Casa onde morou Portinari mantém viva a obra do pintor brasileiro
A residência em que ele morou durante toda a infância e adolescência é há muitos anos um bem conservado museu na cidade de Brodowski (SP)
Virtz|Eugenio Goussinsky, do R7
Infância, memória, mata verde, interior, pássaros, volumosas árvores que cercam três casas amarelas, amplas e conjugadas. Da janela da cozinha, se vê o grande quintal dos fundos, de onde se originam trilhas floridas por entre as construções térreas. As conversas do passado parecem ainda estar em algum lugar.
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A mãe fazendo a comida no fogão a lenha, cantando cantigas populares. Antigas. A tarde passa, como uma tela movediça, se consumindo em cores e se derretendo no vento que faz as folhas dançarem.
Da rotina na infância, a simplicidade se coloriu na sensibilidade. A inocência ganhou contornos imaginários. O medo deslizou em pinceladas cândidas de um menino que só fez contar sua história: Cândido Portinari (1903-1962).
A residência em que ele morou durante toda a infância e adolescência é há muitos anos um museu na cidade de Brodowski (SP), conjunto de poucas ruas retas e tranquilas, cujo núcleo está em uma grande praça, bucólica, em cuja lateral ficava a residência do pintor brasileiro.
Bem conservado, o local reúne passado e presente. É gerido pela ACAM Portinari (Associação Cultural de Apoio ao Museu Casa de Portinari), em parceria com o governo do Estado de São Paulo.
Evolução do pintor
Enquanto respeitosos passos ressoam no chão de madeira da antiga construção, a reflexão e a admiração vão dando as caras. A sala principal tem um retrato da família.
E uma boa parte das pinturas de Cândido, que reúnem toda a sua evolução como pintor, retrata aquele retrato de outra forma.
Como se elas materializassem, se é que é possível, o olhar do pintor, que na foto é apenas um menino ao lado de seus amados familiares.
Como eternizar a sensação de subir em uma árvore em busca de uma fruta; de brincar descalço na rua; de sentir dor com a pobreza e o sofrimento de vizinhos; com a rigidez da sociedade; de transitar o tempo inteiro na mistura de beleza e tristeza, encanto e desgosto, desejo de vida e consciência da morte?
Todos nós nos questionamos sobre isso. Assim como Portinari, que na pintura encontrou uma forma de tentar acolher essa necessidade.
Tradição e modernidade
No museu, a tradição se mescla à modernidade.
Numa sala, por exemplo, estão expostos pincéis de todos os tipos utilizados pelo artista, que naquela casa descobriu desde cedo a vocação para a pintura.
Em outra, há uma tela interativa na qual, com tecnologia, o visitante toca nas figuras (quadros do autor) em um jogo da memória.
Há outro painel que conta, com áudio e imagem, a vida do pintor a cada ano, que pode ser acionado com o toque na tela.
A pintura é mesmo uma viagem entre o que aconteceu, o que se sentiu e o que ficou no ar.
Tudo isso permanece naquela casa, entre aquelas árvores, no alarido dos pássaros.
E no encanto dos quadros.
Vocação para a arte
Filho dos imigrantes italianos Giovan Battista Portinari e Domenica Torquato, Portinari saiu de lá ainda adolescente.
Quando tinha 14 anos de idade, sem ter terminado os estudos, acompanhou uma trupe de pintores e escultores italianos que atuavam na restauração de igrejas.
E deslanchou a ponto de, com 16 anos, mudar de São Paulo para o Rio de Janeiro, onde passou a ter contato com a vanguarda artística brasileira, aprendeu e se descobriu, tendo ido estudar na Escola Nacional de Belas Artes.
Vieram a fama, os desafios, as viagens. Ele rodou o mundo, conheceu Nova York, criou o mural que até hoje decora um salão importante da ONU, ganhou prêmios, representou o Brasil, se apaixonou pela jovem uruguaia Maria Martinelli (1912-2006) em Paris.
Sem nunca deixar de voltar à terra natal que, de certa maneira, era representada em cada um de seus traços mundo afora.
A pintura de Portinari, um dos ícones do Modernismo, também tinha um cunho social, com o objetivo de denunciar e combater desigualdades.
A serviço da humanidade
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A missão de pintar o envolveu tanto que, mesmo ciente de que o chumbo das tintas o estava intoxicando, ele prosseguiu.
Ele morreu em decorrência desta intoxicação, mas viveu em função da pintura.
Era a forma de Portinari desintoxicar as suas angústias, purificar as suas vivências. Expor suas reminiscências. Desenhar sua existência.
Elevá-las a um patamar tão alto e profundo que, a serviço da humanidade, revelou a capacidade de cada ser humano de se eternizar ao se realizar em uma vocação. Mesmo estando ausente, no lugar onde tudo começou.
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