Lançou Lindomar Castilho, Valdick Soriano, The Jet Blacks, Altemar Dutra, Sérgio Reis e até Elis Regina.

Em 1961, Palmeira foi trabalhar em outra grande gravadora, a Continental. E naquele mesmo ano, a “A Pimentinha” deu as caras por lá. Elis Regina era uma adolescente talentosa, mas os donos da gravadora estavam com o pé atrás. Ela veio como um desafio, e Palmeira gostava de ser desafiado. Naquele ano estreava no disco uma das maiores cantoras de todos os tempos; e foi o Palmeira quem deu o empurrãozinho! O LP “Viva a Brotolândia” foi lançado para competir com Celly Campello.

Palmeira, já no posto de diretor-geral da Continental, ao lado de Elis Regina. arquivo pessoal

Palmeira dividia a vida entre diretor de gravadora, cantor, pai e esposo. Gostava de ouvir Elvis Presley nas horas vagas; admirava a voz do Rei do Rock! Um dia, Palmeira chamou a atenção de um maestro, durante a gravação da ópera, O Guarani, de Carlos Gomes.

“Tinha um instrumento, no meio daquela orquestra imensa, que não estava soando muito bem. Nem mesmo o maestro havia percebido, mas o papai não deixava passar nada.” (Cláudia)

Palmeira e Piraci - arquivo pessoal

OS ÚLTIMOS ANOS

Palmeira percebeu que não estava bem, quando começou a perder a voz. Ele decidiu procurar um médico, mas já era tarde. O câncer já estava avançado.

“Eu me lembro da gente assistindo tv em casa. Aí, papai se levantou e ouvimos um barulho; ele tinha caído. O barulho que ouvimos era dos ossos quebrando, o câncer estava matando ele. Lembro que o hospital mandou aparelho de raio-x em casa. Colocaram papai em cima da mesa, estava todo imobilizado.” (Cláudia)

Palmeira arquivo pessoal

A lenda sabia que estava tombando. Pouco tempo antes do triste episódio dos ossos, recusou proposta para abrir uma gravadora ao lado de Abelardo Barbosa, o Chacrinha.

“O Chacrinha e o papai eram grandes amigos. Um dia, ele chamou o papai e falou: ‘eu entro com o dinheiro e você com o seu talento pra direção’. Até o Roberto Carlos foi falar com ele, mas o papai respondeu: ‘agora é muito tarde, já estou indo’.” (Cláudia)

Palmeira estava internado no hospital AC Camargo, em São Paulo, quando morreu em 28 de junho de 1967, com apenas 49 anos de idade. Ele deixou a esposa, que chamava carinhosamente de Nenzica, e os quatro filhos.

Palmeira, Zezinha e Luizinho arquivo pessoal

Calou-se o homem e ficou a fama. E até hoje falamos de Palmeira... com muita saudade!

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