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Projeto muda a vida de mulheres de Paraisópolis por meio da costura

Criado em 2017, o 'Costurando Sonhos' já capacitou mais de 250 trabalhadoras, que confeccionaram vestido da Miss Brasil

Virtz|Brenda Marques, do R7

Projeto já capacitou mais de 250 mulheres na área de corte e costura
Projeto já capacitou mais de 250 mulheres na área de corte e costura

A agressão contra as mulheres, crime que ainda ocorre com frequência e está subnotificado na pandemia, gerou a necessidade de criar o projeto Costurando Sonhos, que já capacitou mais de 250 moradoras da favela de Paraisópolis, a segunda maior da cidade de São Paulo, para o trabalho como costureiras.

“Em 2017, uma jovem usuária de drogas aqui da comunidade nos procurou porque tinha sido agredida pelo seu companheiro. Como ela tinha um bebê de colo, acabou apanhando ela e o bebê”, relembra Suéli Feio sobre a situação vivenciada por ela e sua amiga Nilde quando trabalhavam em um serviço de assistência social da favela.

“A partir daí a gente começou a se questionar o que mais a gente poderia fazer para ajudar”, acrescenta.

O primeiro passo foi analisar o prontuário de mulheres com o mesmo perfil da jovem que buscou ajuda. “A grande maioria tinha baixa autoestima, baixa escolaridade, dependia totalmente dos seus maridos e não tinha nenhuma fonte de renda. A partir desse diagnóstico, nós começamos a pesquisar alguns cursos de capacitação em ofícios que elas aprendessem em pouco tempo”, descreve Suéli.


A dupla cogitou apostar no mundo da culinária e da beleza, mas acabou desistindo essas possibilidades - no último caso, por medo de que o ciúme dos maridos diante de mulheres arrumadas, com unha e cabelo feito, se tornasse um empecilho à continuidade dos estudos.

Essa questão da violência detona você e já vem%2C muitas vezes%2C de um ciclo familiar [...] Aí%2C quando você oferece oportunidades%2C quebra essa corrente

(Suéli Feio)

Uma ferramenta de transformação social

“Aí a gente foi para os cursos da área da moda. E vimos que o corte e costura era uma capacitação que não demorava muito, tem, relativamente, mercado e, quem quisesse empreender, poderia abrir uma portinha na sua casa para fazer conserto de roupa”, explica. “Apesar da moda ter os problemas que a gente sabe, a gente entendeu que poderia usá-la como uma ferramenta de transformação social”, completa Suéli.


A concretização da iniciativa foi possível graças ao Senai (Serviço Nacional de Aprendizagem Industrial), que forneceu todos os equipamentos necessários para montar uma sala de aula na comunidade.

Juntas, as duas primeiras turmas do curso tinham 40 alunas. Destas, 38 concluíram o processo e receberam a certificação do Senai. Mesmo assim, a inserção no mercado de trabalho foi um desafio, pois uma coisa é estudar e ser totalmente capacitada, outra é cumprir as exigências do mercado, tendo de se equilibrar completamente sozinha para cumprir as tarefas de mãe e profissional.


“Apesar de terem a certificação do Senai, elas não tinham a experiência e a agilidade que a indústria necessita. Mas nossa finalidade não era só a capacitação, era gerar renda através dela, empoderar as mulheres e dar a elas independência financeira para caminhar com as próprias pernas”, explicou Suéli.

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A saída para esse impasse foi criar um produto próprio para comercialização: as ecobags. “Não porque a gente tinha consciência da sustentabilidade, mas por pobreza mesmo. Porque não tinha dinheiro para comprar tecido”, confessa ela.

Nas passarelas da São Paulo Fashion Week

Modelo no desfile de lançamento da coleção "Nós", em 2019
Modelo no desfile de lançamento da coleção "Nós", em 2019

Depois das ecobags, feitas com tecidos doados, o Costurando Sonhos fez novas parcerias e se expandiu. Em 2019, lançou uma coleção própria de roupas batizada de “Nós” - em referência à união entre mulheres -, que chegou às passarelas da São Paulo Fashion Week.

E, mais do que uma fonte de renda, o projeto se tornou para as mulheres de Paraisópolis uma ponte para ocupar espaços em posições e papéis que elas jamais imaginariam ter na vida.

Como aconteceu na ocasião em que a linha de roupas foi lançada no Palácio Tangará, um hotel que Suéli descreve como “bem chique”, localizado no Panamby, bairro nobre da zona sul da capital paulista

“Essa experiência foi incrível, porque as meninas falavam assim: ‘Caramba, eu só passava aqui nesse hotel quando eu ia fazer faxina. Nunca me imaginei em um evento, aqui dentro e com uma peça que a gente confeccionou’”, conta Suéli.

As meninas falavam assim%3A 'Caramba%2C eu só passava aqui nesse hotel quando eu ia fazer faxina'

(Suéli Feio)

“Então, realmente, levanta a autoestima, cumpre essa função importante”, analisa. E faz uma reflexão acerca da importância do projeto para mulheres vítimas de violência doméstica.

“Essa questão da violência detona você, e já vem, muitas vezes, de um ciclo familiar, que a avó apanhava, que a mãe apanhava. Aí, quando você oferece outras oportunidades, você quebra essa corrente. A filha dessa mulher, talvez, não passe mais por esse ciclo”, analisa.

A idealizadora da iniciativa ainda afirma que o trabalho como costureira serviu para que muitas mulheres passassem a ser respeitadas por seus maridos. “A relação já muda só de ela ter autonomia, porque o companheiro sabe que ela não é mais sozinha, tem uma renda e que a hora que ela não quiser [a relação], ela vai ter como manter a si e aos seus filhos”, afirma.

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Vestido da Miss Brasil e nova coleção de roupas

Julia Gama posa com Suéli e Nilde, usando o vestido confeccionado pelas costureiras de Paraisópolis
Julia Gama posa com Suéli e Nilde, usando o vestido confeccionado pelas costureiras de Paraisópolis

Nem a pandemia foi capaz de interromper a expansão do Costurando Sonhos. Em 2020, apenas 10 alunas foram capacitadas, porque as aulas foram suspensas. Mas as costureiras formadas há mais tempo lançaram uma nova coleção de roupas: a Eleva. “De elevar a estima”, destaca Suéli.

Como se não bastasse, o talento delas passou a ser conhecido por pessoas de diferentes partes do mundo, incluindo figuras renomadas do mundo da moda. Isso porque o vestido usado por Julia Gama, a brasileira que foi vice-campeã do Miss Universo, foi desenhado pela estilista das artistas, Michelly X, e confeccionado pelas mãos das mulheres de Paraisópolis.

“Para nós foi uma honra e um incentivo muito grande o fato do nosso trabalho sair dos muros de Paraisópolis e ir para o mundo”, afirma. “E depois desse vestido da Miss, a gente começou a receber pedidos [para fazer] vestido de 15 anos”, conta.

Por causa da covid-19, apenas duas das 78 costureiras e a chefe de produção estão trabalhando na oficina do projeto. As outras estão em home office. “A gente faz um kit com corte, linhas, máscara, elástico, leva para elas e depois retira”, explica Suéli.

Foi nesse novo modelo de trabalho que elas produziram e doaram mais de 350 mil máscaras para proteger os moradores da comunidade do coronavírus.

A partir do dia 15 deste mês, serão abertas novas turmas para o curso, com 16 vagas cada uma - o número foi reduzido para possibilitar o cumprimento das medidas sanitárias recomendadas por autoridades de saúde.

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